Título
Carta aberta ao exmº sr. Presidente da República e membros do Congresso Nacional

Anais da Câmara dos Deputados, 1911, vol. VII, p. 355-365,
sessão de 9 de novembro de 1911 [cf AH2:92-104]

Exmºs srs. Eu vos saúdo.

Como sabeis, na vida das nações, os grandes problemas políticos, econômicos e sociais se sucedem constantemente; e na contínua evolução que felizmente vamos fazendo, depois de conquistada a nossa independência, de abolida a escravidão, de proclamada a República e demarcadas as nossas fronteiras, dois problemas nacionais, pelos quais há muito me bato, estão exigindo pronta solução.

Estes problemas, que me parece devem preocupar vivamente o espírito dos estadistas e patriotas brasileiros, são o da transferência da capital nacional do litoral para o centro do país, e o das secas periódicas que assolam o Nordeste, cujos efeitos — tão funestos — devem ser combatidos. Atualmente nos ocuparemos apenas com o primeiro destes problemas.

Com o sentimento de independência, surgiu, instintivamente, na alma dos patriotas que sonharam com a grandeza de nossa querida pátria, a idéia da transferência da capital, do litoral para o interior do país, a bem do seu povoamento, da sua integridade e da sua resistência.

A cidade do Rio de Janeiro está condenada como capital da Nação, desde os tempos coloniais.

Qual o brasileiro que não se recorda, compungido, das invasões de Duclerc e Duguay Trouin, que nos fizeram experimentar sofrimentos cruéis, vexames vergonhosos e imposições degradantes?

Quantos outros fatos, desde Christie aos protocolos italianos e do cabo Joca ao marujo João Cândido e cabo Piaba não nos mostram queos sofrimentos da pátria devem perdurar nos corações de seus filhos para que, mais previdentes, lhes possam evitar novas dores, aflições e violências?

Portugal, por instinto de conservação, colocou a sua capital na foz do Tejo para melhor se defender de sua poderosa rival, a Espanha; e deveriam manter no litoral as capitais de seus domínios para mais facilmente fiscalizá-los e melhor exercer sobre eles a sua ação tutelar.

Proclamando o Brasil a sua independência, devia transferir a capital para a região central, como queriam os grandes patriotas da Conjuração Mineira que, em 1789 [1788], tinham como intuito, proclamada a República, com a nossa independência, transferir a sede do governo para o interior.

Se a natureza nos ensina serem os centros vitais, nos seres organizados, os mais dificilmente atingidos pelos agentes de destruição, por que não aproveitarmos a lição de inexcedível sabedoria e colocarmos a nossa capital, que é o centro vital da Nação, no interior do país, em local dificilmente acessível a qualquer inimigo?

Se os povos fortes, dominados pelo sentimento patriótico e instintiva previdência, foram levados a colocar suas capitais nos pontos menos atingíveis aos seus prováveis inimigos, de modo a melhor se garantirem contra as invasões e poderem, com segurança, conseguir uma grande cultura, por que não imitarmo-los?

Se examinarmos o mapa da Europa, veremos que os povos mais fortes e que estão exercendo maior influência na evolução da civilização, têm suas capitais centrais. A Itália, possuindo magníficos portos no seu vastíssimo litoral, tem a sua capital às margens do rio Tibre; e daquele ponto central irradiou de tal forma o seu poder que se tornou o Império Romano senhor do mundo. Madrid, Viena, Paris, Berlim e Londres, capitais de países poderosos, nos mostram o acerto com que aquela snações, resistentes e fortes, procederam na escolha do local para os seus centros vitais, que tanta influência têm exercido e estão exercendo na marcha contínua do aperfeiçoamento humano.

Os antecedentes históricos e o grande exemplo da América do Norte deviam preponderar, para tal fim, em nossa pátria.

Quando a monarquia portuguesa veio refugiar-se no Brasil, em 1808, o valoroso publicista e ardente patriota Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, no seu histórico jornal O Correio Braziliense em artigos magistrais levantou a questão da mudança da capital do Rio de Janeiro para o planalto central.

