A República Velha e a mudança
da capital
Média: café-com-leite
Flávio R. Cavalcanti
A consolidação da oligarquia cafeeira no
controle da velha República — conhecida como "política
do café-com-leite", revezando presidentes
paulistas e mineiros "eleitos" no papel ("voto
de pena") — relegou ao esquecimento a decisão
de mudança da capital do país para o planalto
central, incluída na Constituição de
1891.
O terceiro presidente civil, Rodrigues Alves, definiu como
prioridade de seu governo o saneamento e reurbanização
do Rio de Janeiro, no estilo da reforma parisiense do Barão
Haussmann. Para a oligarquia, uma capital nada tinha a discutir
ou decidir; as decisões vinham dos Estados
— especificamente, de São Paulo e, com menos freqüência,
de Minas Gerais. A capital era uma vitrine, e a belle
époque, o modelo a exibir.
O desdém de Rodrigues Alves para com os "centralistas"
sugere um paralelo interessante do tema da capital federal
com as tendências políticas que começariam
a se manifestar, de forma crescente, duas décadas
mais tarde:
Em que pese os centralistas, o verdadeiro público
que forma a opinião e imprime direção
ao sentimento nacional é o que está nos Estados.
É de lá que se governa a República por
cima das multidões que tumultuam, agitadas, nas ruas
da Capital da União.
Opinião que — considerando o potencial de uma nova capital,
no interior, para perturbar o status quo — pouco difere
da visão de oligarcas aparentemente excluídos do
café-com-leite, na avaliação de Neil Macaulay:
Na virada do século, o Estado de Goiás era
o feudo do senador Leopoldo Bulhões (...). Julgou melhor
que Goiás e o agrupamento de fazendeiros despóticos
que forneciam os votos necessários (...) fossem deixados
sozinhos. (...) Opôs-se ao avanço de rodovias
para o interior de Goiás porque "aventureiros
poderiam começar a entrar e, então, haveria
oposição" à sua máquina política
[Neill
Macaulay].
"A realização da velha e arcaica chapa:
A Pátria entra firme na via do progresso".
Novo cenário
Caricatura de Gil (Carlos Lenoir)
in A Avenida, 12-3-1904
[Lima Barreto e o fim
do sonho republicano,
Carmem Lúcia Negreiros de Figueiredo,
Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1995]
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Não que nas cidades — mesmo no Rio de Janeiro — a República
Velha fosse muito mais democrática. Uma vez que
cabia aos políticos da situação escolher
os mesários e decidir quais candidatos teriam sua eleição
reconhecida ou rejeitada, poucos eleitores se dispunham a enfrentar
a violência organizada nos postos de votação.
A modernização do Rio de Janeiro,
tocada de modo autoritário, assumiu o aspecto de
expulsão da pobreza para longe da área
saneada, e desembocou na Revolta da Vacina, em 1904.
A proposta de interiorizar a capital ressurgiu quase ao
mesmo tempo do movimento modernista e as revoltas que levariam
à Revolução de 30. Ao meio-dia de 7
de setembro de 1922, centenário da Independência,
foi lançada
a pedra fundamental da futura capital da República
— em área próxima ao atual Colégio
Agrícola, em Planaltina.
Nada significou, na prática. Mas a iniciativa —
do Congresso — exigiu, do presidente Epitácio Pessoa,
subscrever decreto lembrando que a capital federal seria
"oportunamente" estabelecida no Planalto Central,
onde já se encontrava demarcada área de 14.400
km²; e comprometendo-se a comunicar ao Legislativo,
dentro de um ano, o resultado de estudos para estender
uma ferrovia até o retângulo Cruls e os
planos para a construção da nova cidade.
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Lauro: — Você já reparou, Frontin, temos o
Passos ao nosso lado e os passos das moças na retaguarda...
Frontin: — Tudo isso porque demos um passo
à frente com esta Avenida...
Passos: — Um passo?! Um passão,
digo eu! E quando for inaugurada a Avenida Beira-mar!...
Isso então é que vai ser uma senhora passada
de sete léguas...
R. Alves: — ... De espantar peixinhos e...
peixes grandes... Decididamente, desliza tudo num mar de
rosas, na praia do progresso. Tomamos
um banho de glória, pela certa.
Flanando pela Avenida
Caricatura de J. Carlos (José Carlos de Brito e Cunha)
in O Malho, 2-12-1905
[Lima Barreto e o fim
do sonho republicano,
Carmem Lúcia Negreiros de Figueiredo,
Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1995]
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