Parnambuco na época da Independência, com a Comarca do São Francisco chegando ao Planalto Central
Pernambuco em 1817

A capital na Independência
Pacto federativo

Flavio R. Cavalcanti - 7 Jan. 2019

As resenhas da “ideia” de interiorização da capital fazem alusões a um “compromisso” entre as províncias, desde antes da Independência, que incluiria o estabelecimento da capital em área central do Brasil. Aparentemente não teria sido formalizado, e as referências soam vagas.

O mapa (acima), produzido nos Estados Unidos, é um raro exemplo da antiga extensão do Pernambuco até as proximidades do Planalto Central (Comarca do São Francisco), além de ainda abranger Alagoas. — No entanto, contém erros e imprecisões, em especial no Grão Pará, onde omite a capitania do Rio Negro (enquanto apresenta outras 2 inexistentes: Solimões, Guiana). — Também é incerta a época que pretendia representar. Alagoas foi desmembrada por D. João VI, desde a Revolução Pernambucana de 1817; e a Comarca do São Francisco seria desmembrada por D. Pedro I, após a Confederação do Equador, de 1824.

A verdade é que a “Independência” organizada em torno de D. Pedro controlava apenas o Rio de Janeiro e as províncias vizinhas de São Paulo e Minas Gerais, — com algum apoio no distante Rio Grande do Sul, — e na “Província Cisplatina”, a ser “federada” ao Império do Brasil.

O Pará e o Pernambuco tinham aderido à Revolução do Porto, ligando-se diretamente às Cortes (Constituinte) de Lisboa, — e a Bahia, além de aderir, se encontrava ocupada por tropas obedientes a Portugal (não subordinadas à Junta revolucionária local), — enquanto D. Pedro (como D. João VI), só à força jurava e tornava a jurar a futura Constituição, que significaria o fim do poder absoluto da dinastia.

Janeiro 1820 - Tropas espanholas proclamam a Constituição de Cádiz

 9 Mar. 1820 - Motins obrigam Rei de Espanha a jurar a Constituição

24 Ago. 1820 - Revolução do Porto (Portugal)

   Nov. 1820 - Instruções para eleição de deputados às Cortes em Portugal e ultramar

1º Jan. 1821 - Pará adere às Cortes de Lisboa

10 Fev. 1821 - Bahia adere às Cortes de Lisboa (seguida do Piauí, Maranhão, Pernambuco)

25 Fev. 1821 - D. João convoca "procuradores" das Câmaras para "aconselharem" adaptações que pretendia fazer à futura Constituição

26 Fev. 1821 - Pressionado por um levante, D. João jura a futura Constituição, sem falar em alterações
             - Exigia-se também uma Junta de governo no Rio, e novo ministério
             - D. João nomeia o novo ministério indicado pelo levante

 2 Abr. 1821 - D. João estabelece censura à imprensa no Rio

21 Abr. 1821 - Povo exige uma Junta no Rio, e novo ministério
             - Pressionado, D. João decreta vigência imediata da Constituição de Cádiz

22 Abr. 1821 - Massacre da Praça do Comércio
             - D. João nomeia D. Pedro Regente do Brasil

26 Abr. 1821 - D. João VI parte para Portugal

   Abr. 1821 - Províncias brasileiras recebem as bases da Constituição
             - D. Pedro demora a promulgar as bases da Constituição

 5 Jun. 1821 - Pressionado, D. Pedro jura as bases da futura Constituição
             - Concorda em criar Junta no Rio

10 Jun. 1821 - Novo ministério; e Junta da província do Rio

 4 Jul. 1821 - Cortes de Lisboa decretam a liberdade de imprensa

29 Set. 1821 - Cortes regulmentam Juntas nas províncias, sem poder sobre as armas, Fazenda e justiça; e convocam D. Pedro a Portugal

 8 Dez. 1821 - Chega decreto das Cortes mandando eleger Junta de governo no Rio; e convocando D. Pedro a Portugal

24 Dez. 1821 - Junta de São Paulo pede que D. Pedro fique

1º Jan. 1822 - Câmara e “povo” do Rio de Janeiro pedem que D. Pedro fique

 9 Jan. 1822 - Fico cria "Executivo" sem Legislativo, no Rio

16 Jan. 1822 - D. Pedro organiza novo ministério, com José Bonifácio

16 Fev. 1822 - D. Pedro cria Conselho de Procuradores das Províncias do Brasil (consultivo)

22 Abr. 1822 - O Correio do Rio de Janeiro pede Cortes no Brasil; campanha cresce de 18 a 23 Maio.

23 Mai. 1822 - Representação do povo do Rio pede Constituinte no Brasil

 3 Jun. 1822 - D. Pedro instala o Conselho de Procuradores das Províncias (consultivo)

18 Jul. 1822 - Decreto de José Bonifácio limita a liberdade de imprensa

1º Ago. 1822 - Manifesto do Regente constitucional aos povos do Brasil

 6 Ago. 1822 - Manifesto de D. Pedro às nações amigas
... ... ... ... ... ...
18 Set. 1822 - Decreto de Anistia para todas as “opiniões passadas”

12 Out. 1822 - D. Pedro aclamado Imperador "pela vontade do povo"

 3 Mai. 1823 - Instalada Assembleia Constituinte do Brasil

12 Nov. 1823 - D. Pedro manda fechar a Constituinte; prende e exila os Andradas

25 Mar. 1824 - D. Pedro “outorga” sua Constituição ao Brasil

Do ponto de vista do Rio de Janeiro, todo o “Norte”, — Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Bahia, — parecia “perdido” para o “Império” sonhado pelos grupos em torno de D. Pedro.

