Hollanda Cavalcanti
Debate do projeto 1852–E
Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, domingo, 12 de junho
de 1853, nº 162, pág. 1
[cf. AH1]
p. 144
Entra em segunda discussão o art. 1º do projeto do
Senado — É de 1852 — criando uma nova capital do império.
O sr. Hollanda Cavalcanti diz que, pôsto
só desejasse falar depois que o projeto sofresse alguma impugnação,
como não se pediu a palavra para este fim, entende do seu
dever apresentar as considerações que o levaram a
oferecê-lo.
Expõe primeiramente os inconvenientes da afluência
da população só para as cidades marítimas.
É verdade que esta afluência demonstra grande tendência
para o desenvolvimento da profissão comercial; mas o Brasil
deve, em sua opinião, ser mais uma nação agrícola
do que comercial, sem que com isto queira dizer que uma indústria
não deve acompanhar a outra.
p. 145
Ora, o desenvolvimento da agricultura em vasta escala não
poderá conseguir-se senão promovendo-se a formação
de grandes estabelecimentos no centro do império, e o meio
mais óbvio que se antolha para realizá-los é
a criação da capital nesse centro.
A primeira necessidade do país, a que todos reconhecem como
tal, é a colonização; o meio de efetuá-la
consiste (como ainda todos concordam) na venda das terras; procure-se
portanto no centro do país um território que se preste
às diferentes necessidades, e que possam ao mesmo tempo receber
um grande elemento de população que é uma capital;
desaproprie-se, ofereça-se à venda e haverá
terras disponíveis para a colonização.
A outra vantagem é em relação ao estabelecimento
de caminhos de ferro e à navegação
dos rios.
O Rio de Janeiro colocado em um ponto extremo, quase cercado de
uma serrania, que mal deixa estreitas passagens, não é
lugar apropriado para centro dos grandes caminhos de ferro que devem
facilitar a comunicação, desenvolver a riqueza, trazer
a verdadeira civilização ao país. Para tal
fim não se pode prescindir da escolha de um ponto central.
O terreno compreendido entre o rio S. Francisco, Tocantins ou Maranhão,
e a latitude que marca no projeto, parece-lhe o apropriado, tendo
a grande vantagem de uma fácil comunicação
com o Amazonas, rio superior a muitos de que o Brasil é senhor,
mesmo àquele cuja posse partilha com outras nações,
isto é, ao da Prata, se se atender ao domínio que
temos sobre a sua embocadura, e a importância dos territórios
que banha. As riquezas desses vastos territórios, devidamente
aproveitadas, muito concorrerão para entreter a boa inteligência
e profícuas negociações com os Estados ribeirinhos.
E a este respeito observa que já se deu um grande passo
de que não é possível retrogradar, isto é,
o estabelecimento de uma companhia para a navegação
daquele rio; mas, dado esse passo, cumpre não dormir sobre
o mais que com ele tem relação; cumpre atentar para
as vistas das nações estrangeiras relativamente a
tal navegação, não esperar que o gigante acorde
no meio da indiferença do Brasil; é necessário
acompanhá-lo na sua prosperidade, convrter o território
banhado por ele e por outros grandes rios em um colosso que possa
arrostar aquelas pretensões.
Além destas considerações fez também
peso no orador, para a apresentação do projeto, a
necessidade de prevenir outro acontecimento. É sua convicção
que em relação à segurança em que deve
estar uma capital, não se acha ela bem colocada no Rio de
Janeiro. No caso infeliz de uma guerra, mesmo com uma pequena nação,
a cidade correria iminente risco.
p. 146
Com milhão de libras esterlinas adquirem-se 20 vapores;
estes vasos armados de obuses e de foguetes, entrariam, em caso
de guerra, no Rio de Janeiro, e a notícia dessa entrada seria
dada pelo som dos canhões, das bombas e dos foguetes sobre
a cidade. O Rio de Janeiro poderia, é verdade, armar 50.000
homens para resistir à agressão, mas de que serviria
isto quando os vapores o tivessem bombardeado e incendiado. No momento
em que as cornetas tocassem à chamada não se saberia
talvez onde acurdir-se com mais prontidão, se aos lugares
da defesa, se aos do incêndio de todo esse colosso.
Esta consideração tem para o orador muito peso; não
se deve esperar, acrescenta (em resposta a um aparte do sr. Dantas),
que isto aconteça para se criar a nova capital. Quando se
incendiou Moscou já existia S. Petersburgo.
Tendo assim exposto as principais razões que justificam
o projeto, observa que não será preciso o dispêndio
de grandes capitais, que com a soma marcada no mesmo projeto, indo-se
pouco a pouco, no fim de 10 anos, se poderá ter adiantado
alguma coisa. E ainda que não se mudasse a capital, muito
proveito poderia resultar do emprego desse fundo.
Não havendo mais quem peça a palavra, juga-se discutido
o artigo, e posto à votação é aprovado.
Segue-se a discussão do art. 2º.
O sr. Dantas diz que o negócio é
muito grave e que, em sua opinião, não deve ser decidido
sem se ouvir o Ministério. Não se trata só
da criação de nova capital, mas da votação
de um crédito de 4.000 contos que vai ficar aberto ao governo
para lhe dar destino quando desenterrar a lei das coleções,
onde lhe parece que há de ficar por muito tempo.
Entende também que esta medida devia ser precedida da de
uma nova divisão de províncias ou subdivisão
das maiores, e que feita ela, é a civilização,
o comércio e a indústria que devem indicar o lugar
da capital, pois em sua opinião não é isto
objeto que se improvise por meio de um decreto.
Nestes termos julga que o melhor expediente, por enquanto, é
ouvir a respeito do projeto a comissão de estatística,
e declara que, se o seu nobre autor concordar neste adiamento, se
compromete a apresentar um projeto sobre a divisão de que
falou.
p. 147
É apoiado o seguinte requerimento:
« Requeiro que o projeto em discussão
vá à comissão de estatística para dar
o seu parecer. — Dantas. »
O sr. Hollanda Cavalcanti concorda em que o projeto vá à
comissão, pois não quer que o Senado proceda com precipitação
em matéria alguma; já mesmo ele orador havia dito
em outra ocasião que tencionava fazer esse requerimento.
Responde as observações do sr. Dantas contra o projeto,
entendendo que a maior parte delas tinha cabimento na primeira discussão,
ou na do primeiro artigo, e não agora.
Concorda, porém, na medida lembrada pelo nobre senador e
promete-lhe o seu voto, persuadido, como está, do inconveniente
da existência dessas grandes deputações de algumas
províncias que formam uma coluna cerrada a que não
há Ministério que resista.
........................
Depois de algumas observações mais neste sentido,
e de insistir na vantagem do projeto pelas razões já
apresentadas, termina o orador o seu discurso declarando que não
só aprova o adiamento para ouvir-se a comissão de
que ele fala, mas que desejaria que alguma outra se consultasse,
e mesmo o governo e quaisquer homens práticos nesta questão.
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