Os Estados Unidos transferiram a capital nacional do litoral para o centro, ao proclamar a sua independência.

Quem ler as recomendações feitas em 1821 aos representantes do Brasil junto às Côrtes portuguesas, no palácio do governo provisório de S. Paulo, maravilhar-se-á da previsão com que aqueles patriotas observavam e compreendiam os interesses nacionais. « A utilidade do levantamento de uma cidade central, para assento da Côrte ou Regência, na latitude de 15º aproximadamente » foi tomada na máxima consideração. José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da nossa independência, que ainda hoje nos guia com os seus conselhos, era então o chefe desse movimento patriótico e previdente.

No período regencial, onde tantos estadistas se revelavam, um diplomata e historiador, Francisco Adolfo Varnhagen (Vosconde de Porto Seguro), reviveu esta magna questão, pela qual se bateu com entusiasmo, desde 1834, até que a sua preciosa existência pagou o tributo da morte. O parecer que apresentou ele ao governo, em 1878 [1877], é um trabalho primoroso, digno de ser estudado.

O eminente Marquês de Paranaguá, piauiense ilustre e estadista culminante, que pela correção do seu proceder tanto se salientou no regime passado, colaborou com outros, em 1853, em um projeto de transferência da capital, do Rio de Janeiro para Monte Alto, zona salubre e agradável, situada em uma serra nas proximidades do caudaloso rio S. Francisco, na Bahia, junto a Minas Gerais.

Em 1873, o abnegado republicano piauiense, David Moreira Caldas, jornalista notável, publicou um artigo sensacional, no seu memorável jornal O Oitenta e Nove, no qual predizia ser a República proclamada em 1889, como felizmente aconteceu, e que a capital nacional seria transferida para a Ilha do Bananal, ilha paradisíaca, formada pelas águas majestosas do caudaloso rio Araguaia. A convicção do grande propagandista republicano piauiense de que a República seria proclamada em 1889 era tão profunda que mudou o nome do seu periódico de O Amigo do Povo para o de O Oitenta e Nove, que se tornou histórico. [Nota do site: o ano de 1889, centenário da Revolução Francesa, também era considerado pelos abolicionistas como um "prazo" para o fim da escravidão no Brasil. Simultaneamente com o artigo citado, David Caldas mudou o nome de seu jornal para "O Oitenta e Nove". Não encontrada a íntegra do artigo com a referência à mudança da capital]

Ao reunir-se o Congresso Constituinte, após a proclamação da República, surgiu no seio da Comissão dos Vinte e Um a idéia da mudança da capital da República para o planalto central, idéia que foi aceita com aplausos.

Por ocasião de ser discutida no Congresso essa medida, apresentada, se me não falha a memória, pelos congresisstas Joaquim Murça, Lauro Müller, Virgílio Damázio e outros, o deputado Costa Machado ofereceu-lhe uma emenda, modificando-a de modo a facilitar a transferência, de que era grande entusiasta.

A modificação sugerida deu lugar à emenda substitutiva, oferecida pelo senador José Higino Duarte Pereira, cujo talento e erudição espargiam radiante luz sobre os assuntos de que tratava.

Tendo sido aprovada esta emenda, foi constituir o art. 3º da Constituição, que assim dispõe:

Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona ded 14.400 quilômetros quadrados que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura capital federal.

Parágrafo único. Efetuada a mudança da capital, o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado.

Na primeira reunião do Congresso, após a promulgação da Constituição republicana, apresentei um projeto de transferência da capital federal para o planalto central na circunvizinhança do divortium aquarum do maciço central brasileiro, donde partem os grandes rios Tocantins, para o norte, Paraná, para o sul, e São Francisco, para o leste.

Este local já tinha sido indicado como de grande conveniência, pelos notáveis brasileiros — H. J. da C. P. F. de Mendonça [Hipólito], José Bonifácio de Andrada e Silva e Francisco Adolfo Varnhagen (Visconde de Porto Seguro).