Ao partir de volta para Lisboa, deixando D. Pedro como regente do Brasil, — e dando ordem para que as províncias elegessem deputados às Cortes de Lisboa, — o Rei pretendia influir ou adquirir algum controle da Revolução em Portugal.

Não interessava ao Rei (nem ao Príncipe, nem aos grupos em torno deles), abrir mão da “soberania” da Coroa, nem de sua origem “divina”, muito menos do poder absoluto e incontestável, — em troca da soberania do “povo” e das limitações impostas por uma Constituição (e por um Congresso, ou por uma “Junta” de “homens bons”), — embora a parte mais “ilustrada” de seus conselheiros considerasse inevitável a mudança, vendo possibilidades concretas de controlar o “feio fantasma do espírito de liberdade” para obter leis que, afinal, ainda deixassem ao Rei poder suficiente para mandar o Congresso às favas.

Entrar na luta política, enfim, — onde mais vale a estratégia, do que palavras e juras, — e a partir daí, jogar interesses e brios locais contra as belas ideias dos revolucionários de Lisboa.

Nas Cortes

Nesse embate político, os “regeneradores” de Portugal, — liberais na palavra, mas ansiosos por recuperar suas vantagens comerciais e controle sobre a antiga colônia, — podiam ser facilmente jogados contra as províncias do Reino do Brasil.

Ao Pará, ao Maranhão (e à capitania do Rio Negro), era mais fácil a navegação para Portugal do que para o Rio de Janeiro, — e a instituição do “Reino do Brasil” pouco tinha aliviado sua situação anterior de “colônia”. — Pouco se-lhes dava, que fossem extintos os tribunais e o governo do “antigo regime”, no Rio; era-lhes mais cômodo recorrer a instituições liberais em Lisboa.

Mesmo ao Pernambuco e à Bahia, recorrer a instituições liberais em Lisboa podia ser mais atraente do que preservar tribunais e Regência dos tempos do despotismo, no Rio de Janeiro, — se as Cortes (com maioria* de portugueses) não insistissem em retirar de suas Juntas o controle da força, dos impostos e da justiça, tentanto impingir um “governador de armas”. — Era praticamente a volta do “capitão-general”, enviado para governar as antigas “capitanias” (daí o nome).

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(*) As instruções eleitorais estipulavam um cálculo que daria cerca de 130 deputados a Portugal e cerca de 70 ao Brasil, — dos quais cerca de 50 chegaram a participar das Cortes.

Para a maioria das províncias (inclusive os republicanos do Rio de Janeiro), a retirada de D. Pedro do Rio de Janeiro era até desejável, — mas o esvaziamento de suas Juntas de governo eleitas podia ser usado para jogá-las contra as ordens das Cortes de Lisboa, de 29 de Setembro de 1821, — decretadas com quorum de apenas 74 deputados, portanto muito inferior aos 2/3 exigidos.

Esse esvaziamento das Juntas alarmava as províncias, tornando-as sensíveis ao princípio da “união” do Brasil, como um “Reino”, com os mesmos direitos de Portugal, — vale dizer, com um “centro” próprio de governo, Cortes, depois Congresso, e poder executivo, — não, necessariamente, na figura de D. Pedro, que continuava a representar a antiga monarquia absolutista.

Afinal, a maioria de deputados portugueses se “dispôs a aceitar” que no Brasil houvesse “dois ou três centros de poder”, — a pretexto da “comodidade” para diferentes regiões (menores distâncias), — ainda jogando com as desconfianças em relação ao Regente, no Rio.

A manobra era facilmente desmascarada, pelo escândalo com que recebiam qualquer proposta de “Cortes no Brasil”, para seus assuntos exclusivos. — Ora, se consideravam inaceitável haver um “ramo legislativo” no Brasil, como adimitiam tão facilmente conceder “dois ou três ramos do executivo”? — Isso em nada diferia de ter as províncias do Brasil divididas entre si, para melhor submetê-las por meio de tropas, juízes e funcionários da Fazenda diretamente subordinados a Portugal.

Enfim, a imposição do velho monopólio comercial da Metrópole (sob outros nomes e mecanismos) era suficiente, por si só, para colocar todos os deputados brasileiros do mesmo lado, — minoria sempre vencida, embalada em sucessivas promessas de que, depois, uma “comissão” iria “revisar” os itens referentes ao Brasil, para atender seus reclamos. — De nada adiantava debater, negociar na “comissão”, se todas as suas propostas, mesmo que só de leve favoráveis ao Brasil, eram logo rejeitadas no Plenário.

A cada passo, os deputados das províncias do Brasil eram alienados pela imprudência da maioria lusa, — que julgava ter a faca e o queijo nas mãos, para decidir apenas em seu próprio interesse, e depois exigir fidelidade à Constituição.

