Congresso, 1893
Comissão técnica permanente
cf. AH1:235-241
p. 235
(Fleury Curado) - Sr. Presidente, venho
apresentar à consideração desta ilustre Câmara
um projeto, cujo objeto reputo da máxima importância,
quer considerado sob o aspecto político ou administrativo,
quer mesmo considerado sob o ponto de vista social.
O sr. Belarmino de Mendonça - É
importantíssimo este projeto.
p. 236
O sr. Fleury Curado - V. Exª sabe,
sr. Presidente, que a Constituição Federal, no art.
3º, declarou que ficava pertencendo à União,
no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros,
que oportunamente seria demarcada, para nela ser estabelecida a
futura capital federal.
Ora, sr. Presidente, percorrendo os anais da Constituinte, vemos
que foi essa a única disposição que resistiu
a todos os debates, sem provocar uma emenda sequer, tal era a convicção
de todos de que a mudança da capital federal representava
uma necessidade real, urgente, inadiável: impunha-se a todos
os espíritos.
Não me demorarei em discutir as largas conveniências
que resultarão da mudança da capital federal. Ela
já foi demonstrada de modo incontraditável pelo ilustre
senador pela Bahia dr. Virgílio Damásio, no seio da
Constituinte.
(...)
Lembrarei, neste momento, que assiste a este Congresso toda responsabilidade
moral do preceito constitucional: foi este Congresso que levantou
a idéia do Visconde de Porto Seguro e coerente com o seu
primeiro pensamento, deverá antes de terminar a sua missão,
completar a sua própria obra, votando as medidas constantes
do projeto que ora tenho a honra de apresentar à Câmara.
O meu projeto contém duas partes distintas.
V. Exª sabe que o ex-ministro da Agricultura, o sr. Antão
Faria, em maio do ano passado, nomeou uma comissão encarregada
de explorar o planalto central e de demarcar a zona a que se referia
o artigo da Constituição.
Esta comissão, cuja chefia foi entregue, em boa hora, ao
distinto engenheiro dr. Luís Cruls, partiu para Goiás,
em junho do ano próximo passado, explorou o planalto central
e demarcou a zona de 14.400 quilômetros, servindo-se do processo
mais regular e científico, que foi empregado nos Estados
Unidos, na delimitação dos Estados por arcos de meridiano
e paralelos.
p. 237
Feita a demarcação, é preciso proceder quanto
antes à escolha do local mais apropriado para capital.
De um relatório parcial, já publicado pelo dr. Cruls,
constam os importantes trabalhos da comissão exploradora
que com admirável presteza realizou estudos importantíssimos,
tais como levantamento dos itinerários em uma extensão
de quatro mil quilômetros; levantamento das lagoas Feia, Formosa
e Mestre d'Armas, levantamento de plantas de diversas cidades; determinações
de diferentes pontos geográficos e respectivas altitudes;
e as mais detalhadas observações que colheu sobre
a riqueza do solo, as condições térmicas e
climatéricas e outras vantagens dessa zona até então
pouco conhecida e nada estudada.
Agora, pergunto: poderemos parar a meio caminho? Ou antes, é
de nosso dever armar o Poder Executivo de meios suficientes para
desde já ir enfrentando com o problema e cogitando de resolvê-lo?
Sem dúvida que esse deverá ser o nosso caminho, e
o primeiro passo a dar é: demarcar na zona explorada o local
mais apropriado para estabelecimento da futura capital.
O meu projeto cogita justamente destes pontos e de outros.
V. Exª compreende que este local só pode ser escolhido
por uma comissão técnica, e essa comissão terá
necessariamente de pesar as grandes vantagens relativas que ofereceram
três ou quatro pontos da zona demarcada, que igualmente parecem
satisfazer as condições necessárias para edificação
de uma cidade.
(...)
Mas de que vale a escolha por si só, se simultânea
e conexamente não tratarmos de unir esse ponto escolhido
a um dos portos do litoral.
(...)
A nova capital tem necessidade de se ligar a um porto do litoral,
cuja expansão comercial e industrial seja tão intensa
que possa levar à nova capital elementos seguros de pronto
desenvolvimento material.
Sob esse ponto de vista, no meu projeto, procuro ligar a futura
capital ao Rio por uma ferrovia de traçado direto, e é
este o segundo ponto capital do meu projeto.