As Comissões de Obras Públicas e Finanças, compenetradas da extraordinária importância do problema de que tratava o projeto ofereceram-lhe um substitutivo a fim de que mais rapidamente fosse levada a efeito a transferência almejada. Foi aprovado este projeto e, sem perda de tempo, o grande brasileiro, o intransigente patriota marechal Floriano Peixoto, presidente da República, nomeou uma comissão de pessoas competentíssimas para explorar, estudar e demarcar a área consignada no art. 3º da Constituição de 24 de fevereiro, a fim de nela estabelecer-se a futura capital federal.

Esta comissão, sob a direção do eminente cientista, de saudosa memória, dr. Luiz Cruls, diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, seguiu em 1892 para o interior do país e em 1893 concluía os seus estudos locais, trazendo da região escolhida os apontamentos indispensáveis e necessários ao relatório que tinha de preparar e apresentar ao governo. O trabalho pode não estar escoimado de alguma falha, mas é valiosíssimo e digno de ser consultado por aqueles que quiserem conhecer profundamente o magno problema da transferência da capital do Brasil para o interior.

O local escolhido e demarcado traduz as disposições constitucionais e o sentimento de previdência dos ardentes patriotas e culminantes estadistas que, desde os tempos coloniais, têm cogitado desta magna questão, da qual tanto depende o povoamento do Brasil, a sua integridade e a sua resistência.

Infelizmente, fatos gravíssimos vieram perturbar profunda e dolorosamente a vida nacional e fizeram com que fossem suspensos os trabalhos iniciados para a execução do art. 3º da nossa lei fundamental; ao voltar, porém, a Nação a sua vida normal, surge com maior vigor a idéia da transferência da capital para o interior.

O ilustre deputado Sá Freire, em 1899, apresentou um projeto à Câmara dos Deputados autorizando o Poder Executivo a transferir a capital da República para a cidade de Minas (Belo Horizonte) no Estado de Minas Gerais, ou para outro ponto que julgasse conveniente no planalto central. Em 9 de dezembro de 1905, apresentei à deliberação do Senado Federal um projeto que me parecia consultar a magnitude deste importantíssimo problema nacional.

Quando este projeto teve de entrar em votação, no ano seguinte, eu já não fazia parte daquela casa do Congresso, mas os senadores Glicério, Alfredo Ellis, e principalmente o saudoso e denodado patriota Barata Ribeiro, que tanto elevou aquela alta corporação, pela sua erudição, honestidade, altruísmo e inexcedível patriotismo, fizeram o que lhes foi possível, a fim de que, após a segunda discussão, o mesmo projeto, que não tinha tido parecer, fosse às Comissões de Finanças, Obras Públicas e Constituição.

O requerimento do senador Glicério, por falta de número, ficou prejudicado; os outros, em sessão de 10 de junho de 1907, encontraram tanta resistência por parte da Mesa que, apesar da brilhantíssima e memorável defesa, produzida pelo erudito senador Barata Ribeiro — iluminando sempre com a sua palavra fácil e convincente, guiada por uma inteligência culta, as questões de que tratava, foram rejeitados; e o projeto, não obstante sua reconhecida utilidade e importância, sem parecer de comissão alguma, foi rejeitado, apesar das disposições expressas no referido art. 3º da Constituição.

Estas disposições devem merecer a máxima atenção dos poderes públicos, a fim de que possam ser levadas a efeito, com a possível urgência e a bem dos múltiplos interesses nacionais.

Após a inesperada rejeição daquele projeto pelo Senado, nota-se que a idéia vai conquistando adeptos, mesmo no seio daquela alta corporação.

A opinião pública vai se tornando convenientemente esclarecida e firmando-se de modo a aproximar-se o triunfo de tão elevada medida constitucional.

Em 1907, o ilustre sr. dr. João Coelho Gomes Ribeiro, magistrado inativo, distinto advogado, emérito jornalista e patriota, publicou uma valiosa monografia sob o título «A capital federal e a Constituição da República», em que o previdente cientista mostra a conveniência da almejada transferência da capital.