Um catalisador importante para esse crescente alinhamento dos deputados brasileiros foi a chegada dos representantes de São Paulo, com um programa de ação bem definido, — as “Instruções aos representantes de S. Paulo junto às Cortes em Lisboa”, — com alguns pontos, talvez, decisivos:

  • Igualdade política e civil entre os cidadãos dos dois reinos (Brasil e Portugal), — com igual número de deputados nas Cortes, — e divisão das despesas apenas em casos de interesse comum (diplomacia, guerra, sustento da família real)
  • Sede da realeza alternando-se entre os dois Reinos
  • Regência no Brasil, — sempre que o Rei e as Cortes estiverem em Portugal, — com poder para demarcar as divisas entre as províncias e as fronteiras com a América de língua espanhola
  • Estabelecer a capital do Brasil no interior, — «na latitude, pouco mais ou menos, de 15 graus, em sítio sadio, ameno*, fértil e regado por algum rio navegável», — o que vale dizer, em região elevada (planalto*), próximo às nascentes do rio Carinhanha, então divisa de Pernambuco e Minas Gerais
  • Escolas primárias por todas as freguesias; — aulas práticas «medicina, cirurgia, veterinaria, mathematicas elementares, physica, chimica, botanica, horticultura, mineralogia e zoologia» em cada província; — e pelo menos uma Universidade no Brasil

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(*) As reiteradas referências a uma altitude de 800 ou 1000 metros acima do nível do mar referem-se à então recente comprovação, por Humboldt, da relação entre “altitude” e “amenidade” do clima, em baixas latitudes (do Equador aos Trópicos).

Se “governo geral” e tribunais no Rio de Janeiro não atraíam a simpatia das províncias do “Norte”, esse conjunto de diretrizes, — opostas às decisões da maioria portuguesa, — tinha potencial para aplainar desconfianças e unir os brasileiros nas Cortes de Lisboa.

Afinal, essas instruções eram assinadas por todos os membros da Junta de São Paulo, — e tinham sido publicadas no Rio de Janeiro, por ordem de D. Pedro, — o que lhes conferia valor de compromisso, perante as províncias do “Norte”.

Notar as insinuações de um deputado português sobre um caráter despótico de José Bonifácio, quando era ... xxx

Em Maio de 1822, foi criada mais uma comissão (a terceira!) das Cortes Gerais da Nação Portuguesa, — formada por Antônio Carlos (SP), Lino Coutinho (BA), Araújo Lima (PE), Vilela Barbosa (RJ) e Fernandes Pinheiro (SP), — para propor os “artigos adicionais à Constituição” aplicáveis ao Brasil.

Em 15 de Junho de 1822, a comissão apresenta às Cortes o “Aditamento ao Projecto de Constituição para faze-la applicavel ao Reino do Brazil”, — assinado por Fernandes Pinheiro (SP), Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP) e José Lino Coutinho (BA), — explicitando, mais uma vez (e com abundante fundamentação) a criação de uma capital “entre as nascentes dos rios confluentes ao Paraguay e Amazonas”. Era a localização exata; e até propunham o nome de “Brasília”.

O compromisso é claro, — subscrito por deputados ligados ao “projeto imperial” do Sudeste, — em uma comissão que representava os deputados das demais províncias do Brasil, num momento em que se congregavam para fazer frente aos “regeneradores” de Portugal. — Significava, sem dúvida, um acordo.

Chegada* dos deputados brasileiros às Cortes de Lisboa:

  • Ago. 1821 - Pernambuco
  • Set. 1821 - Rio de Janeiro
  • Nov. 1821 - Maranhão e Santa Catarina
  • Dez. 1821 - Bahia e Alagoas
  • Fev. 1822 - Paraíba e São Paulo
  • Abr. 1822 - Pará, Espírito Santo, Goiás
  • Mai. 1822 - Ceará

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(*) Datas aproximadas. — Não tomaram assento os deputados de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, nem o deputado eleito pela província Cisplatina, que ainda estava no Rio de Janeiro em Jun. 1822, quando D. Pedro instalou um “Conselho de Procuradores das províncias”.

— … • Segue • … —

Nas Províncias

Apenas na Bahia, o “comandante de armas” enviado por Portugal se impôs à Junta eleita e às tropas locais*, — provocando uma guerra civil de guerrilhas, que nunca pôde vencer, — apesar do reforço de parte das tropas expulsas do Rio.

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(*) Frequentes referências a levantes ou motins de “povo e tropa” refletem a organização hierárquica da sociedade local, através das Câmaras das “vilas” (cidades), onde “homens bons” e “povo” treinavam e podiam a qualquer momento ser convocados para diferentes ramos e níveis das “armas”.

O Pernambuco logo expulsou as tropas fieis a Lisboa, — e mandou de volta as que foram enviadas depois.

No Rio de Janeiro, onde as tropas de Avilez (governador das armas) não aceitaram o “Fico”, logo chegaram forças enviadas de São Paulo para se contraporem a elas, — enquanto D. Pedro percorria centenas de léguas para reunir soldados das vilas mais próximas, — e finalmente forçar a “Divisão Auxiliadora” a embarcar de volta para Portugal (parte dela foi reforçar o “governo de armas” da Bahia, fiel a Portugal).

Novas tropas enviadas por Lisboa foram proibidas de desembarcar no Rio de Janeiro, e tiveram de regressar, — sem um dos navios (que D. Pedro incorporou a suas forças) e sem centenas de soldados, que preferiram se tornar “brasileiros”.

Enquanto isso, a maioria portuguesa nas Cortes de Lisboa homenageava tropas que haviam cometido violências no Brasil; mandava processar as que se deixaram expulsar sem luta; — emitia ordens para a volta de D. Pedro; discutia processar por crime a Junta de São Paulo, o bispo e a Câmara do Rio de Janeiro; — e debatia planos de enviar tropas ainda maiores, que não tinha como pagar e armar.

