Jânio Quadros, 1961
Mensagem ao Congresso
p. 36-38
b - Ferroviário
As estradas de ferro federais continuam a apresentar os mesmos
problemas que se definiram logo após o término da
última guerra. O programa de reaparelhamento, iniciado em
1952, conseguiu melhorar as condições de atendimento
da demanda aparente, mas ainda há várias atividades
ou regiões cuja expansão é contida pela incapacidade
de transporte das estradas da Rede Ferroviária Federal S/A.
Pequenos foram os progressos na eficiência da operação
e na qualidade do serviço; e, não obstante o esforço
de investimento no setor, o déficit de operação
vem aumentando aceleradamente. A revisão dos vencimentos
e vantagens dos servidores públicos no ano passado, elevando
as despesas com o pessoal da RFFSA, em 1961, a mais do dobro do
que eram em 1959, faz prever o déficit de operação
ferroviária no corrente exercício em mais de 35 bilhões
de cruzeiros. A despesa total da RFFSA em 1961 corresponderá
a cerca de 2,8 vezes a sua receita, fazendo do sistema ferroviário
federal o mais deficitário do mundo. Cerca de 16% de toda
a arrecadação tributária federal serão
aplicados na cobertura deste déficit, que contribui com parcela
significativa para o desequilíbrio orçamentário
da União; constitui grave fator inflacionário, e é
causa de transferências injustas de renda e de distorções
na economia.
Não é possível ao País continuar a
suportar esta situação, e será indispensável
um esforço esclarecido, coordenado e constante para reduzir
o déficit em prazo curto, e criar as condições
para sua eliminação. Parte importante do déficit
deve ser atribuída a tarifas insuficientes, principalmente
no tráfego de passageiros, matérias-primas e gêneros
alimentícios; às despesas excessivas com o pessoal;
ao desaparelhamento técnico; e à administração
e operação ineficientes. Por conseguinte, além
da continuidade de execução do programa de reaparelhamento,
será necessário reduzir os gastos ao estritamente
indispensável, restabelecer o espírito empresarial
e a preocupação comercial, reorganizar a administração
ferroviária, modernizar os métodos de operação,
e adotar política corajosa e realista de tarifas.
A experiência passada mostra, entretanto, que, embora essas
medidas possam contribuir para reduzir o déficit em percentagem
significativa, não serão suficientes, com a atual
densidade do tráfego, para alterar a sua tendência
de crescimento. Será impossível restabelecer o equilíbrio
do sistema ferroviário, ou sequer estabilizar o déficit
de operação, se a sua utilização não
for elevada e mantida acima do nível mínimo exigido
para exploração econômica de linhas férreas.
Toda a política ferroviária deve orientar-se, portanto,
para o aumento da densidade de tráfego.
Nas regiões cujas características não oferecem
perspectivas de assegurar o volume de tráfego indispensável
à exploração de ferrovias, não há
outra alternativa senão a sua substituição
pela rodovia. Pretende, pois, o governo aplicar a legislação
em vigor, que prevê a substituição de linhas
férreas antieconômicas por estradas de rodagem.
No sistema de grandes eixos a que se deve restringir a rede ferroviária,
o aumento de densidade poderá ser conseguido, em algumas
linhas, pelo incremento da extração mineral, atividade
que tem sido limitada pela insuficiência de transporte ferroviário.
Mas na sua maior extensão, o crescimento do tráfego
será função da sua capacidade de competir com
o transporte rodoviário, tanto em preço quanto em
qualidade de serviços; e esta capacidade dependerá
de reaparelhamento técnico das ferrovias (especialmente remodelação
da via permanente) e de uma política geral que não
altere as vantagens relativas de cada meio de transporte, resultantes
das suas características técnicas e econômicas.
No entanto, as atuais condições de traçado
das linhas férreas federais oferecem limitação
intransponível para que o sistema alcance a produtividade
e densidade crescentes, que lhe permitam absorver os aumentos reais
de renda do pessoal, e compensar os progressos tecnológicos
dos meios de transporte mais modernos. Será indispensável,
portanto, iniciar um programa de obras visando a dar às linhas
férreas federais condições técnicas
atualizadas. Os recursos exigidos por este programa são vultosos,
mas poderão ser obtidos, sem aumento apreciável de
nível relativo de capitalização no setor, pela
reorientação dos investimentos ferroviários
e pela eliminação de desperdícios.
A situação do sistema existente e as necessidades
de investimento para sua correção impõem a
concentração de esforços nesta tarefa prioritária,
antes de procurarmos expandir a rede ferroviária nacional.