O sr. Antônio Martins de Azevedo Pimentel, incansável defensor da idéia da mesma transferência para o planalto central, vai publicar em breve, segundo lemos, um trabalho intitulado «Histórico da mudança da capital federal para o interior do Brasil»; e o dr. Antônio Gomes Carmo, espírito investigador e dedicado ao progresso de nossa querida pátria, está escrevendo um trabalho sobre este problema.

Por ocasião da última eleição federal neste distrito, para deputado e senador, um partido levantou a bandeira da mudança da capital, conseguindo nas urnas assinalada vitória.

O deputado Sá Freire, autor de um projeto de transferência da capital federal e ardente propugnador desta medida como necessária ao progresso do Brasil, foi feito senador. Na Câmara dos Deputados, segundo me consta, foi apresentada uma proposta para construção da futura capital, que ainda não teve parecer.

Depois desta rápida resenha sobre a marcha histórica deste importantíssimo problema, vê-se que a idéia vai avançando consideravelmente e, por conseguinte, em breve tempo se tornará vencedora, não só para felicidade do Brasil, como de toda a América meridional.

Haverá quem deixe de reconhecer que um país como o Brasil, com uma superfície de 8.527.818 km², não deva colocar a sua capital no centro do seu território?

Se a natureza nos ensina que os seres organizados têm os seus centros vitais colocados nas mais abrigadas regiões e se acham protegidos de tal forma que dificilmente podem chegar a eles os agentes destruidores, como acontece ao cérebro e ao coração, por que não aproveitarmos esta — lição de inexcedível sabedoria e colocarmos a nossa capital, que é o centro vital da Nação, no interior do país, no local menos acessível aos nossos possíveis inimidos?

Se prestarmos atenção aos atos mais simples da vida diária, reconheceremos que o próprio instinto nos leva a guardar os objetos de valor, como, por exemplo, as nossas jóias, nos lugares mais seguros e impenetráveis dos nossos aposentos.

Quem não reconhece estar o Rio de Janeiro tão no litoral e ao sul que, como centro político deste vastíssimo país, se torna um aleijão, uma monstruosidade?

A cidade do Rio, situada no litoral, na fronteira e, por conseguinte, ao alcance da primeira bala, é imprópria para a sede dos poderes federais.

Ainda mais, pelo seu extraordinário movimento comercial é uma cidade cosmopolita, onde o sentimento patriótico está fracionado de acordo com os elementos heterogêneos que nela vivem; e o seu crescente movimento industrial, escolar e militar demonstra que o governo não pode ter aí a tranqüilidade e calma necessárias à resolução dos grandes problemas vitais da Nação.

A cidade do Rio de Janeiro, reclinada sobre a maravilhosa baía da Guanabara, recamada de belíssimas ilhas, transformadas em admiráveis jardins flutuantes, está destinada a tornar-se a capital comercial da América meridional, pelo conjunto de circunstâncias que lhe dão a primazia, sendo o seu porto o mais abrigado, o mais profundo e o mais acessível, na América do Sul, aos grandes transatlânticos.

O luxo escessivo, a descomunal ambição de ganho ou de fazer fortunas rápídas, com as suas funestas conseqüências, tornam-na também inconveniente para sede dos poderes federais, tornando-se uma cidade incomparável de diversões.

As invasões, imposições e vexames por que tem passado o Brasil, devido à má colocação de sua capital, como agora mesmo acabamos de observar, com as revoltas capitaneadas pelo marinheiro João Cândio e o cabo Piaba, nos aconselham transferi-la para o centro do país, pois a capital é para a nação o que o coração é para o indivíduo — primus vivens et ultimum moriens.

O instinto de conservação e o sentimento patriótico têm levado os povos fortes e cultos a colocar suas capitais nos pontos de mais difícil acesso aos seus inimigos prováveis, como já ficou demonstrado e pode ser verificado em qualquer planisfério da Europa ou América.

Lima, México, Washington são a manifestação desse sentimento.

A América do Norte, sempre previdente e digna de ser imitada, deixou que Nova York se tornasse a mais rica e comercial cidade da América e foi fundar no inteior do país, às margens do rio Potomac, a bela, higiênica, simples e confortável cidade de Washginton, para sede dos poderes federais.