Protegida pela muralha da serra do Mar, a Junta de Minas Gerais legislava, nomeava funcionários e cuidava de sua vida, sem ligar para as Cortes de Lisboa, — onde um deputado português mais entusiasmado dizia bastar um punhado de soldados para desembarcar em Santos e tomar São Paulo, no alto da serra.

O próprio D. Pedro teria sérias dificuldades para impor a São Paulo seu “governador de armas”, — que não conseguiu (ou não quis) entrar na cidade, e retornou a Santos. — Essa dificuldade durou de Maio a Setembro de 1822; e foi o motivo de sua mais famosa ida à província.

À medida em que se finalizava a Constituição, a situação se invertia, — as Cortes de Lisboa consideravam que já nenhuma província do Brasil lhe obedecia, — embora de modo algum se considerassem incondicionalmente unidas à Regência de D. Pedro no Rio de Janeiro.

  • Jun. 1822 - As Cortes recebem comunicação de D. Pedro de que os deputados de Minas Gerais não embarcavam, até saber o que se havia decidido em Portugal sobre o Brasil
  • Jul. 1822 - Precisando de assinaturas na Constituição finalizada, as Cortes decidem empossar os suplentes que se encontravam em Lisboa, — do Piauí, Paraíba, Rio Negro (Amazonas), — para prevenir reclamações de que a minoria não tinha sido atendida nos assuntos referentes ao Brasil
  • Nov. 1822 - Transformada em Congresso regular, as Cortes decretam que Ceará, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo não tinham mais direito de assento, por terem aderido à Constituinte convocada por D. Pedro. — Teoricamente, permaneciam com direito a representação apenas o Maranhão, Pará, Piauí, Rio Negro (Amazonas), Santa Catarina, Espírito Santo, Goiás e Bahia. — Na prática, porém, apenas 4 deputados do Brasil ainda se dignavam a comparecer

No Rio de Janeiro

Aos grupos reunidos em torno de D. Pedro, restava atrair para a “união” as demais províncias do “Norte”, — cada vez mais indispostas com as Cortes de Lisboa, — porém avessas a um projeto de “Império” absolutista que, a rigor, pouco se distinguiria de uma “metrópole colonizadora”, agora encarnada no Rio de Janeiro.

Esses grupos representavam interesses mais ou menos comuns, — em geral, a defesa da “civilização europeia” nos trópicos, em meio a “um mar de negros” escravizados ou libertos, índios “selvagens” ou aculturados, mulatos, caboclos, cafusos e brancos pobres, — por isso, havia limites estreitos, mesmo nos mais belos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

Estava bem presente na memória a rebelião dos negros no Haiti, em 1791, no rastro da Revolução Francesa, para ser usada como espantalho contra “ideias de liberdade” entre os “brancos”. — Mesmo nos EUA e na Europa a ideia de “democracia” ainda estava longe de incluir toda a população ”branca”, sem distinção de “classe” e níveis de riqueza. — É problemático saber qual “povo” exigiu a substituição de ministros, a eleição de Juntas de governo, o juramento da futura Constituição pelo Rei e pelo Príncipe etc. Mesmo onde é citada participação da “gente miúda do povo” (sem bens e sem pedigree), é prudente conter a imaginação.

Em termos políticos, esses defensores da “civilização europeia” nos trópicos costumam ser classificados, mais ou menos, entre:

  • Os “malditos democráticos”, “infernais republicanos” etc., defensores de um “pacto social” com base em uma Constituição feita por representantes eleitos de todas as províncias, equilíbrio de poderes (executivo, legislativo, judiciário) e autonomia das províncias em seus assuntos. — Seriam ainda mais “maléficos” os que se opunham à existência de uma “câmara alta” (de nobres, para frear a “democracia” dos deputados) e os que pretendiam limitar o poder de veto do Rei / Imperador à mera suspensão temporária das leis, até que o Congresso as discutisse melhor. Essas duas propostas “radicais” venceram nas Cortes de Lisboa, com o aplauso de muitos deputados do Brasil e de parte significativa da imprensa do Rio de Janeiro. — É só desse grupo que surgem propostas mais arrojadas, como a de Cipriano Barata, de que tivessem direito a voto todos os brancos nascidos em Portugal ou no Brasil; todos os negros livres, nascidos na África ou no Brasil; enfim, todos os mestiços filhos dos portugueses, brasileiros, negros e índios.
  • Os “ilustrados” e constitucionais “moderados”, defensores de uma Constituição com uma “segura partilha de poderes”, — vale dizer, que concentrasse o poder no Rio e no Imperador, acima do legislativo, das províncias (e da justiça, já que o Imperador não podia ser responsabilizado por seus atos). — É verdade que o orçamento e a aprovação de impostos dependeriam do Congresso dos “homens bons”; e os ministros responderiam perante ele; mas as leis que o Parlamento fizesse iriam para o lixo, se o Imperador não se dignasse a aprová-las.
  • Os francamente “absolutistas”, — também chamados “corcundas”, ou “corcovados”, — contrários a esse negócio de Constituição etc.
  • Os “áulicos”, — pouco afeitos a “ideias” disso ou daquilo, — desde que seus interesses pudessem ser atendidos pela adulação ao Rei / Regente / Imperador e por intrigas no círculo restrito dos cortesãos.

