Título
Carta aberta ao exmº sr. Presidente da República
e membros do Congresso Nacional
Anais da Câmara dos Deputados, 1911, vol. VII, p. 355-365,
sessão de 9 de novembro de 1911 [cf
AH2:92-104]
Exmºs srs. Eu vos saúdo.
Como sabeis, na vida das nações, os grandes problemas
políticos, econômicos e sociais se sucedem constantemente;
e na contínua evolução que felizmente vamos
fazendo, depois de conquistada a nossa independência, de abolida
a escravidão, de proclamada a República e demarcadas
as nossas fronteiras, dois problemas nacionais, pelos quais há
muito me bato, estão exigindo pronta solução.
Estes problemas, que me parece devem preocupar vivamente o espírito
dos estadistas e patriotas brasileiros, são o da transferência
da capital nacional do litoral para o centro do país, e o
das secas periódicas que assolam o Nordeste, cujos efeitos
— tão funestos — devem ser combatidos. Atualmente nos ocuparemos
apenas com o primeiro destes problemas.
Com o sentimento de independência, surgiu, instintivamente,
na alma dos patriotas que sonharam com a grandeza de nossa querida
pátria, a idéia da transferência
da capital, do litoral para o interior do país, a bem do
seu povoamento, da sua integridade e da sua resistência.
A cidade do Rio de Janeiro está condenada como capital da
Nação, desde os tempos coloniais.
Qual o brasileiro que não se recorda, compungido, das invasões
de Duclerc e Duguay Trouin, que nos fizeram experimentar sofrimentos
cruéis, vexames vergonhosos e imposições degradantes?
Quantos outros fatos, desde Christie aos protocolos italianos e
do cabo Joca ao marujo João Cândido e cabo Piaba não
nos mostram queos sofrimentos da pátria devem perdurar nos
corações de seus filhos para que, mais previdentes,
lhes possam evitar novas dores, aflições e violências?
Portugal, por instinto de conservação, colocou a
sua capital na foz do Tejo para melhor se defender de sua poderosa
rival, a Espanha; e deveriam manter no litoral as capitais de seus
domínios para mais facilmente fiscalizá-los e melhor
exercer sobre eles a sua ação tutelar.
Proclamando o Brasil a sua independência, devia transferir
a capital para a região central, como queriam os grandes
patriotas da Conjuração Mineira que, em 1789 [1788],
tinham como intuito, proclamada a República, com a nossa
independência, transferir a sede do governo para o interior.
Se a natureza nos ensina serem os centros vitais, nos seres organizados,
os mais dificilmente atingidos pelos agentes de destruição,
por que não aproveitarmos a lição de inexcedível
sabedoria e colocarmos a nossa capital, que é o centro vital
da Nação, no interior do país, em local dificilmente
acessível a qualquer inimigo?
Se os povos fortes, dominados pelo sentimento patriótico
e instintiva previdência, foram levados a colocar suas capitais
nos pontos menos atingíveis aos seus prováveis inimigos,
de modo a melhor se garantirem contra as invasões e poderem,
com segurança, conseguir uma grande cultura, por que não
imitarmo-los?
Se examinarmos o mapa da Europa, veremos que os povos mais fortes
e que estão exercendo maior influência na evolução
da civilização, têm suas capitais centrais.
A Itália, possuindo magníficos portos no seu vastíssimo
litoral, tem a sua capital às margens do rio Tibre; e daquele
ponto central irradiou de tal forma o seu poder que se tornou o
Império Romano senhor do mundo. Madrid, Viena, Paris, Berlim
e Londres, capitais de países poderosos, nos mostram o acerto
com que aquela snações, resistentes e fortes, procederam
na escolha do local para os seus centros vitais, que tanta influência
têm exercido e estão exercendo na marcha contínua
do aperfeiçoamento humano.
Os antecedentes históricos e o grande exemplo da América
do Norte deviam preponderar, para tal fim, em nossa pátria.
Quando a monarquia portuguesa veio refugiar-se no Brasil, em 1808,
o valoroso publicista e ardente patriota Hipólito José
da Costa Pereira Furtado de Mendonça, no seu histórico
jornal O Correio Braziliense em artigos magistrais levantou
a questão da mudança da capital do Rio de Janeiro
para o planalto central.
Os Estados Unidos transferiram a capital nacional do litoral para
o centro, ao proclamar a sua independência.
Quem ler as recomendações feitas em 1821 aos representantes
do Brasil junto às Côrtes
portuguesas, no palácio do governo provisório de S.
Paulo, maravilhar-se-á da previsão com que aqueles
patriotas observavam e compreendiam os interesses nacionais. « A
utilidade do levantamento de uma cidade central, para assento da
Côrte ou Regência, na latitude de 15º aproximadamente »
foi tomada na máxima consideração. José
Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da nossa independência,
que ainda hoje nos guia com os seus conselhos, era então
o chefe desse movimento patriótico e previdente.
No período regencial, onde tantos estadistas se revelavam,
um diplomata e historiador, Francisco Adolfo Varnhagen (Vosconde
de Porto Seguro), reviveu esta magna questão, pela qual se
bateu com entusiasmo, desde 1834, até que a sua preciosa
existência pagou o tributo da morte. O parecer que apresentou
ele ao governo, em 1878 [1877],
é um trabalho primoroso, digno de ser estudado.
