Flavio R. Cavalcanti
A intervenção de Francisco Adolfo Varnhagen na seqüência de propostas que levariam à construção de Brasília foi, sob todos os aspectos, única: — Monarquista, amigo do rei, zerou o passado republicano da idéia, foi direto ao ponto — e produziu efeito logo nos primeiros dias da República. Profundo conhecedor da historiografia brasileira — considerado ainda no século XIX o "pai" da história do Brasil, por sua obra alentada, e pelo volume de documentos que levantou —, simplesmente apresenta uma idéia surgida do nada. Inicialmente, de forma reservada, em carta ao Instituto Histórico do Rio, em 1839, propondo — como os inconfidentes — São João del Rei. « Estas idéas nos preocupavam já em 1839, segundo consta de uma carta que então dirigimos ao Instituto Historico do Rio (T. 1º p. 364). » Não terá despertado resposta? Um único retorno, indicando — se de fato não soubesse — que a idéia não era nova? E que era quase marca registrada de exaltados, de revoltosos ou, quando menos, de moderados como José Bonifácio, capaz de ideias um tanto estranhas de libertar escravos, tomar e dividir terras? Trata-se do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro — criado e mantido sob os auspícios do imperador (que presidia suas reuniões), e que se distinguiu pela elaboração de como deveria ser escrita a história do Brasil. Instituição da qual Varnhagen viria a ser um dos expoentes, a ponto de ser considerado o historiador oficial (ou oficioso) do Império. Em 1840 vem ao Brasil reivindicar a nacionalidade perdida pelo envolvimento com o Estado português [Nascido em Sorocaba, SP, 1816, de pai austríaco e mãe portuguesa, a partir dos 8 anos (1823) Varnhagen foi criado na Europa, formando-se em Portugal no que se poderia considerar um curso de engenharia militar. Lutou no exército do Duque de Bragança — ex-D. Pedro I] e conhece o imperador D. Pedro II ["de quem afinal se iria tornar um dos válidos", cf. E. d'Almeida Victor], que no ano seguinte lhe restitui a nacionalidade brasileira. A partir daí, ingressa para o corpo diplomático do Império.
Com ou sem resposta do Instituto Histórico, Varnhagen afirma ter sido do mero exame dos mapas que sua idéia evoluiu mais tarde para uma localização exata, entre as lagoas Formosa, Feia e Mestre d'Armas: « Começámos por pensar em
S. João d'Elrei, segundo se pode ver de uma nota aos Epicos
Brazileiros (p. 406), em 1845; porêm continuando a meditar
no assumpto, em vista dos mappas, considerámos como verdadeira
inspiração o encontrar uma paragem que, a todas
as luzes, nos pareceu mais vantajosa (...). » Lapidada a idéia, é através de publicações anônimas — o Memorial Orgânico, em 1849 e 1850, na Espanha, onde foi adido, secretário de legação e encarregado de negócios do Brasil — que começa a sondar o terreno. Coincidência ou não, no ano seguinte (1851) viria novamente ao Rio de Janeiro. Por indicação de seu mui particular amigo Joaquim Caetano da Silva — que em 1851 apresenta estudo sobre as fronteiras brasileiras no Instituto Histórico, na presença do imperador —, Varnhagen publica seu balão de ensaio no Guanabara, um jornal literário do Rio de Janeiro [A revista Guanabara foi fundada em 1850 por Pôrto-Alegre, Gonçalves Dias e Manuel de Macedo, entre outros, no contexto do movimento para forjar a nacionalidade (romantismo, indigenismo idealizado, exuberância tropical etc.), com apoio imperial].
Confrontado então com as propostas de Hipólito e Bonifácio, afirma que as desconhecia por completo. Só então as incorpora — como adendos, e devidamente expurgadas — em sua exposição sobre o tema. Ignorava, igualmente, a idéia expressa pelos revoltosos do Pernambuco desde antes de 1824, reeditada pelo jovem Bernardo Pereira de Vasconcelos em 1825, e reapresentada no parlamento por deputados do Pará, Pernambuco e Bahia em 1931 e 1833, quando finalmente obtiveram a publicação, pela Câmara, do antigo projeto constitucional de José Bonifácio (que não havia sido transcrito nos anais em 1823) [Até a última versão de sua História Geral do Brasil, Varnhagen omitirá a idéia dos revoltosos do Pernambuco — mencionada mais tarde por Rio Branco na Nota 84]. Ignorava, ainda, a proposta atribuída ao primeiro-ministro inglês William Pitt (1759-1806), e o memorial apresentado pelo chanceler Veloso de Oliveira ao príncipe regente D. João em 1810. A ideia de Varnhagen não podia nascer, portanto, mais isenta de antecedentes. E foi — curiosamente — a única que produziu efeitos no âmbito do Estado. Realizada a sondagem — que provoca uma iniciativa do senador Hollanda Cavalcanti, tratada em banho-maria por um quarto de século —, a idéia de Varnhagen hiberna... por um quarto de século. Agraciado com o título de Visconde de Porto Seguro em 1874, em 1877 não encontra dificuldade para licenciar-se por seis meses do posto de embaixador na Áustria e, com a maior naturalidade, embrenhar-se numa expedição particular em lombo de cavalo, aos 61 anos de idade, para verificar — como engenheiro — os caminhos e as qualidades da área localizada entre as lagoas Formosa, Feia e Mestre d'Armas. Colocando-se à disposição do governo, "sem ônus" — para verificar de passagem a existência de locais adequados à imigração européia —, estabelece a legitimidade ["as ordens que V. E. se dignou dar-me em Aviso desse ministerio de 14 de Junho último"] da carta que escreverá de Formosa ao ministro da Agricultura, e em cujos parágrafos finais insere o tema da mudança da capital. A idéia, a descrição da área, sua localização, acessos — e a recomendação de ir encaminhando para ella as estradas de ferro — ingressam nos arquivos do Estado, em caráter oficial. Na Constituinte republicana de 1890, a carta assim oficializada e arquivada reaparecerá pelas mãos de Lauro Müller, anexada — como única e suficiente exposição de motivos — à proposta de mudança da capital. Quando a 1ª Missão Cruls partiu para explorar o local da futura capital, seguiu o mesmo caminho de Varnhagen — pela Mogiana —, diretamente para o local indicado por ele. A ideia de Brasília em Varnhagen
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