Economicamente, os mais fracos eram os “infernais democráticos”, — pois a força estava com os mais ricos e “bem situados”, — nobres com acesso ao Regente / Imperador, ao mesmo tempo altos funcionários do Estado, ao mesmo tempo donos de terras e escravos, e ao mesmo tempo com uma perna no grande comércio, por meio da união de famílias vindas com D. João e famílias ricas da terra. Poderiam estar no terceiro grupo, mas não custava nada apoiar o segundo, que afinal atenderia muito bem seus interesses. A rigor, a “moderação” vinha a ser um modo “constitucional” de preservar o poder da monarquia, contra a onda das “malvadas ideias francesas” que varria Europa e Américas.

Nem todo “moderado” era “ilustrado”; mas a estratégia calhava bem.

Mais do que todos, “ilustrado” era José Bonifácio (tal como Hipólito), mas sua antevisão da necessidade de eliminar rapidamente a escravidão, “integrar” os índios, dividir as terras (ilegalmente apossadas ou mantidas), — para aumentar o “povoamento”, a agricultura e o comércio interno, essenciais à riqueza e à defesa do “Império”, — tinha tudo para incomodar as grandes famílias “proprietárias” de terras e de escravos, e cuja “moderação” tinha em vista somente um cálculo imediatista.

No entanto, o apoio dos “infernais democráticos” (e das províncias do “Norte”) era fundamental, para os demais grupos, — como ficou claro no episódio do “Fico”, na virada de 1821 para 1822. — Os “malditos republicanos” preferiam que o Príncipe Regente fosse embora para Portugal, e que se elegesse logo a Junta de governo do Rio de Janeiro, tantas vezes negaceada.

Afinal, foram convencidos a apoiar a “ficada” de D. Pedro no Brasil, — mas logo em seguida, serão os primeiros a observar que, no tumulto dos acontecimentos, fora criado um “executivo sem legislativo”, — ou seja, o Príncipe Regente permanecia “absoluto”; governava como bem entendesse.

As representações de São Paulo e do Rio tinham pedido (e D. Pedro “decretou”) apenas a criação de um “Conselho” de procuradores a serem eleitos pelas províncias; — mas mesmo este “Conselho” (sem poderes) permaneceu letra morta, até Junho.

A partir de Abril de 1822 (aniversário do Massacre da Praça do Comércio), os “malditos democráticos” lançam campanha pela convocação de “Cortes brasílicas”. — Em 23 de Maio, apresentam ao Príncipe Regente uma “Representação do povo do Rio de Janeiro”, com nada menos que 6 mil assinaturas (número espantoso, na época), pedindo a convocação de uma Assembleia Constituinte, por eleições diretas. — E o local onde se reunisse a Constituinte seria a “sede da soberania brasílica”.

D. Pedro recebeu a “Representação do povo do Rio de Janeiro” com poucas palavras, mas logo uma onda de rumores, boatos, intrigas e violentas publicações anônimas deixou claro que não tinha gostado, — nem da ideia de uma Constituinte, nem da ideia de eleições diretas, — e muito menos da eventual mudança da “sede da soberania brasílica” para longe do Rio (ou para fora de sua pessoa).

Em 1º de Junho, um Sábado, convocou às pressas o “Conselho de procuradores das províncias” (decretado desde Fevereiro), — para se reunir já no dia seguinte, um Domingo, quando foi “instalado” com apenas 3 “representantes”: — o deputado da Cisplatina (Uruguai), que ainda não tinha embarcado para as Cortes de Lisboa; e dois representantes do Rio de Janeiro, que também estavam à mão.

O decreto de criação do “Conselho” (uma “legislação” feita pelo “executivo”) estabelecia que ele se reuniria em uma sala do Paço Imperial, quando o Regente / Imperador (seu presidente) assim desejasse; — e dele fariam parte seus secretários e ministros (do Reino e Estrangeiros, da Justiça, da Fazenda, da Guerra, da Marinha), com direito a voto. — Os três “procuradores” da Cisplatina e do Rio serviriam, portanto, para dar aparência “consultiva” a decisões do próprio governo, que ficou em maioria.

Trata-se do primeiro “Conselho de Estado” (seu nome posterior), mais tarde extinto por pressão “popular” (após a abdicação de Pedro I), e recriado por D. Pedro II.

Na Segunda-feira, 3 de Junho, a Regência decretou a convocação das Cortes brasílicas, — segundo instruções a serem elaboradas pelo “Conselho”, — que no dia 10 “decidiu” tornar secretas suas reuniões. Vale dizer, subtraí-las da opinião pública.

Novos sinais de “absolutismo” se sucederam, como o decreto de punições à liberdade de imprensa, em 18 de Junho de 1822, elaborado por José Bonifácio, tendo em vista, explicitamente a futura Constituinte, — para evitar que “propaguem e publiquem os inimigos da ordem e da tranquillidade e da união, doutrinas incendiarias e subversivas, principios desorganizadores e dissociaveis; que promovendo a anarchia e a licença, ataquem e destruam o systema, que os Povos deste grande e riquissimo Reino por sua propria vontade escolheram, abraçaram e Me requereram”. — Ou seja, fala como se o “sistema” de governo já estivesse escolhido (antes da Constituinte!); e diz abertamente que visa direcionar, desde já, o que poderá (ou não) ser discutido.

