A Lei de 26 de junho de 1852
e seus efeitos
No largo período de 1840 a 1852, Cochrane não deu
tréguas à sua campanha (...). Em setembro de 1841
pediu à Câmara que o governo subscrevesse ações
da companhia que organizara.
Na sessão de 20 de outubro foi apresentado o seguinte projeto
14[Anais do Parlamento Brasileiro
— 4º ano da 4ª legislatura — Sessão de 1841 — Rio
de Janeiro, Tipografia da Viúva Pinto ¨Filho, R. Nova
do Ouvidor, nº 31, 1884]:
« Artigo 1º — Fica o governo autorizado
a subscrever pelo valor de duas mil ações, como acionista
da Companhia organizada por Tomas Cochrane, para construir uma estrada
de ferro que comece no município da Côrte
e acabe na província de S. Paulo, conforme o decreto de 4
de novembro de 1840 e condições que o acompanham.
Artigo 2º — As máquinas, carros de
vapor e instrumentos necessários importados, serão
isentos dos direitos de importação por tempo de cinco
anos.
Artigo 3° — Ficam revogadas as disposições
em contrário.
Paço da Câmara dos Deputados, 13 de
setembro de 1841 — Francisco Ramiro d'Assis Coelho — H. Ferreira
Pena — B. Q. Torreão. »
A discussão do projeto foi calorosa, salientando-se nos
debates os deputados Álvares Machado, Teófilo Ottoni,
H. de Resende, Barreto Pedroso, Sousa Martins e Paula Cândido,
uns pró, outros contra a subscrição das ações
da companhia pelo governo, porém todos favoráveis
à introdução das estradas de ferro no país.
Para mostrar o critério com que foi discutido o assunto
e o desejo de tal fator de progresso, basta a transcrição
de alguns trechos dos discursos desses parlamentares.
Álvares Machado
— (...) se verdadeiros são os princípios teóricos
que tenho lido até aqui, parece-me impossível estabelecer-se
uma estrada de ferro para nela transitarem carros movidos a vapor,
à vista de nossas montanhas difíceis de cortar; eu
acho que a obra, se não é impossível, ao menos
é de grandíssima dificuldade... Eu declaro que não
tenho conhecimentos práticos sobre este objeto, nem mesmo
na casa haverá quem os tenha, haverão muitos que os
tenham teóricos e possam falar sobre a matéria; a
estes desejaria ouvir para dar o meu voto de consciência.
Foi para suscitar a discussão, foi para não votar
por uma lei de tanta importância sem ouvir os homens entendidos
sobre este objeto, que eu pedi a palavra (...)
Depois de ouvir outros oradores voltou à tribuna:
Álvares Machado
— Dizem alguns dos meus colegas que atualmente os carros de vapor
podem subir montanha. Até aqui eu sabia que uma boa estrada
devia ser construída em plano paralelo ao horizonte, que
o mais que se devia dar de elevação era três
por cento em extensão, que disto para cima não podiam
as estradas ser elevadas. Quem pode duvidar que uma estrada de ferro
daqui até o ponto a que esta se dirige, pode trazer as maiores
vantagens ao comércio e à agricultura? (...) Não
farei oposição desde que se mostre a possibilidade
da obra, porque das vantagens não duvido (...)
Teófilo Ottoni —
Eu não acho impossível, julgo mesmo que será
muito praticável, não só daqui para S. Paulo,
como para muitos pontos da província de Minas, o estabelecimento
da estrada de ferro. Julgo ainda que estas empresas não devem
nos assustar tanto, que não arrisquemos a fazer algum sacrifício
para entrar nelas. | Entretanto, apesar desta minha consideração,
eu tenho repugnância em votar pelo artigo 1º como ele
se acha concebido. O artigo autoriza o governo para tomar 2.000
ações de uma estrada de ferro projetada pela companhia
organizada por Tomas Cochrane. Ora, sr. Presidente, eu julgava mais
acertado que a Câmara pesasse bem, não digo os recursos
do país, porque é uma questão que eu quisera
que se pusesse de parte, as urgências do tesouro é
uma questão para a qual não duvido fazer qualquer
sacrifício; mas eu quisera que a Câmara pesasse bem
os meios de tirar a maior vantagem possível de qualquer sacrifício
para a realização deste projeto, quisera que a Câmara
tomasse as providências necessárias para que esse dinheiro
fosse empregado segundo as suas vistas; que estabelecesse as garantias
que há de ter o governo para que o sacrifício que
faz não seja inutilizado; ou que não se deixasse ao
cuidado simplesmente de um ministro empresas de tamanha importância.
