Medeiros e Albuquerque
Ordem do Dia

Medeiros e Albuquerque, A Notícia, Rio de Janeiro, 18 e 19-11-1904, p. 1
[cf. AH2:60-62]

Há umas certas questões que vivem adiadas para uma oportunidade que os diretores da política brasileira nunca se decidem a encontrar e cuja urgência é, entretanto, inegável. Uma delas é a mudança da capital da República para o planalto central.

Vale a pena falar nela agora, quando um caso grave põe em relevo a sua importância, a fim de ver se há quem afinal pense nisso.

Cada dia esta cidade se torna mais imprópria para continuar com a sede dos poderes federais. É um grande centro comercial, cosmopolita, que não traduz de modo nenhum o espírito brasileiro.

Aqui, uma greve de sapateiros, como houve no tempo do Sr. Campos Salles, ou uma greve de carroceiros, como tivemos o ano passado, refletem imediatamente sobre a estabilidade do poder central.

Não se diga que o mesmo sucede na França, na Alemanha, em outros países. É inexato. É verdade que Paris, Berlim, Roma, etc., são grandes cidades comerciais, movimentadas, com uma população estrangeira considerável. Considerável — em absoluto; mas relativamente à população nacional — insignificante. As grandes fortunas, o alto comércio, os bancos mais fortes são todos eles de filhos do país.

Nada disto sucede aqui. A capital entre nós não é a cabeça da nação; não pensa e sente de acordo com os interesses brasileiros. Seu comércio mais forte, suas indústrias, seus grandes bancos estão na mão de estranhos. A pressão de todos estes elementos não pode deixar de se fazer sentir sobre os poderes públicos. Demais é uma grande cidade turbulenta, com cinco escolas militares, quatro faculdades civis superiores, e uma população adventícia extraordinária, resultado natural da sua situação de primeiro porto da América do Sul.

E tudo isto há de piorar consideravelmente.

Todos estão vendo a rapidez com que se vão executando as obras da avenida, do porto e das modificações empreendidas pelo prefeito. O movimento de construções é extraordinário. Ninguém ignora que nestes dois últimos anos tem havido um afluxo enorme de operários para esta cidade. Atraídos pelos salários altos, que chegaram nos primeiros meses a ser despropositados, começaram a vir para aqui, de todos os pontos do Brasil, e até das Repúblicas vizinhas.

Mas é evidente que esta febre de construções e demolições não se pode manter com a mesma intensidade por muito tempo. Dentro de dois ou três anos, ela baixará rapidamente — tanto mais rapidamente, quanto mais intensa tiver sido ao princípio a sua atividade.

Ora, é sabido que o operário atraído com facilidade para os grandes centros, não mais os abandona. E nós vamos ter aqui uma população de operários — ou desempregados, ou, exatamente pela afluência excessiva, mal remunerados: todas as boas condições para as greves, as perturbações da ordem, os conflitos sérios, conflitos que sempre se refletirão sobre a marcha das instituições.

Estas previsões não são para daqui a séculos. Elas se realizarão fatalmente dentro de pouquíssimos anos; talvez o governo atual já comece a gozar de todas estas delícias... Quanto ao governo do futuro presidente, pode com elas contar de um modo infalível. Os prenúncios desses movimentos estão nos acordos de operários nossos com anarquistas estrangeiros, acordos de que a nossa polícia tem perfeito conhecimento.

O fato das grandes obras, que se estão fazendo nesta cidade, não é um embaraço para a mudança da sede dos poderes federais. Não se alegue que depois de tais sacrifícios é impossível sair daqui. Essas obras são feitas com impostos exclusivamente pagos pelos habitantes do Rio. E aliás o saneamento e os melhoramentos do nosso primeiro porto, como os melhoramentos dos portos do Recife, Bahia e Rio Grande do Sul refletirão sobre a prosperidade econômica do país inteiro.

É no coração do Brasil, no seu centro, na vizinhança de um número maior de Estados, que a Capital deve ficar. Esta cidade não perderá a sua importância, com o simples fato da mudança dos poderes da União — porque exatamente o que lhe dá importância é o seu comércio e a sua indústria.

Com a colocação da Capital no lugar já demarcado e que a Constituição determinou, S. Paulo, Bahia e Minas lucrarão diretamente, porque, se em torno da nova capital se for fazendo um desenvolvimento maior, é a zona menos desenvolvida desses Estados que se civilizará mais rapidamente. E lucrarão todos os outros, porque, pela necessidade de comunicações prontas, por terra, com o centro do Brasil, se rasgarão enfim as estradas e se resolverá o problema da viação nacional, cuja demora é a nossa maior causa de atraso.

Para a mudança de Capital não é necessária a mudança de todas as repartições federais. Há muitas que aqui estão e aqui devem continuar. Em todo o caso, o que Minas pôde fazer, não se compreende que a União não possa.

Valia a pena diante da advertência dos fatos recentes e da previsão infelível dos que ali vêm, pensar neste caso, que seria mais fácil de resolver, quanto o governo tem entre os seus membros quem seja capaz de levar a bom termo, com a perfeição, essa obra meritória. — M. A.

   

Documento

Referências

Este teria sido apenas o primeiro de uma série de artigos publicados por Medeiros e Albuquerque em A Notícia sobre a mudança da capital, segundo referência de Nogueira Paranaguá em sua carta aberta de 1911 ao Presidente da República e aos membros do Congresso Nacional, cf. AH2:11.

Ordem do dia

Medeiros e Albuquerque, A Notícia,
Rio de Janeiro, 9-2-1905, p. 34
[cf. AH2:11-12]

De todos os homens que ocupam cargos públicos no Brasil, se deve presumir que conhecem a corografia pátria.

Matéria elementar de instrução primária, seria fazer-lhes injúria supor-se a ignoram.

De fato, porém, lendo as nossas leis, a todo momento se tem a prova de que nem mesmo o Congresso, onde estão os representantes de todo o país, parece guardar uma consciência muito nítida das condições exatas do Brasil com a sua vastidão, as suas dificuldades de comunicação, o povoamento do seu solo. São numerosas as medidas que, à primeira inspeção cuidadosa, mostram bem não poderem convir simultaneamente à capital federal e aos sertões de Goiás ou Mato Grosso. Assim, se se achasse um recurso qualquer, graças ao qual em todos os documentos públicos houvesse sempre um mapa do Brasil, para gravá-lo profundamente no cérebro de todos nós, jornalistas, homens do governo, legisladores e juízes... talvez, desse modo, se evitassem muitas decisões, leis e sentenças verdadeiramente extraordinárias.

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