Desde muito antes da Constituinte (e antes mesmo da “Independência”), José Bonifácio já assegurava ao embaixador da Áustria, — e dona Leopoldina (que presidia o “Conselho” na ausência de D. Pedro) garantia ao Imperador da Áustria, líder da Santa Aliança, — que a futura Constituição não teria essa coisa de “Câmara única” (haveria Senado!), nem restrições ao veto de leis pelo Imperador, entre outras coisas.

Outro sinal, seria o Manifesto do Regente constitucional aos povos do Brasil, em 1º de Agosto de 1822 (também elaborado por José Bonifácio), em que se joga com os receios de “recolonização”, — e se torce o significado de palavras como “liberdade”, para propor um “governo forte”, — ou de “independência”, para falar em união com a Coroa portuguesa, sem as malvadas Cortes constitucionais de Lisboa.

Em 6 de Agosto, outro manifesto, agora endereçado “às nações amigas”, pinta as Cortes (e toda a Revolução do Porto, desde 1820) com os mais tenebrosos adjetivos, — sob a ótica absolutista, — denunciando “republicanismo” (associado como “separatismo”) por toda a parte. Poderia servir de aviso ao Pernambuco e outras províncias que não se colocassem às suas ordens; e até como ameaça às Cortes de Lisboa, acenando com uma possível intervenção das tropas da Santa Aliança, inimiga feroz das “malvadas ideias francesas” (esse medo, de fato, assombrava Portugal).

Fatos bastante significativos (mas pouco observados), é que em Maio de 1822 D. Pedro nomeou um “governador de armas” de São Paulo; “dissolveu” a Junta eleita, — dentro da qual se digladiavam “liberais” e “conservadores” [sic: Alesp]; e em 9 de Setembro “nomeou” outra Junta, — que iria “organizar” a eleição de deputados paulistas às Cortes brasílicas.

No entanto, o apoio dos “solapados facciosos” (e das províncias do “Norte”) ainda seria fundamental para a aclamação de D. Pedro “Imperador Constitucional” pela “unânime aclamação dos povos”, — ou seja, não por “soberania” própria, nem por “direito divino”, mas pela vontade do povo, — que, na visão dos “maléficos radicais”, era só quem tinha “soberania” para delegar a seus governantes.

Para isso, em 18 de Setembro foi decretada anistia geral por todas as “opiniões passadas” (o que desarmava os espíritos), — e se enviaram ofícios às Câmaras das vilas próximas e distantes, com todas as juras de “constitucionalismo” do futuro Imperador, — preparando a Aclamação marcada para 12 de Outubro.

Apenas 10 dias após a Aclamação do “Imperador Constitucional” pela “unânime vontade dos povos”, o jornalista João Soares Lisboa foi impedido de continuar publicando o “Correio do Rio de Janeiro”, em 22 de Outubro; e “convidado” a deixar o Brasil dentro de 8 dias, — de modo a não se poder defender da acusação contra ele e outros 13 “malditos democráticos”, em 30 de Outubro de 1822, de conspirarem para “mudar a forma de governo”, — “forma” que simplesmente não existia, enquanto a futura Constituinte brasílica (com liberdade e livre de ameaças) não a definisse.

Os documentos do processo soam pouco originais, em retrospecto, — falam de pessoas “espalhando doutrinas erradas, e contrárias ao sistema do governo estabelecido [sic] (...) pretendiam desacreditar o mesmo governo, alterar sua forma, e fomentar a discórdia e a guerra civil”.

Em 2 de Novembro de 1822, o “ilustrado” e “moderado” ministro José Bonifácio determina uma devassa para descobrir os “partidistas”, “os terríveis monstros desorganizadores”, “os facciosos e inimigos da tranquilidade pública, traidores ao Império”, “conspirando contra o governo”, que fomentavam “a anarquia e a guerra civil”, — uma “facção ultimamente forjada contra o governo”, “facção oculta e tenebrosa de furiosos demagogos e anarquistas”, que ousavam “caluniar a indubitável constitucionalidade do Nosso Augusto Imperador”, — um “infernal partido” de “traidores” e de “solapados demagogos”, dotados de “perversos e manhosos desígnios” para “plantar e disseminar desordens, sustos e anarquia”.

Foram todos absolvidos (exceto João Soares Lisboa), — mas a essa altura, vários já tinham sido presos, expulsos, degredados, asilados ou “convidados” a deixar o Brasil. — Um ano depois, o “moderado” e “ilustrado” José Bonifácio seria tratado do mesmo modo pelo Imperador.

Na Constituinte brasileira, instalada em 1823, José Bonifácio mantém o mesmo “compromisso”, ao propor, — com todos os detalhes, — a construção de uma capital no planalto central do país.

Mas a Constituição elaborada pela Constituinte não seguia as preferências de D. Pedro e dos grupos em torno dele, — dos quais José Bonifácio já estava excluído. — Em fins de 1823, o Imperador “constitucional” mandou suas tropas dissolverem a Constituinte; prenderem José Bonifácio (entre outros deputados); e embarcar os Andradas para o exílio.

Ordens não-escritas quase levaram à prisão (e possível morte) dos Andradas, em Portugal ou na Espanha, — situação evitada por um dos oficiais, que se recusou a obedecer instruções não-oficiais.