Um ministro no seu gabinete, não tendo muitas vezes senão
de discutir com as partes interessadas, pode muito bem ser iludido;
a discussão em público, a discussão
da Câmara não tem esse inconveniente. Eu quisera,
pois, que a Câmara deliberasse, definitivamente, se o tesouro
deve entrar com essas ações ou não; e, no caso
de dever entrar, quisera que na lei se tomassem algumas providências
que garantissem ao tesouro um emprego razoável dos meios
que o tesouro deve dar. | Há uma companhia em princípio
de organização, meio começada, a Câmara
vota este sacrifício em favor de determinada companhia organizada
por Cochrane; ora eu quisera que a Câmara votasse um sacrifício
desta natureza para qualquer companhia que mais vantagem oferecesse
ao tesouro.
Sousa Martins — (...) Eu
trato do conhecimento especial relativo à construção
de estradas de ferro. Neste ponto estou convencido que a nossa ignorância
é geral, inclusive daqueles senhores que têm conhecimento
especial da mecânica aplicada (...). Eu ouvi o nobre deputado
por Minas dizer que acredita em milagres da indústria e da
mecânica. Eu também acredito neles, mas estes milagres
dependem dos meios proporcionados para os realizar. Aqueles que
acham dificuldades na empresa, não a acham absoluta mas sim
relativa aos meios que temos para estabelecer as vantagens que se
devem colher depois da execução; estas são
as dificuldades reais da empresa. | Se os meios que houvermos de
empregar forem tão dispendiosos, que as vantagens não
compensem, devemos abandonar a empresa. Suponho que no estado atual
do Brasil, à vista do comércio e indústria,
nós ainda não podemos esperar vantagens de uma empresa
tão considerável, que possam equivaler aos gastos
que ela necessariamente há de demandar (...)
Barreto Pedroso — com
argumentação clara, mostra que o traçado é
relativamente fácil e termina: Pelo conhecimento que
tenho do terreno estou persuadido que é muito possível,
muito praticável a estrada (...) venham os homens da arte,
da profissão, eles aplainarão as dificuldades. Não
vejo nisto coisa impossível.
Paula Cândido faz
considerações semelhantes às de Ottoni.
Assis Coelho — Leu
dados sobre a produção das três províncias
a serem ligadas pela estrada de ferro, sobre o custo do transporte
desta produção e sobre as despesas a fazer com a construção
da estrada.
Após discussão que muito interessou a Câmara,
o projeto foi aprovado e encaminhado ao Senado, onde só apareceu
na sessão de 3 de fevereiro de 1843.
Este foi o primeiro passo para a efetivação da grandiosa
idéia, consubstanciada no projeto
de Bernardo Pereira de Vasconcelos, que culminou com a Pedro
II, autorizada no decreto de 26 de ju[n?]ho
de 1852.
O projeto deu lugar a longos debates no Senado, nas sessões
de 3, 23 e 25 de fevereiro de 1843, destacando-se nas discussões
os senadores Costa Ferreira, Castro e Silva, Carneiro Leão,
Holanda Cavalcanti, Oliveira e Bernardo Vasconcelos. Do último
foram transcritos trechos de seus discursos, quando se demonstrou
ser injustiça chamá-lo inimigo das estradas de ferro.
Seguem-se trechos de discursos de alguns dos senadores que discutiram
o projeto:
Costa Ferreira — A natureza
fez tudo grande em nossa terra, porém os homens, desgraçadamente,
têm amesquinhado tudo, não têm lançado
mão dos meios para desenvolver os elementos que contém
o Brasil. Quem pode duvidar que o Brasil precisa de estradas de
ferro, quando a utilidade delas salta aos olhos de todos? A vantagem
desta medida: basta olhar o estado de atraso em que se acham as
comunicações do Brasil. Senhores, uma bem construída
estrada que percorresse o Brasil de sul a norte, seria da
maior importância, de primeira necessidade (...) os vapores
e as estradas de ferro são verdadeiros laços que hão
de unir o Brasil.
Castro e Silva — Diz um
nobre orador que temos um grande deficit constante; é
por isso mesmo que a meu ver devemos procurar todos os meios de
aumentar as nossas rendas, e um destes meios é, sem dúvida,
a maior facilidade de comunicação e transporte de
nossos gêneros (...)
Carneiro Leão —
Para se organizar um projeto destes, cumpre que os homens da arte
o estudem por largo a fim de ver a possibilidade da empresa (...).