Alcançada a exploração econômica, será
ocasião de prosseguir na construção das linhas
com justificativa econômica, e os recursos liberados pela
eliminação do déficit permitirão terminar
as obras novas em curso mais rapidamente do que no regime atual
de pulverização do capital disponível.
p. 77-79
7 — Imigração e colonização
A aspiração de ordem a harmonia que criou o Instituto
Nacional de Imigração e Colonização,
como órgão federal de planejamento e execução
de uma política nacional de imigração, ainda
não produziu os seus frutos na execução continuada
de uma política objetiva.
(...) É do interesse nacional captar aqueles imigrantes
capazes de trazer consigo sistemas agrícolas e técnicas
de produção superiores em qualidade e produtividade
àquelas ainda vigentes em nosso País.
Os índices de crescimento vegetativo da população
brasileira não recomendam, antes contra-indicam, uma política
indiscriminada de crescimento da população. Precisamos
sim, e muito, de imigrantes que venham incrementar o nível
de educação tecnológica da nossa população.
(...) Os planos de imigração devem ser feitos em
função de prévios planos de colonização,
de industrialização ou de colocação
de mão-de-obra especializada, e nesses planos não
pode ser esquecido o caráter prioritário de orientação
das migrações internas.
O problema do migrante nacional e do imigrante estrangeiro são,
em verdade, duas faces de um problema maior, qual seja o da reforma
da estrutura agrária brasileira.
Em matéria de colonização, já é
tempo de se retomar presentemente o que se executou no século
XIX, de cujos frutos magníficos são exemplos os Estados
de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e do Paraná. A mesma
experiência da pequena propriedade em áreas adequadas,
conjugada com as medidas complementares necessárias ao seu
funcionamento eficiente, precisa ser feita com os migrantes nacionais.
(...)
p. 86-88
2 — Regime da propriedade
Dentre as reformas institucionais acima referidas merecem destaque
especial as medidas que dizem respeito aos estatutos fundamentais
do capital e da terra, como bases do nosso regime de propriedade.
A situação do nosso balanço de pagamentos
não permite, sem prejuízo da taxa de nosso crescimento
econômico, dispensar a contribuição do capital
estrangeiro, sob forma de investimentos ou financiamentos, enquanto
possa colaborar eficazmente para intensificar o dinamismo econômico
do País, sob as garantias que a nossa legislação
concede às empresas privadas. Mas tal contribuição
estará subordinada aos interesses fundamentais do desenvolvimento
brasileiro e da segurança nacional. Impõe-se uma disciplina
seletiva da entrada destes capitais, incentivando-a em relação
àqueles setores nos quais reputemos esta cooperação
conveniente ou recomendável para a presente etapa da nossa
vida econômica, e desestimulando-a naqueles em que as suas
vantagens não compensem os ônus que acarretem. Nem
poderá jamais ser admitida, sem a simultânea garantia
ao empresário brasileiro, de condições efetivas
de concorrência, modificando-se as leis e regulamentos que
o coloquem em situação de inferioridade. E o mesmo
imperativo de subordinação do concurso do capital
estrangeiro à economia nacional como um todo reclamará
urgente disciplina de toda a remessa de rendimentos para o exterior,
que se processe de forma imoderada, ou se constitua num fator permanente
de intolerável evasão de recursos.
No plano interno, a eliminação dos abusos do poder
econômico será a condição para que a
prosperidade nacional venha a refletir, efetivamente, um ideal de
democracia econômica e de realização da justiça
distributiva.
No que se refere ao estatuto da terra, a utilização
do instrumento da desapropriação por interesse social
deverá obedecer às exigências de incremento
da produtividade agrícola e de incorporação
do homem do campo à comunidade econômica nacional.
É por aí que se faz mister pôr cobro, tanto
aos latifúndios marginalizados a qualquer atividade econômica,
ou objeto de uma utilização predatória, quanto
à utilização da terra para finaldiades especulativas
ou de entesourização, tal como acontece com as periferias
de quase todos os núcleos urbanos do País. Mas a integração
da propriedade com o desenvolvimento não se esgota nessas
medidas. Supõe também a criação de um
sistema de coerções, sempre orientado pela sua valorização
produtiva, que iriam desde as penalizações tributárias
até a sua transferência efetiva para os que a queiram
explorar em benefício da comunidade. Isso, dentro de um procedimento
que, se deve evitar o confisco, não pode proporcionar ao
proprietário ausente, ou descuidado da produtividade de sua
terra, o mesmo tratamento dispensado àquele que se transforma
num efetivo agente de criação da riqueza nacional.
|