Em 1824, D. Pedro “outorgou” ao Brasil uma Constituição a seu gosto, — mas só pressionado acabaria convocando o Parlamento, em 1826. — Nesse meio tempo, rebelou-se a Confederação do Equador, abrangendo boa parte do “Norte”, devido à quebra do “pacto de federação” por parte do Imperador.

No tratado assinado com Portugal, intermediado pela Inglaterra, desapareceu qualquer referência à “soberania” do povo que o aclamou Imperador. — A Independência tornou-se mera concessão (nem por isso gratuita) de El-Rei D. João VI, — deixando aberta a possibilidade de reunificação com Portugal.

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Confederação do Equador

Mapa do Brasil na época de Debret
Mapa do Brasil, in Debret

Eesse compromisso de se estabelecer uma capital no interior do Brasil será lembrado em 1852 pelo senador pernambucano Holanda Cavalcanti, segundo relato de Varnhagen, — que tantas vezes não “encontra” nem consegue “averiguar” fatos capazes de lembrar ideias “radicais” (e como foram varridas à força), já que seu propósito era construir uma história “oficial” do Império:

... e asseverou que, por occasião da independencia, circulára a promessa de uma capital no centro do paiz. (...)

Dá o dito senador a entender que á proclamação da independencia se associou uma especie de promessa de que a capital seria central. Tanto não temos alcançado averiguar.

A expressão “uma espécie de promessa” soa depreciativa, — bem ao sabor de uma história “oficial” que primou por diminuir, retirar significado, esquecer, suprimir, apagar o que não fosse “conveniente”, — mas não partiu de Varnhagen. Foi empregada por Holanda Cavalcanti, com um claro sentido de não remexer velhas feridas.

Ernesto Silva afirma que "quase todas as revoluções" anteriores a 1824 reivindicaram o estabelecimento da capital no interior. — Porém não apresenta registros anteriores a esse ano — ausentes, por sinal, também do levantamento realizado pelo Serviço de Documentação da Presidência da República (1960).

A citação de Ernesto Silva data, ao contrário, do momento em que o pacto já tinha sido rompido, pelo fechamento da Constituinte por D. Pedro I:

Em 1824, a Confederação do Equador, como de resto quase todas as revoluções anteriores, fez referência à interiorização da Capital Federal. Conta o Barão do Rio Branco em nota à História da Independência do Brasil, de Francisco Adolpho Varnhagen (volume 6, página 312):

«Em Poço Comprido, na Paraíba, celebraram um grande Conselho e resolveram que não se admitisse capitulação com o General Lima e Silva senão sob a condição de evacuar o Recife e de se instalar a Assembléia Constituinte em um ponto Central do Brasil, fora da influência das armas do Rio de Janeiro

O texto da nota nº 84 de Rio Branco é, na íntegra:

« Em Poço Comprido, na Paraíba, celebraram um grande conselho e resolveram que se não admitisse capitulação com o General Lima e Silva senão sob a condição de evacuar êle o Recife, e de se instalar a Assembléia Constituinte em um ponto Central do Brasil, fora da influência das armas do Rio de Janeiro, e que se não aceitasse Constituição alguma que não fôsse feita por uma Constituinte assim reunida. Êsse corpo de tropas passou a denominar-se "Divisão Constitucional da Confederação do Equador (R.B.). » [Barão do Rio Branco, nota (84) à História da Independência do Brasil, de F. A. Varnhagen, São Paulo, 1917, vol. 6, pág. 311. cf. [AH1 p. 49]

O levantamento do Serviço de Documentação da Presidencia da República transcreve esse mesmo trecho de modo ainda mais completo, a partir de outra fonte:

« No Poço Comprido, agregou-se-lhe o contingente paraibano comandado pelo capitão João da França Câmara, e neste lugar celebrando-se um grande conselho composto do presidente faccioso da Paraíba, do governador das armas José Victoriano Delgado de Borba e Albuquerque, que substituíra nesse cargo ao tenente-coronel Manoel Ignácio Bezerra de Mello, por se haver êste dêle demitido, da oficialidade e pessoas importantes, decidiu-se que, não se aceitasse capitulação alguma do general Lima senão sob a base de evacuar o Recife com suas tropas, de instalar-se a assembléia constituinte em um ponto central do Brasil, fora da influência das armas do Rio de Janeiro, não se aceitando qualquer constituição que não fôsse feita por aquela assembléia; à divisão deu-se o nome de Divisão Constitucional da Confederação do Equador. » [Antonio Pereira Pinto, "A Confederação do Equador. Noticia histórica sôbre a revolução pernambucana de 1824". in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 29, parte 2, págs. 130-131, cf. [AH1 p. 49]

Adirson de Vasconcelos cita que, segundo Frei Caneca, os confederados decidiram "a instalação da Assembléia Constituinte do Brasil em um ponto central"; e que Paes de Andrade, em sua Proclamação de julho de 1824 anunciou "um governo central (...) em local fértil, sadio e abundante d'água, numa cidade central para Capital, menos distante 40 léguas da costa do mar".

