Nogueira Paranaguá, 1891
Proposta para a mudança

Anais da Câmara dos Deputados, 1891, vol. I, p. 650,
sessão de 30 de julho de 1891, cf. AH1:199-204

p. 199

O sr. Nogueira Paranaguá — Sr. presidente, pedi a palavra para fundamentar um projeto relativo à mudança da capital que considero da mais elevada importância.

A mudança da capital federal, consignada no art. 3º da nossa Constituição, é, atualmente, o problema para o qual devemos, desde já, dirigir nossa atenção e empregarmos todos os esforços a fim de que possamos vê-lo resolvido no mais curto espaço de tempo possível.

(...) [Afasta-se do objetivo; fala mal do Rio; atrai inúmeras contestações]

p. 200

Se a zona em que se acha a capital federal é, incontestavelmente, uma das mais ricas e prósperas, no entando (é com desgosto que o confesso), é uma das mais insalubres da grande República sul americana. (Apoiados e não apoiados, trocam-se diversos apartes). (...)

Ainda que sintamos um imenso desprazer em o confessar, esta cidade é considerada como a necrópole do Brasil. (Não apoiados).

Nem se diga que é falta de patriotismo da minha parte, em exprimir-me como o estou fazendo, visto declarar uma verdade que está no ânimo de todos os meus colegas e o meu fim ser evitar, pelo menos em parte, que o nosso país no exterior seja considerado tão insalubre, unicamente por causa da nossa capital.

O sr. Vinhaes — (Dá um aparte).

O sr. Nogueira Paranaguá — Considero uma falta de humanidade o consentir-se imigrantes desembarcarem nesta cidade, em certos meses do ano, quando a febre amarela reaparece e faz tantas vítimas entre estrangeiros não aclimatados, quando temos excelentes portos, tanto ao norte como ao sul, em que não se conhece a febre amarela.

Já devíamos ter procurado impedir o desembarque de imigrantes nesta capital pelo menos durante o período em que a febre amarela torna-se mais intensa, para não dizer que nesta cidade reinam constantemente endemias e epidemias.

O sr. Vinhaes — V. Exª não se devia guiar por informações que lhe deram os interessados no saneamento.

O sr. Nogueira Paranaguá — Tenho falado a diversos médicos dos quais recebi informações. Não conheço os interessados no saneamento, a que se refere o ilustre deputado, e deles não podia receber informações. (...)

p. 201

A mudança da capital para o planalto da República ficando situada a futura capital no centro de cruzamento das grandes vias de comunicação, não só terá por fim facilitar o povoamento da vasta zona central, como também difundir a instrução com mais igualdade, aumentando o grau de civilização da família brasileira.

A capital central, representando o principal órgão de movimento e vida do país, levará esse movimento e essa vida a todos os pontos da periferia.

Dessa mudança virão muitas vantagens de ordem administrativa e estratégica. As resoluções dos poderes públicos serão transmitidas simultaneamente aos lugares mais distantes da capital federal, que poderá enviar auxílios aos Estados e deles receber, em um espaço de tempo relativamente curto e igual para todos, além de ficar protegida por todos os lados e abrigada de qualquer assalto.

Sr. presidente, uma capital representa a reunião do que há de mais adiantado no país, sob qualquer ponto de vista que se considere.

A instrução, as indústrias, as artes, o comércio germinam e engrandecem rapidamente nas capitais, engrandecendo-as.

p. 202

Estando a capital do Brasil na zona central, tornar-se-á aquela zona um foco de instrução, comércio, artes e indústrias representando a síntese do progresso do país, que daí irradiará para os pontos extremos, confundindo-se o grande desenvolvimento que já existe no litoral com o desenvolvimento central.

Um sr. deputado — Pode advogar a idéia da mudança da capital, sem deprimir a cidade do Rio de Janeiro. (...)

O sr. Nogueira Paranaguá — Hoje, sr. presidente, em vista das considerações que expendi, tomei a deliberação de apresentar o projeto que vou oferecer à consideração da Câmara.

(Continuam os apartes. O sr. presidente pede atenção).

O sr. Vinhaes — A cidade do Rio, apesar da fama que tem de insalubre, as estatísticas demonstram o contrário.

O sr. Nogueira Paranaguá — Já disse ao ilustre deputado que deixarei de parte esta questão; não chamarei mais de necrópole a cidade do Rio de Janeiro. O que eu quero atualmente é demonstrar a conveniência da mudança da capital para o planalto central do Brasil, de acordo com o que estatui a nossa Constituição, de modo a criar-se no centro do país um verdadeiro foco de civilização e progresso, cujos benéficos efeitos se possam fazer sentir com igual intensidade em toda a vastidão da nossa República.

O que eu quero é que a futura capital fique situada no centro das principais vias de circulação interna que cruzam em todas as direções o nosso imenso território, e, podemos dizê-lo, toda a América meridional. Se tivermos o patriotismo de efetuar a mudança da capital federal, como o tivemos em consigná-la em nossa lei fundamental, teremos prestado a nossa pátria um relevante serviço.