Este ato de admirável bom senso daquele grande povo, mais do que qualquer outro, contribuiu para o rápido povoamento e o incomparável progresso que tem conseguido conquistar, em tão curto espaço de tempo, entre as nações civilizadas.

Com a transferência da capital do litoral para a região central colombiana, já não tinha ra~zoa de ser o medo de penetração no interior do país, por causa da falta de garantias, porque a sede do governo, mui sábia e patrioticamente, havia sido transferida para o centro.

Que nos impede de fazer o mesmo?

Transferida a capital do Brasil para a região central, os seus grandes e numerosos rios navegáveis serão franqueados ao comércio, o país povoado, sua vasta área valorizada e cortada de estradas de ferro e rodagem, que facilitarão a exploração de suas incalculáveis riquezas naturais e as quais irão poderosamente contribuir para o seu desenvolvimento econômico, social e industrial, assimilando rapidamente os nossos silvícolas e fundando as bases da futura civilização universal.

As grandes linhas férreas transcontinental, norte-sul e transoceânica, cruzarão a futura capital, pondo-a em comunicação não só com as populações dos Estados que constituem a nossa nacionalidade, mas também com as populações dos povos co-irmãos das repúblicas sul-americanas.

Com o estreitamento de relações comerciais e sociais se tornarão mais íntimos e fraternais os laços de solidariedade que ligarão, para o futuro, os povos da América meridional.

A estrada transoceânica que da baía Cabrália, no Atlântico, for ao porto de Arica, no Pacífico, passando pela futura capital brasileira no maciço central, atravessará a melhor região da América do Sul, não só por ser a que contém os melhores elementos para a maior condensação de população, mas também por possuir admiráveis matas, intercaladas de campos nativos, onde as indústrias agro-pecuárias encontrarão os elementos de natural e considerável desenvolvimento; mais ainda: por ser o seu clima ameníssimo e a sua vastíssima área tão abundantemente irrigada por infinidade de regatos que se vão transformando em caudalosos rios, que formam rápidos e cachoeiras, contribuindo para que esta zona se torne, com o concurso da força produzida pela hulha branca, o mais importante centro industrial do mundo.

Desta estrada transoceânica partirão ramais que o porão em comunicação com os afluentes navegáveis dos grandes rios que constituem as maiores bacias fluviais sul-americanas — Amazonas, Prata e S. Francisco — estreitando os laços de solidariedade dos povos co-irmãos, pela mais numerosa e extensa rede fluvial encontrada na superfície da terra.

A área já demarcada para futura capital nacional fica eqüidistante da foz do Oyapoque e da foz do Prata.

O Estado de Goiás representa o centro da América do Sul; e sendo transferida a nossa capital para aquele Estado, o Brasil adquirirá, por este fato, maior resistência, do que a que lhe advém dos grandes dreadnoughts e do considerável aumento do nosso exército.

O Brasil, tendo uma extensão de 4.300 quilômetros de largura, de Cabedelo, na Paraíba do Norte, às vertentes do Javari, nos contrafortes dos Andes, no interior do Acre, necessida urgentemente que sua capital seja transferida para o interior do país, a fim de que o seu máximo povoamento tenha lugar em pouco tempo e que a instrução se torne mais fácil aos seus filhos da região central e de oeste, onde não encontram meio de obtê-la e nem conforto algum, ou meios de empregar convenientemente a sua atividade, por falta absoluta de estabelecimentos de crédito, que facilitem as explorações das incalculáveis riquezas naturais, facilmente remuneráveis, existentes no país.

Estando a capital do Brasil no interior, o seu vastíssimo território, que apresenta climas diferentes, será melhor conhecido, apreciado e procurado, podendo tornar-se não só o maior produtor dos mais saborosos frutos, mas também a naão em que a policultura poderá ser a mais variada e completa, resultando daí a mais segura fonte econômica para o seu engrandecimento comercial. Pelo fato de estar a capital no litoral e muito ao sul, a população, condensada nas cidades marítimas, não só desconhece o interior do país, como tem horror de para lá ir, por lhe parecer uma região inóspita e inacessível.