Também estas citações parecem provir do levantamento do Serviço de Documentação. O texto de Frei Caneca, por exemplo:

« No dia seguinte, diz Frei Caneca, celebrou-se um Grande Conselho, composto do governador eleito das armas e presidente temporário da Paraíba (sic), de tôda a oficialidade e das pessoas mais atendíveis pelo seu estado, talento e patriotismo; e tratando-se dos meios necessários para a segurança da causa da liberdade e salvação daquela fôrça e povo, decidiu-se: que nenhuma capitulação aceitariam do general Lima e Silva, comandante das tropas imperiais, a não procederem a evacuação das tropas do Rio de Janeiro, que ocupavam a capital de Pernambuco, e a instalação da Assembléia Constituinte do Brasil em um ponto central do mesmo, onde em liberdade e fora da influência das armas do Rio de Janeiro, ou em outra qualquer província, se pudesse discutir e decretar a Constituição ou leis fundamentais do Brasil; pois que de nenhuma forma recebiam constituição alguma, que não fôsse feita pelos legítimos representantes da nação brasileira, reunida em congresso soberano. » [Frei Caneca, Itinerário, in Ulysses Soares Brandão, A Confederação do Equador, Pernambuco, 1924, pág. 256. [AH1 p. 49-50]

A proclamação de Paes de Andrade a todo o Brasil, sem indicação de data:

« Segui ó brasileiros o exemplo dos bravos habitantes da zona tórrida, vossos irmãos, vossos amigos, vossos compatriotas; imitai os valentes de seis províncias do norte que vão estabelecer seu govêrno debaixo do melhor de todos os sistemas — representativo —; um centro em lugar escolhido pelos votos dos nossos representantes dará vitalidade e movimento a todo nosso grande corpo social. Cada Estado terá seu respectivo centro, e cada um dêstes centros, formando um anel da grande cadeia, nos tornará invencíveis.

« Brasileiros! Pequenas considerações só devem estorvar pequenas almas: o momento é êste, salvemos a honra, a pátria e a liberdade, soltando o grito festivo — Viva a Confederação do Equador! — Manuel de Carvalho Pais de Andrade, presidente. » [Manifesto de Manuel de Carvalho Pais de Andrade, in Ulysses de Carvalho Soares Brandão, A Confederação do Equador, pág. 207, por cortês indicação do Sr. Amaro Quintas, do Recife, cf. AH1 p. 50]

Ou a proclamação datada de 2 de julho de 1824, dirigida aos baianos, e onde o centro proposto parece assumir significado, não tanto geográfico, mas com certeza político — um governo de união das províncias (e não de dominação sobre elas). Ao rejeitar o Conselho Provincial como falseamento da Assembléia Estadual (retirando-lhe poder e autonomia), associa o absolutismo monárquico ao escravagismo e ao Rio de Janeiro — encarnando a imagem de corcundismo (avareza; absolutismo) no Corcovado:

« Quimérica união brasileira! Ela se estende da absoluta sujeição ao Rio. Tôdas as províncias por êste artigo são estrangeiras umas às outras. De que serve agora êsse fantasma de Conselho Provincial sem algumas atribuições efetivas no desabrido abandono em que nos achamos; êsse Conselho, que tanto deslumbrou vossos olhos fascinados? Amigos Baianos sacudi essa areia, que vos atiraram aos olhos pessoas ou iludidas também, ou interessadas. Atentai por vossa própria segurança. O Imperador só cura do Pão de Açúcar: nós somos menoscabados, e entregues à discrição dos Sarracenos. Unamo-nos, bravos filhos de Cabral! Os Pernambucanos vos convidam; vossos vizinhos, vossos amigos, vossos irmãos de armas, êles vos estendem a mão amiga. Uma robusta cadeia de União se vai formar das províncias do Norte: vós sois um dos principais anéis; sem vós esta cadeia seria defeituosa. Um govêrno central deve ser o vínculo desta união: ele dirigirá os planos de nossa defesa comum: ele presidirá aos nossos destinos: êle nos dará a bens, que nos não podem vir das mãos avaras de negros, de ferrenho Corcovado... » [Proclamação, datada de 2 de julho de 1824, de Manuel de Carvalho Pais de Andrade, ibidem, pág. 212, cf. AH1 p. 51]

O levantamento inclui, ainda, o depoimento europeu de Maria Graham:

« 20 de agôsto de 1824. Acordei às 6 horas e após uma pequena volta pelo jardim e pomar, almocei cedo e fui para a cidade com o Sr. Stewart. Caminhamos por uma longa extensão da terra e procurei de novo Carvalho, na esperança de que meus apelos pudessem ainda poupar o derramamento de sangue. Recebe-me com a maior polidez, mandou chamar a filha para ver-me e fêz servir frutas e vinho. Deu-me alguns mapas e planos, mostrou-me a posição das tropas, e disse-me que, dentro de um mês, esperava ter tudo pronto. Olhei para algumas de suas tropas, — meninos de dez anos e negros de cabeça branca. Declarou-me que êle e seu partido nunca cederiam senão nos seguintes têrmos: que a assembléia constituinte, com os mesmos membros que a compunham, seria convocada de novo; que a reunião se daria em qualquer lugar menos no Rio de Janeiro, fora do alcance das tropas imperiais. » [Maria Graham, Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse país durante parte dos anos de 1821, 1822 e 1823, São Paulo, 1956, pág. 392, cf. AH1 p. 51-52]

O “centro” seria, portanto, antes de tudo, um local de reunião dos representantes das províncias, — fora do alcance das armas do Imperador, — que à força havia dissolvido a Constituinte, para em seguida “outorgar” sua própria “Constituição”, que retirava poder das províncias para concentrá-lo em si mesmo.

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Aclamação de D. Pedro I, por Debret
Aclamação de D. Pedro I, by Debret


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