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Relatório Cruls, 1894
Carta de Glaziou
Flavio R. Cavalcanti
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“Planalto Central do Brasil, 16 de Novembro de 1894
“Ilmº Sr. Dr. Cruls.
“É com a maior satisfação que venho responder sumariamente às perguntas que vos dignastes dirigir-me relativamente à minha opinião concernente à natureza e ao clima do — Planalto Central do Brasil, estudo que me proponho submeter-vos, finda a viagem, de um modo escrupulosamente detalhado e mais condigno com tudo quanto tiver observado.
“O aspecto das regiões até hoje ¹[Em diversas explorações de um desenvolvimento superior a 700 quilômetros] percorridas é de um país ligeiramente ondulado; lembra-me o Anjou [http://fr.wikipedia.org/wiki/Anjou], a Normandia e mais ainda a Bretanha, exceto todavia na direção Oeste onde campeia a Serra dos Pireneus, tão pitoresca. A leste, estende-se o belo e grandioso vale que vai prolongando-se até aos pequenos montes do rio Parnauá [Paranoá], ramificando-se, em outros pontos, em todas as direções. Esta planície imensa, de superfície tão suavemente sinuosa, é riquíssima de cursos d’água límpida e deliciosa que manam da menor depressão do terreno. Essas fontes, como os grandes rios que regam a região, são protegidas por admiráveis capões aos quais nunca deveria golpear a machada do homem, senão com a maior circunspecção. São magníficos de verdura os pastos e certamente superiores a todos os que vi no Brasil Central. Todos esses elementos cuja disposição se poderia atribuir à inspiração de um artista sublime dão à paisagem o aspecto mais aprazível e de que não há nada comparável, a não ser em miniatura os antigos parques ingleses, desenhados por Le Notre ou Paxton. Tão profundamente gravou-me na memória a beleza do clima que de contínuo o tenho na mente.
“Em consequência da constituição geológica do solo, não é absolutamente fértil a totalidade do território, porém as localidades desprovidas dessa qualidade são cobertas de excelentes espécies de gramíneas principalmente dos gêneros Paspalum e Panicum. A essas ervas espontâneas é que a região deve a superioridade do gado vacum e de seu produto laticínio certamente igual aos melhores da Europa. Eis a razão porque a criação do gado, que não acarreta senão desembolsos mínimos, será indubitavelmente a indústria agrícola mais vantajosa do país. À margem dos rios, dos bosques assim como das inúmeras cabeceiras existem ainda vastos terrenos aptos para o cultivo de muitas espécies de árvores frutíferas dos climas temperados, tais como as pereiras, as macieiras, as figueiras, etc. e principalmente a vinha cujo futuro é garantido por todas as condições que a sua prosperidade exige. A estação aqui chamada — fria — que corresponde ao tempo seco, dá simultaneamente lugar à queda das folhas exatamente como na Europa sucede com o inverno obstando o movimento ascendente da seiva, e impõe ao vegetal uma inação indispensável à maturidade dos galhos novos para a frutificação vindoura. A ser lícita a esperança da prosperidade das árvores frutíferas, não é menos fundada a de todos os legumes indispensáveis ao consumo diário. Além do cultivo em maior e menor escala dos diferentes gêneros, o das florestas que, certamente, não será de menor vantagem para a economia geral pela produção das plantas industriais, é igualmente digna da atenção do agrônomo. Com bastante surpresa observei a existência de numerosas Sapotáceas suscetíveis de fornecerem a — Guta-percha, — substância mui procurada, hoje rara no estado de pureza. Por toda a parte nas matas marginais dos rios encontram-se espécies congêneres tais como Lucuma, Chryzophyllum, Bassia, Mimusops, etc., das que produzem as melhores Guta de Sumatra inconsideradamente quase destruídas pela cobiça dos indígenas que da exportação auferiram grande lucro. Com essas Sapotáceas associam-se outros muitos vegetais cuja utilidade tampouco não é para desprezar, como sejam as plantas de goma, fibrosas, etc., e mais a introdução de espécies exóticas que também seriam de muita vantagem para o país.
“Agora que tenho a dita de viver sob o clima ameno do Planalto, cada dia o acho melhor pela temperatura perfeitamente constante, a leveza e pureza do ar: aí tudo é amável e calmo; quanto à configuração, os vegetais não lembram nem os das regiões quentes nem os dos países frios; às vezes verifico a existência de espécies pertencentes à flora alpestre do Itatiaia, do cume da Serra dos Órgãos ou a regiões distantes do equador, tais como o Chile, o Prata, etc. Muitas dessas plantas brasileiras provenientes de sementes que remeti para Europa haverá 20 ou 30 anos, acham-se hoje perfeitamente aclimatadas em Nice e nos contornos, prova evidente da analogia que existe entre regiões não raro afastadíssimas umas das outras. Ora se os vegetais das regiões altas do Brasil têm vida normal, ao ar livre, no sul da França e da Itália, estou firmemente convencido que o mesmo se há de dar no Planalto quanto às essências mencionadas. Para se conseguir este fim, convém, evidentemente, renunciar à rotina e recorrer à inteligência, sobretudo de homens práticos, pelo menos para dar o impulso.
“Quanto à minha opinião, formada desde já, é com a mais sólida e franca convicção que vos declaro que é perfeita a salubridade desta vasta planície, que não conheço no Brasil Central lugar algum que se lhe possa comparar em bondade. A esta qualidade primordial do Planalto convém acrescentar a abundância dos mananciais d’água pura, dos rios caudalosos cujas águas podem chegar facilmente às extensas colinas que nas proximidades, se vão elevando com declives suavíssimos (1 a 5%). Nada pois deixa a desejar este elemento indispensável para o consumo de uma grande cidade, ainda quanto ao mais remoto futuro: aí também abundam os materiais de construção. A topografia do terreno, tão uniforme, permite o emprego dos instrumentos aratórios mais aperfeiçoados; a flora riquíssima, com um cunho ou fisionomia de todo particular pela uniformidade, carácter geral impresso pela regularidade das condições climatológicas do ambiente que habita. A este respeito, espero poder ministrar-vos amplas e interessantes indicações de geografia botânica quando concluídas todas as nossas observações e colheitas de plantas na localidade.
“Ao terminar esta resumida apreciação, não posso deixar de externar-vos quanto é para desejar a possibilidade de algum estadista vir aqui ajuizar de visu do que vemos juntos e das vantagens que ao progresso industrial e social do país, que tanto estremecemos, oferece o Planalto Central do Brasil.
“Aceite o Ilmº Sr. Dr. Cruls a homenagem dos meus respeitosos sentimentos e sincera dedicação”.
A. Glaziou
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