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Epígrafe“Entre os capitães-generais que governaram a província de Goiás até 1820, não houve um só que fosse casado, e todos tinham amantes com as quais viviam abertamente. A chegada de um general a Vila Boa espalhou o terror entre os homens e deixou em ebulição todas as mulheres. Sabia-se que ele logo escolheria uma amante, e até que ele se decidisse, todos os homens tremeram receando que a escolha recaísse na sua” [Auguste de Saint-Hilaire. Viagem à província de Goiás, 1822]. Estrada Real dos GoyazesA Estrada Real dos Goiases foi aberta em 1734, com 3 mil km, da Bahia até a fronteira da Bolívia. Quase ignorada pela historiografia tradicional, começou a ser resgatada na década de 1980, por pesquisadores goianos / brasilienses que, desde então, iniciaram uma “arqueologia” de seu percurso, identificando vários trechos no terreno.
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braziliana: Brasília, Brasil
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Chegou o governador
Bernardo Élis
José Olympio Ed., Rio de Janeiro, 1987
Bernardo Élis é taxativo em afirmar que não se trata de um “romance histórico”. E, de fato, não romanceia um episódio histórico. Pelo contrário, o que pulsa no romance de Ângela Ludovico e D. Francisco de Assis Mascarenhas é o universo feminino que a História não conta.
Para isso, no entanto, Bernardo Élis recria a Vila Boa, capital e única comarca da capitania de Goiás, ao final do ciclo do ouro.
Traduz na vida local a chegada de uma centena de funcionários de todos os níveis, capitaneados por um nobre vindo diretamente da côrte de Lisboa.
Torna palpável, também, o papel das irmandades, as regras de “pureza de sangue” e discriminações entre reinóis e colonos, o papel da igreja como guarda dos costumes (que os próprios padres não seguem), a desigualdade entre os que podem ou não resistir aos achaques e até lucrar com eles, o funcionamento da administração civil e, em especial, da justiça e do fisco.
Capa do livro “Chegou o governador”, de Bernardo Élis |
Tudo isso é bem documentado pelas cartas e instruções dos governadores da época, bem como pelas memórias dos viajantes europeus que descreveram a capitania no início do século XIX, como Auguste de Saint-Hilaire, — entre inúmeros arquivos pesquisados pelo autor ao longo de décadas.
O governador D. Francisco de Assis Mascarenhas chega a Goiás em 1804, já sob a expectativa da vinda da Côrte portuguesa para o Rio de Janeiro.
Mas o passado ressurge a cada momento, — “a terra do que já teve”, no dizer de um personagem, — como problemas não resolvidos, após a decadência da mineração. Uma sociedade com menos de um século de vida, já despovoada pelo fim do ouro, pendente de soluções para continuar existindo, e não apenas vegetando ou regredindo.
E o espanto daquela civilização, — instalada em curto espaço de 5 anos, — no meio do que se considerava um “deserto”:
Vila Boa (Goiás atual) era um mundo maravilhoso, onde se instalara um polo de civilização luso-brasileira quase totalmente isolado do restante do mundo. Dali à cidade mais próxima, que era Vila Rica, distavam 130 léguas (780 km); das cidades mais próximas da orla litorânea, Rio de Janeiro ou Bahia, distanciava-se em 200 léguas ou 1.200 km. No rumo norte, a única povoação era Belém do Pará, distante 300 léguas, e para oeste, o único núcleo de povoação seria Cuiabá, longe 160 léguas (960 km). No entanto, apesar de tamanhas extensões territoriais, apesar da ausência de estradas ou rios navegáveis, apesar da absoluta falta de meio de transporte, uma vez que só havia o transporte por meio de cavalos e mulas, raríssimos ao tempo, num breve lapso de cinco anos aí se reuniram cerca de 10.000 homens, na maioria escravos, que ali chegaram na sua totalidade levados pelos próprios pés, pois Goiás só conheceu qualquer veículo de rodas em 1820 [orelhas, Bernardo Élis].
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Entre o passado, a decadência e os esforços do governador, desenham-se caminhos da época, — já existentes, ou apenas desbravados e a pedir providências.
É o caso da navegação dos rios Tocantins e Araguaia, desbravada de longa data, e que vem a merecer um esforço adicional do novo governador, para insuflar vida na economia da capitania: — Não se produzia, porque não havia meios de levar a produção a um mercado; e não se abriam caminhos economicamente viáveis porque não havia o que transportar.
A questão se abre logo à sua chegada, com um pedido de socorro do destacamento militar de São João das Duas Barras, futura sede da comarca do norte, recém criada no papel: pairava a ameaça de que os franceses do diabólico Napoleão estariam se preparando, na Guiana, para atacar o Pará [p. 44-48].