(...)
p. 238
A propósito lembrarei a discussão levantada na imprensa
fluminense entre o chefe da comissão exploradora e outro
não menos distinto engenheiro e na qual ficou elucidada a
praticabilidade de se ligar a futura capital ao Rio em vinte e poucas
horas; desfazendo-se, por essa ocasião, a opinião
errônea, que muita gente boa formava sobre o que era o planalto
central, que não passa de uma superposição
de chapadões de declividade pouco sensível.
O porto do litoral escolhido para ser ligado à nova capital
é o Rio de Janeiro, conforme consta do projeto. O traçado
deve ser mais direto possível, de forma a satisfazer a máxima
condição de velocidade no transporte de mercadorias
e passageiros. Como, porém, já há diversas
linhas trafegadas e em construção que se acham em
direção ao planalto, compreende-se como de elementar
vantagem o aproveitamento da que ficar mais em direção,
a fim de quanto antes se dar início aos primeiros trabalhos.
A escolha dessa linha ficará a critério do governo.
(...)
Procurei no art. 1º do projeto dar um caráter orgânico
às medidas que o Poder Executivo tiver de tomar, pondo de
parte as comissões aparatosas, cujos resultados não
compensam as despesas. O projeto estabelece -- uma administração
provisória, à qual incumbirá todos os trabalhos
relativos à escolha da parte mais apropriada e edificação
conseqüente.
Já no art. 1º estabelece o projeto os limites do Distrito
Federal, que de fato e cientificamente já se acham demarcados
pela comissão exploradora.
As funções dessa administração provisória
não poderão deixar de ser puramente técnicas
a princípio e com a denominação de síndico
ficará o chefe da administração como se vê
no art. 2º.
No art. 3º estão estabelecidos os trabalhos que caberão
à administração provisória.
Pus de parte a idéia de levantamento de carta topográfica
da zona já demarcada, porque ela demandaria muito tempo,
sobre ser assaz dispendiosa, e o meu principal propósito
é, como já disse, não perder tempo e impulsionar
a idéia, de forma a arredar os obstáculos que uma
certa preocupação de interesses de região possa
divisar no meu projeto.
p. 239
Procurei nos arts. 4º e 5º, sr. Presidente, obviar todo
e qualquer inconveniente que pudesse resultar de se entregar a edificação
da capital a sindicatos ou a empresas, de modo a impedir o monopólio,
dando, ao mesmo tempo, largas à administração,
a fim de outorgar os favores que forem de real vantagem.
Compreende V. Exª que, uma vez realizada a mudança
da capital, tornam-se desnecessários muitos dos edifícios
aqui existentes e destinados às repartições
públicas.
Nestas condições o governo terá de tomar providências
e vendê-los em hasta pública.
Ora, é justo que a aplicação do produto dessa
venda seja feita à edificação de novos prédios
na futura capital.
É o disposto no art. 6º.
Pelo art. 7º fica o governo autorizado a fazer estudar a ferrovia
do traçado direto, a que já aludi.
Pode-se dizer que justificada se acha a necessidade de uma ferrovia
especial do traçado direto, destinado a ligar a futura capital
ao porto do Rio, diante de uma simples consideração:
que as estradas existentes trafegadas ou em construção,
que se dirigem para Goiás com dificuldades quase invencíveis,
servem aos interesses das zonas que atravessam, como se dá
com a Mogiana, além de não reunir nenhuma delas condições
de máxima velocidade de transporte na condução
de mercadorias por causa de suas condições técnicas.
Como, porém, urge dar começo aos trabalhos da nova
capital, o § 1º deste artigo previne justamente na hipótese,
aproveitando os estudos existentes sem dispensar por um instante
porém -- a ferrovia especial que ligará a futura capital
da União à atual.
Foi meu propósito tornar a nova capital centro de um sistema
de viação que pusesse em comunicação
o litoral, o vale de São Francisco, o do Tocantins, a extensa
região de Mato Grosso entre si; daí as disposições
dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 7º.
Como V. Exª sabe, há uma concessão feita ao
engenheiro Paula Pessoa, creio, de uma estrada de ferro que, partindo
de Catalão, vá à cidade de Palmas [Paranã],
ao norte do Estado de Goiás e situada na confluência
dos rios Paraná [Paranã]
e Palmas. Pelo § 3º do art. 7º pretendo aproveitar
essa concessão, tornando obrigatória a passagem da
estrada pela futura capital (lê os arts. 6º e 9º),
já que temd e atravessar forçosamente o planalto.
p. 240
A fim de impedir a nomeação de meras comissões,
procurei dar caráter mais permanente, e considero o síndico
empregado público, estabelecendo a sua residência provisória
em um ponto, em Perinópolis (sic) ou em outro qualquer.