Com efeito, com 8.000 contos, quando muito se poderá fazer,
entre nós, oito léguas de estrada, entretanto esta
tem de percorrer, só até Resende, trinta léguas.
Eis aí porque não dou o meu voto a este projeto (...).
A soma que se tem calculado como suficiente para esta estrada, é
muito insignificante para o projeto que se quer realizar, dado mesmo
a possibilidade de que a companhia possa se formar (...).
Holanda Cavalcanti — Reconheço
vitais duas questões no meu país e presumo
que da solução delas dependerá, talvez, a existência
ou não existência de nossas instituições,
para não dizer a conservação do império:
banco nacional e caminhos de ferro (...) — fazendo
então apologia das estradas de ferro.
Apesar de todos acharem que as estradas de ferro muito beneficiariam
a nação, a resolução caiu por não
concordarem com o modo de organizar a companhia. (...)
Tomas Cochrane não esmoreceu (...).
Revalidada a concessão em janeiro de 1842, continuou a se
esforçar (...) e conseguiu dos deputados Morais Sarmento,
Bernardo de Azambuja e Jansen do Paço a apresentação
à Câmara, em 6 de março de 1850, de um projeto
garantindo o juro de 5% sobre o capital empregado.
O projeto, com longos intervalos, foi morosamente discutido, até
que na sessão de 11 de junho do ano seguinte os deputados
Bernardo Augusto Nascentes de Azambuja, Carlos Carneiro de Campos,
J. M. Pereira da Silva, Luís Pedreira do Couto Ferraz, João
Antônio de Miranda, Visconde de Baependi, Justiniano José
da Rocha, Aprígio José de Sousa, Francisco de Paula
Negreiros de Saião Lobato, Antônio Cândido da
Cruz Machado, Firmino Rodrigues Silva, José Agostinho Vieira
de Matos, Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, J. J. da Lima
e Silva Sobrinho e Manoel Teixeira de Sousa apresentaram outro projeto.
Aprovado, foi encaminhado ao Senado, que, com grande interesse,
dele se ocupou nas sessões de 10 e 11 de outubro de 1851,
nas de 14, 27 e 28 de maio e 3, 7, 11, 20 e 23 de junho de 1852,
salientando-se nas discussões José Clemente Pereira,
Montezuma, Holanda Cavalcanti, Mendes Santos, Visconde de Olinda,
Vergueiro, Carneiro Leão, Manoel de Assis Mascarenhas, Gonçalves
Martins e outros. O assunto empolgou a Assembléia e teve
como resultado o
Decreto nº 641
de 26 de junho de 1852
« Autorizando o Governo a conceder a uma
ou mais companhias a construção total ou parcial de
um caminho de ferro que, partindo do município da Côrte,
vá terminar nos pontos das províncias de Minas Gerais
e S. Paulo, que mais convenientes forem. »
Este decreto conhecido por — Lei da Garantia de Juros —
instituiu
-
no parágrafo 6º do artigo 1º
a garantia de juros de 5% sobre o capital empregado na construção
de caminhos de ferro;
-
no artigo 2º que os contratos ficariam
sujeitos à aprovação da Assembléia
Legislativa;
-
e no artigo 3º declarou sem efeito a
concessão dada em 4 de novembro de 1840.
Cochrane, após tão longa e tenaz luta, perdeu o seu
privilégio (...).
Os benefícios da lei nº 641 logo apareceram com os
decretos das seguintes concessões:
-
Decreto n° 1.030, de 7 de agosto de 1852
— Concede a Eduardo e Alfredo Mornay o privilégio, por
noventa anos, para a construção de uma estrada
de ferro entre Recife e Água Preta.
-
Decreto nº 1.088, de 13 de dezembro de
1852 — Condede a Irineu Evangelista de Sousa o privilégio,
por oitenta anos, para a construção de uma estrada
de ferro de Petrópolis a Três Barras e daí
a Porto Novo do Cunha e a subida da serra de Petrópolis.
-
Decreto n° 1.299, de 19 de dezembro de
1852 — Concede a Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto
o privilégio, por noventa anos, para a construção
de uma estrada de ferro de Salvador até Juazeiro, ou
outro ponto navegável do rio S. Francisco.
Antes da lei 641, apenas existiam três concessões
para a construção de estradas de ferro:
-
a de Aguiar Viúva & Filhos, do
governo da província de S. Paulo, em 29 de outubro de
1838,
-
a de Tomas Cocrhane, do governo geral, em
4 de novembro de 1840, e
-
a de Irineu Evangelista de Sousa, do governo
da província do Rio de Janeiro, em 27 de abril de 1852.
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