Olavo Bilac, 1905
A onça e a Avenida

Olavo Bilac, Registro, in A Notícia, 1º de dezembro de 1905, p. 289
[cf. AH2:60-62]

Dizem os jornais que em Guaratiba apareceu há dias uma onça.

Uma onça em Guaratiba, ali adiante na encosta da serra do Bangu, em pleno território da civilizada capital da República! Não acham que é um assunto merecedor de registro e comentário?

Este caso é uma espécie de memento, dirigido à nossa filáucia. Chegando até o seio da nossa civilização, esse imprudente felino, que pagou com a vida a sua imprudência, veio lembrar-nos o que é o Brasil ainda hoje, ao expirar do ano da graça de 1905: um território imenso e despovoado, cheio ainda de florestas virgens.

É essa uma coisa de que nunca nos lembramos... Embebidos na contemplação da nossa vida social, muito contentes com a nossa luz elétrica, com as nossas avenidas, com os nossos teatros, com o nosso parlamento, com as nossas academias, muito satisfeitos com o povoamento e o progresso desta faixa do litoral do Brasil, achamos que todo o Brasil é isto, e vivemos numa doce ilusão, acreditando que a nossa pátria já é um país, uma nação.

E eis que, de repente, uma onça aparece bem perto de nós, como a dizer-nos:

"Sabem vocês quem eu sou? Eu sou a vida selvagem, eu sou a natureza bruta, eu sou a mata virgem, eu sou a era primitiva!

Não nasci e não vivo em Goiás, ou em Mato Grosso, ou no Amazonas: nasci e vivo aqui, pertinho de vocês, da sua luz elétrica, das suas avenidas, da sua civilização. Isto quer dizer, meus amigos, que a mata virgem não está somente lá dentro, no âmago dos apartados sertões: não! a mata virgem está aqui, no litoral, no seio da capital da República.

Compreendem vocês? Se aqui, no Distrito Federal, há ainda selvas brutas e onças, imaginem vocês o que haverá por estes matagais do Brasil, que nunca mais acabam, e onde até o judeu errante seria capaz de perder as botas, e onde até Satanás seria capaz de perder os chavelhos!

Meus amigos, eu bem sei que vocês não gostam de ouvir conselhos: mas ouçam sempre este conselho, que é de onça matreira e experimentada... Vocês devem tratar quanto antes de explorar, de desbravar, de povoar, de fecundar este país imenso e inculto... Porque, reparem: isto é tão grande, isto é tão bom, isto é tão rico, isto é tão apetecível, que não falta quem o apeteça...

Tomem tento, e não se fiem somente na providência divina.

Oh! que onça de bom senso! Oh! que onça de juízo!

Infelizmente aconteceu-lhe o que sempre acontece a quem se mete a dar conselhos aos que não gostam de recebê-los: apanhou meia dúzia de tiros, e perdeu na aventura a vida e... a pele, que foi vendida por trinta mil réis!

   

Documento

Referências

Em 1905, o então senador Nogueira Paranaguá (PI) passa a impressão de que Olavo Bilac teria abordado o tema da mudança da capital — ou correlatos, como no texto ao lado — mais de uma vez.

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