Preferi Perinópolis (sic) porque é uma cidade próxima
da capital e que oferece recursos para melhor administração
do síndico e dos empregados nomeados. (Continua a ler).
Sr. Presidente, esta Câmara não tem remédio
senão ser coerente com o pensamento da Constituinte, que
declarou que à União ficaria pertencendo uma zona
de 14.400 quilômetros no planalto central da República,
dentro da qual tem de ser estabelecida a nova capital.
Em dois orçamentos consecutivos votou-se verba, creio que
de 80 contos, nos exercícios de 1891-1892, para a demarcação
da zona.
Este projeto completa estas medidas. O Poder Executivo já
mandou uma comissão fazer esse estudo e creio que na mensagem
dirigida ao Congresso no princípio deste ano recordou a necessidade
de mudança de capital.
Portanto, não como deputado por Goiás, mas como republicano,
é que desejo ver realizada esta idéia. Bem sei que
os nossos trabalhos estão a findar; mas espero que antes
de ser encerrada esta última sessão a comissão
a que for enviado o projeto emitirá parecer e que poderemos
ainda discutir largamente o projeto que ora apresento. (Muito bem;
muito bem).
Vem à mesa, é lido e julgado objeto de deliberação
o seguinte
Projeto nº 245-1893
Autoriza o Poder Executivo, desde já, a
estabelecer uma administração provisória na
zona federal demarcada no planalto central da República e
destinada para a futura capital da União.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado,
desde já, a estabelecer uma administração provisória
na zona federal demarcada no planalto central da República
e que se destina, de conformidade com o art. 3º da Constituição,
para o futuro Distrito Federal, dentro do qual terá de estabelecer-se
a nova capital da União.
Parágrafo único. Constituirão
limites do futuro Distrito Federal os arcos do paralelo e meridianos
designados pela comissão exploradora do planalto central.
p. 241
Art. 2º A administração provisória,
com funções puramente técnicas, se comporá
de um chefe com a denominação de síndico e
ao qual incumbirá dirigir todos os trabalhos concernentes
à fundação da nova capital.
Art. 3º Constituirão trabalhos da administração:
a) Escolha do local mais apropriado para fundação
da futura capital e projeto de sua edificação;
b) Discriminação das terras devolutas;
c) Escolha dos mananciais para abastecimento de
água potável;
d) Conservação das matas necessárias
não só aos ditos mananciais, como aos parques e outras
necessidades do serviço público; bem como conservação
da força motriz hidráulica para ser aplicada à
produção da eletricidade destinada à locomoção,
à iluminação e a diversas indústrias;
e) Escolha do local e respectiva demarcação
para o estabelecimento de burgos agrícolas.
Art. 4º Projetada a nova capital e demarcada
a respectiva área, serão vendidos os terrenos em hasta
pública, individualmente, e em número limitado de
lotes às pessoas que ali queiram estabelecer-se.
Parágrafo único. A edificação
será levantada segundo as regras prescritas e dentro do prazo
que for marcado.
Art. 5º O governo, mediante favores de preços
e outros, concederá lotes de terreno a empresas que se proponham
a edificar casas de moradia, destinadas a serem alugadas por funcionários
públicos e classes menos abastadas, sob a condição
de se tornar o inquilino proprietário do prédio no
fim de certo tempo, uma vez que, além do aluguel, se sujeite
a certa percentagem proporcional ao valor do prédio.
Art. 6º O Poder Executivo providenciará
no sentido de oportunamente se construir os edifícios públicos
necessários à nova capital, solicitando do poder competente
verbas especiais, que se destinem a esse fim, além da aplicação,
a que fica autorizado a fazer, do produto da venda dos edifícios
públicos da atual capital, que não mais forem necessários
à administração.
Art. 7º a) O governo fica autorizado a fazer
os estudos de uma ferrovia de traçado mais direto, destinada
a ligar a futura capital da União ao porto do Rio de Janeiro,
aproveitando tanto quanto possível as linhas já em
tráfego e construção, que se acharem mais adiantadas
na direção da futura capital.
|