Com a realização deste projeto, não só a República estreitará mais os laços de união entre os diversos Estados que a constituem, mas também facilitará as nossas relações com os nossos vizinhos, pondo-nos em comunicações constantes com eles, estreitando as simpatias que com eles devemos manter, porque não são unicamente as necessidades comerciais às que precisamos atender, devemos ter em muita conta as relações sociais, a fim de conseguirmos perfeita solidariedade com a família americana e particularmente a da América meridional, visto como os povos desta parte do continente formam, por assim dizer, uma só família.

p. 203

Feitas estas considerações, convencido de que a mudança da capital federal para o planalto central é uma medida já determinada em nossa Constituição por ser de alta conveniência, convencido que só se poderá executá-la depois de exame, de estudos técnicos sobre a escolha do local, que deve oferecer as melhores condições, não só em relação ao clima, como em relação a todas as qualidades e requisitos indispensáveis a uma capital modelo a fim de que a nova cidade torne-se digna de ser a capital da grande República do Brasil, apresento o seguinte projeto que espero será bem acolhido pelo Congresso.

(Envia o projeto à mesa e é cumprimentado por muitos srs. deputados).

Projeto nº 71 — 1891

« Autoriza as despesas necessárias para exploração e demarcação da superfície de 14.400 quilômetros quadrados no Planalto Central do território da República, de acordo com o art. 3º da Constituição Federal.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a fazer as despesas necessárias para mandar, sem perda de tempo, explorar e demarcar no planalto central do território da República, em situação que fique, quanto possível, eqüidistante dos pontos extremos do mesmo território, a superfície de 14.400 quilômetros quadrados, pertencente à União, de acordo com o art. 3º da Constituição Federal.

Parágrafo único. O governo dará à comissão que nomear para a execução desse trabalho as instruções necessárias, incumbindo-lhe de apresentar com relatório circunstanciado, contendo todas as informações e esclarecimentos úteis, a planta completa de toda a superfície demarcada, e indicação do local que lhe parecer preferível para assento da futura capital.

Art. 2º Aprovados pelo governo os trabalhos da comissão, e escolhida a área em que deva ser construída a cidade que será a capital federal, abrirá o mesmo governo imediatamente concorrência, no país e no estrangeiro, a propostas para a construção dos edifícios públicos necessários à instalação da nova capital, contratando afinal, depois de maduro exame das respectivas propostas, com quem mais vantagens oferecer; contanto que seja empresa nacional legalmente constituída, ou estrangeira autorizada a funcionar no país, e ofereça quer uma, quer outra, todos os requisitos de idoneidade.

§ 1º Os proponentes, além das provas de sua idoneidade e de outros esclarecimentos que lhes possam ser exigidos, deverão instruir suas propostas com projetos e plano geral da futura cidade, desenhos e plantas de ruas, praças, fontes, logradouros, etc., plantas e perfis dos edifícios públicos que se propuserem construir, atendendo-se, em tudo, com o devido rigor, às prescrições da higiene e às regras da estética e da arte.

p. 204

§ 2º Para poupar encargos maiores ao tesouro da União, fica ainda o governo autorizado a estipular, em favor da empresa cuja proposta for preferida, as seguintes concessões:

1ª) De terrenos até a superfície de trinta e seis quilômetros quadrados no local em que tiver de ser assente a futura capital; ficando, porém, salvo à União o direito de, em todo o tempo, e independente de indenização, apropriar-se, dentro da área concedida, de qualquer porção, não edificada, de que vier a precisar para fins de necessidade, ou utilidade pública;

2ª) De vias-férreas, de navegação fluvial ou de qualquer sistema de viação para comunicar a capital com os diversos Estados da União;

3ª) De carris urbanos, de suprimento de água, de esgotos, de excreto, águas servidas e pluviais, de redes telefônicas e de outros serviços tendentes a satisfazer, na futura capital, as comodidades reclamadas pela civilização;

4ª) De isenção de décimas, por determinado tempo, ou de quaisquer impostos relativos aos prédios que forem construídos, até ao termo do prazo de dez anos, contados da data da inauguração da futura capital.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário. »

Sala das sessões, 29 de julho de 1891. — Nogueira Paranaguá. — Severino Vieira. — Nina Ribeiro. — Astolpho Pio. — Pires Ferreira. — Lamounier Godofredo. — Belfort Vieira. — Marciano de Magalhães. — Caetano de Albuquerque. — Guimarães Natal. — Cassiano do Nascimento. — F. Badaró. — Augusto de Freitas. — Anfrísio Fialho. — Ignácio Tosta. — Fernando Simas. — Rodrigues Fernandes. — Cantão.

   

Nogueira Paranaguá
Proposta para mudança

cf. Antecedentes históricos - 1º tomo: 1549-1896
Presidência da República. Serviço de Documentação
Rio de Janeiro, 1960

Referências

Brasília nos planos ferroviários (DF)
Ferrovias concedidas do plano de 1890 | EF Tocantins | Cia. Mogiana | Ferrovia Angra-Catalão | EF Goiás | Ferrovia Santos - Brasília
O prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil | A ferrovia da Cia. Paulista | Ferrovias para o Planalto Central | Documentação
A idéia mudancista | Hipólito | Bonifácio | Independência | Império | Varnhagen | República | Cruls | Café-com-leite | Marcha para oeste | Constitucionalismo | Mineiros | Goianos | Projetos de Brasil | Ferrovias para o Planalto Central
 
  
    
 
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