As dificuldades de comunicações no interior do Brasil são hoje de tal ordem, principalmente por causa da péssima colocação da sua capital, que as famílias mais abastadas de Manaus a Porto Alegre (Amazonas ao Rio Grande do Sul) conhecem melhor a Europa do que o seu próprio país.

Um acontecimento notável, ocorrido em Portugal, Itália, Espanha ou França repercute com mais intensidade no Rio de Janeiro e cidades do litoral do que idênticos outros ocorridos no Acre, Mato Grosso, Goiás ou Piauí. Se a capital do Brasil estivesse no interior desde a sua independência, isto não se daria; a capital central já estaria ligada aos principais portos do Atlântico, por meio de estradas de ferro, dando-lhe um valor comercial e industrial considerável; a sua importância entre as nações seria muito maior e de acordo com o seu valor moral, intelectual e econômico, que patenteariam ao universo seu progresso social e os seus indissolúveis laços de solidariedade.

A transferência da capital do Brasil para o centro é uma medida aconselhada pela sua posição geográfica, pela conveniência de sua administração e de sua integridade. Da solução deste problema nacional surgirão as fáceis e rápidas comunicações no interior do país, não só da futura capital com os portos marítimos do oceano Atlântico, mas ainda com os do Pacífico, estreitando os laços de amizade entre os povos sul-americanos, que se irão aperfeiçoando pelo trabalho que dignifica e pela paz que assegura a marcha contínua do progresso pela educação e pela instrução.

A fertilíssima região de oeste, que se estende das vertentes do Araguaia às do Javari, com cerca de 2.866 quilômetros de extensão, quase desabitada, receberá imediatamente um formidável contingente de população, não só das cidades brasileiras do litoral, onde já vai havendo um forte contingente de população desocupada que tende a crescer — como ainda de europeus, que encontrarão naquela zona os melhores elementos para sua prosperidade. As maravilhosas quedas d'água que se encontram a nordeste, norte e noroeste do planalto central parecem nos estar indicando que aquelas inesgotáveis fontes de hulha branca devem ser quanto antes aproveitadas em fornecer força para as locomotivas das nossas estradas de ferro e de rodagem, bem como para as caldeiras das máquinas das nossas indústrias, presentes e futuras.

Aquelas belíssimas cachoeiras poderão fornecer os melhores elementos para o aperfeiçoamento das indústrias de transportes, terrestres, fluviais, marítimos e aéreos, quando a capital estiver no interior. Com a evolução da humanidade, sente-se a necessidade, cada vez mais intensa, do estreitamento das relações entre os povos que se civilizam; pelo que os elementos que puderem contribuir para o aperfeiçoamento dessas relações, como as indústrias de transporte, por exemplo, deverão ir merecendo crescente interesse dos poderes públicos.

A transferência da capital para o interior do país irá contribuir poderosamente para o desenvolvimento das comunicações e, por conseguinte, das indústrias de transporte nesta parte da América; e o estreitamento das relações que daí surgirá facilitará o estabelecimento de uma política defensiva que trará como conseqüência os mais benéficos efeitos.

Esta política defensiva cimentará a necessária harmonia entre povos irmãos, fazendo surgir os mais legítimos e indissolúveis laços de amizade fraternal, à proporção em que se forem tornando mais homogêneos os seus nobres e elevados ideais. Os povos sul americanos, em bem de sua rápida evolução, necessitam de um só direito como já têm, para bem dizer, uma só língua, de modo a formarem uma espécie de grande federação pela língua, pelo direito e pela civilização.

É necessário que mudemos quanto antes a capital do Brasil para o planalto central, onde nascem os ribeiros que se transformam em caudalosos rios navegáveis, caminhos que andam e estabelecem relações entre os povos; e como é nas regiões elevadas, salubres e amenas dos planaltos que mais facilmente se condensam as populações em suas evoluções, é para lá que deve ser transferida a capital. Assim como uma lâmpada colocada no alto ilumina melhor o aposento, assim a capital do Brasil, cérebro da Nação, deve ser colocada como um foco iluminativo, na região do planalto central, de modo a facilitar a irradiação do seu poder luminoso, que representa o progresso.