Pelo comandante dos dragões, fica sabendo que seu antecessor tinha recebido ordens de chegar à Vila Boa subindo o rio Araguaia:
Em 1799, atendendo a ordem do Reino, o capitão-general D. João Manoel de Meneses , ao contrário de vir para Goiás pelo caminho do sul, o fez por Belém do Pará, via Tocantins-Araguaia. || Sai de Belém a 1º de Setembro e chega a Santa Rita do Rio do Peixe (14 léguas distante de Vila Boa), no dia 18 de Fevereiro do ano seguinte (1800), cinco meses e meio de viagem e vencendo mais de 400 léguas (2.400 km). Nesse período, afora o contato com dois grupos indígenas ao longo do percurso, a expedição não encontra nenhuma outra pessoa [cit. p. 136].
Guiando-se pela memória dos arquivos, mais tarde o novo governador tratará de organizar uma expedição fluvial para Belém:
Enfim, a grande expedição movimentou-se, tomando o rumo de Belém do Pará, entre espocar de foguetes e bacamartes, vivas a el-rei, ao governador e ao Divino Padre Eterno. Eram as canoas Príncipe Regente, Minerva, Tétis, Aurora e Vênus, seguidas de duas montarias que davam apoio logístico ao grupo. (…) || O pequeno porto ficou coalhado de embarcações que logo pegaram o rumo do Pará, estendendo-se numa fila que se perdia na curva além do rio, a tripulação de perto de 80 homens, inclusive cinco militares pedestres sob o comando do furriel José Antônio Ramos, que iam esperançosos de receber os soldos em atraso de mais de dois anos. Com a mesma fé seguiam 27 mestiços livres, remadores de profissão, não se falando dos 14 índios xerentes e dos 34 caiapós aldeados no Carretão. Por aquela maneira, escoavam-se 1.640 arrobas de mercadorias constituídas de açúcar, couros, algodão, quina, fumo, cordas e objetos de madeira, tudo sob a responsabilidade do comando geral da expedição, sr. João Paulo, que nada estava ganhando por esse enorme trabalho. Enquanto se partia, outra expedição se carregava no pequeno porto, com igual destino, formada de quatro canoas, tripuladas por 40 homens, mantida e custeada por comerciantes de Crixás e Pilar, levando carga mais preciosa formada de sabão da terra, toucinho, queijo, goiabada e marmelada, fumo em corda, feijão, arroz e farinha. Essa segunda expedição, largada com 15 dias de atraso, deveria alcançar a primeira e a ela unir-se ao longo da viagem [p. 148-149].
Quando o governador imagina que a estrada com amurada sobre o vale do rio Vermelho, às portas da Vila Boa, fosse a única obra do gênero em toda a capitania, é desmentido:
— Não é a única nem a melhor (…). Outra calçada talvez mais extensa e melhor construída estava entre Meia Ponte e Corumbá, na bifurcação da estrada que ia para o Rio de Janeiro e a outra que seguia para a Bahia [p. 66].
Aqui, faltam informações e firmeza, como na hesitação sobre a extensão do trecho da estrada da Bahia calçado de pedras, entre Meia Ponte (Pirenópolis) e Corumbá (de Goiás).
Tampouco fala da chegada de dois governadores anteriores, — D. José de Almeida Vasconcelos (1772) e D. Luís da Cunha Menezes (1778), — que fizeram o trajeto desde a Bahia por essa Estrada Real dos Goyazes.
É verdade que o autor poderia não considerar essas viagens relevantes para sua recriação da época e das memórias anteriores, — tal como não incluiu relatos sobre viagens desde o Rio de Janeiro e São Paulo, — mas o fato é que, ao publicar o romance, em 1987, a estrada da Bahia ainda não era tão conhecida.
É de 1994, — com prefácio de Bernardo Élis, — a 1ª edição de História da Terra e do Homem no Planalto Central, de Paulo Bertran, que resgatou documentos da época sobre a Estrada Real do Sertão, revelando sua importância; e de 1997 a publicação desses documentos na íntegra, na Notícia geral da capitania de Goiás em 1783, tornando-os acessíveis a todos os pesquisadores.
Investigador inteligente a diligentíssimo, Paulo Bertran tem revirado e rebuscado o rebotalho de nossos arquivos, depois dos saques a que os submeteram amigos historiadores, colhendo muita coisa valiosa, pois é norma consagrada que nossa curiosidade está na razão direta de nossa cultura. Além disso tem sido incansável na descoberta de papéis esquecidos nos valiosos arquivos de além-mar e que novas luzes deitam à história goiana.
Porque essa história de pesquisa é muito importante. O autor verdadeiramente dotado do dom de pesquisar quase que intui, adivinha quase os acontecimentos, por indícios subtilíssimos que a tecnologia não pôde ainda ensinar, mas que, graças a um instinto especial, o pesquisador fareja e detecta como o faz Paulo Bertran [Bernardo Élis. Prefácio à 1ª edição do livro História da Terra e do Homem no Planalto Central, de Paulo Bertran, 1994].
Bibliografia
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