O Brasil tem manifestado sempre em sua evolução os sentimentos nobres e elevados que dominam o coração de seus filhos, principalmente: amor ao próximo, que simboliza paz.

Ainda agora, os próprios marujos reclamantes, capitaneados pelo marinheiro João Cândido, deram disto testemunho.

O homem,pela sua inteligência e faculdade inventiva, irá subindo sempre na escala da perfectibilidade, aproximando-se cada vez mais do seu Criador, a quem melhor conhecerá quando for mais completo o conjunto de suas qualidades físicas, intelectuais e morais.

O Brasil, com a transferência da sua capital da periferia para o centro, irá assimilar muito mais fácil e rapidamente o seu elemento étnico, com os elementos heterogêneos que estão colaborando conosco para a evolução do progresso e civilização.

O homem, tendo um tronco comum, os meios em que vive lhe darão os característicos próprios. O Brasil quer normalizar-se.

A sua capital, que é o seu coração, deve ocupar o centro apropriado, fisiológico, de modo a poder transmitir o sangue vivificado aos pontos extremos do seu organismo.

O ativo e glorioso Estado de Minas já deu à União o salutar exemplo, transferindo a sua capital, que é uma cidade modelar, para o lugar mais conveniente de sua grande e próspera zona.

Aquilo que Minas fez, com tanto proveito para o seu progresso, a União poderá fazer, em bem da Nação brasileira e da América do Sul.

O governo que levar a efeito a transferência da capital para o interior prestará ao país o mais relevante serviço a bem do seu progresso, da sua integridade e da sua resistência, como nação de primeira ordem.

Um Brasil novo, mais generoso, culto, resistente, unido, liberal, tolerante e respeitado surgirá entre as nações.

E a sua capital higiênica, confortável, calma, serena, tranqüila, respirará a honestidade e o altruísmo, tornando-se o grande foco de luz, de onde irradiará a civilização do século XX, trazendo à humanidade os incalculáveis benefícios do seu aperfeiçoamento moral, intelectual e físico.

Ao terminar esta missiva, chamo ainda uma vez a atenção dos poderes públicos para este problema e peço à imprensa que, com o seu poder universal, o elucide, consagrando-lhe a necessária investigação e iluminando-o com um jorro de sua potente luz.

Estando convencido de que da resolução deste importantíssimo problema nacional depende o rápido povoamento do solo de nosso vasto país, o desenvolvimento de suas comunicações, o crescimento de suas rendas e do seu crédito, a difusão da instrução, a elevação moral de seus filhos e, por conseguinte, a dignificação da pátria, rogo ao Todo Poderoso que esclareça e dirija o espírito de todos os brasileiros para que cooperem eficazmente em favor da sua mais breve e acertada solução.

Rio de Janeiro, 1911. — Dr. Joaquim Nogueira Paranaguá.

   

Documento

Referências

Anais da Câmara dos Deputados, 1911, vol. VII, p. 355-365, sessão de 9 de novembro de 1911
[cf AH2:92-104]

O sr. Eduardo Sócrates —Sr. presidente, por ligeiros momentos tomarei a atenção da Câmara. Como V. Exª sabe, ela generosamente anuiu ao pedido que, por intermédio de um requerimento, formulei há dias, no sentido de ser dado à discussão o projeto que tive ocasião de apresentar em sessão de 11 do mês passado, providenciando sobre a mudança da capital da República para o planalto central de Goiás.

Parecendo ser de grande importância para esclarecimento do voto da Câmara, a carta aberta que o ilustre sr. dr. Nogueira Paranaguá dirigiu ao sr. Presidente da República e aos srs. membros do Congresso Nacional, peço a V. Exª que consulte a Casa sobre se consente que o referido documento seja publicado no Diário do Congresso.

É este o requerimento que submeto à apreciação de V. Exª e ao voto da Câmara. (Muito bem)

Consultada, a Câmara concede a publicação pedida.

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