O eminente Marquês de Paranaguá, piauiense ilustre
e estadista culminante, que pela correção do seu proceder
tanto se salientou no regime passado, colaborou com outros, em 1853,
em um projeto de transferência da capital, do Rio de Janeiro
para Monte Alto, zona salubre e agradável, situada em uma
serra nas proximidades do caudaloso rio S. Francisco, na Bahia,
junto a Minas Gerais.
Em 1873, o abnegado republicano piauiense, David Moreira Caldas,
jornalista notável, publicou um artigo sensacional, no seu
memorável jornal O Oitenta e Nove, no qual predizia
ser a República proclamada em 1889, como felizmente aconteceu,
e que a capital nacional seria transferida para a Ilha do Bananal,
ilha paradisíaca, formada pelas águas majestosas do
caudaloso rio Araguaia. A convicção do grande propagandista
republicano piauiense de que a República seria proclamada
em 1889 era tão profunda que mudou o nome do seu periódico
de O Amigo do Povo para o de O Oitenta e Nove, que
se tornou histórico. [Nota
do site: o ano de 1889, centenário da Revolução
Francesa, também era considerado pelos abolicionistas como
um "prazo" para o fim da escravidão no Brasil.
Simultaneamente com o artigo citado, David Caldas mudou o nome de
seu jornal para "O Oitenta e Nove". Não
encontrada a íntegra do artigo com a referência à
mudança da capital]
Ao reunir-se o Congresso Constituinte,
após a proclamação da República,
surgiu no seio da Comissão dos Vinte e Um a idéia
da mudança da capital da República para o
planalto central, idéia que foi aceita com aplausos.
Por ocasião de ser discutida no Congresso essa medida, apresentada,
se me não falha a memória, pelos congresisstas
Joaquim Murça, Lauro
Müller, Virgílio Damázio e outros,
o deputado Costa Machado ofereceu-lhe uma emenda, modificando-a
de modo a facilitar a transferência, de que era grande
entusiasta.
A modificação sugerida deu lugar à emenda
substitutiva, oferecida pelo senador José Higino Duarte Pereira,
cujo talento e erudição espargiam radiante luz sobre
os assuntos de que tratava.
Tendo sido aprovada esta emenda, foi constituir o art. 3º
da Constituição, que assim dispõe:
Fica pertencendo à União, no planalto
central da República, uma zona ded 14.400 quilômetros
quadrados que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se
a futura capital federal.
Parágrafo único. Efetuada a mudança
da capital, o atual Distrito Federal passará a constituir
um Estado.
Na primeira reunião do Congresso, após a promulgação
da Constituição republicana, apresentei um projeto
de transferência da capital federal para o planalto central
na circunvizinhança do divortium aquarum do maciço
central brasileiro, donde partem os grandes rios Tocantins, para
o norte, Paraná, para o sul, e São Francisco, para
o leste.
Este local já tinha sido indicado como de grande
conveniência, pelos notáveis brasileiros —
H. J. da C. P. F. de Mendonça [Hipólito],
José
Bonifácio de Andrada e Silva e Francisco
Adolfo Varnhagen (Visconde de Porto Seguro).
As Comissões de Obras Públicas e Finanças,
compenetradas da extraordinária importância do problema
de que tratava o projeto ofereceram-lhe um substitutivo a fim de
que mais rapidamente fosse levada a efeito a transferência
almejada. Foi aprovado este projeto e, sem perda de tempo, o grande
brasileiro, o intransigente patriota marechal Floriano
Peixoto, presidente da República, nomeou uma comissão
de pessoas competentíssimas para explorar, estudar e demarcar
a área consignada no art. 3º da Constituição
de 24 de fevereiro, a fim de nela estabelecer-se a futura capital
federal.
Esta comissão, sob a direção do eminente cientista,
de saudosa memória, dr. Luiz Cruls, diretor do Observatório
Astronômico do Rio de Janeiro, seguiu em 1892 para o interior
do país e em 1893 concluía os seus estudos locais,
trazendo da região escolhida os apontamentos indispensáveis
e necessários ao relatório
que tinha de preparar e apresentar ao governo. O trabalho pode não
estar escoimado de alguma falha, mas é valiosíssimo
e digno de ser consultado por aqueles que quiserem conhecer profundamente
o magno problema da transferência da capital do Brasil para
o interior.
O local escolhido e demarcado traduz as disposições
constitucionais e o sentimento de previdência dos ardentes
patriotas e culminantes estadistas que, desde os tempos coloniais,
têm cogitado desta magna questão, da qual tanto depende
o povoamento do Brasil, a sua integridade e a sua resistência.
Infelizmente, fatos gravíssimos vieram perturbar profunda
e dolorosamente a vida nacional e fizeram com que fossem suspensos
os trabalhos iniciados para a execução do art. 3º
da nossa lei fundamental; ao voltar, porém, a Nação
a sua vida normal, surge com maior vigor a idéia da transferência
da capital para o interior.
O ilustre deputado Sá
Freire, em 1899, apresentou um projeto à Câmara
dos Deputados autorizando o Poder Executivo a transferir a capital
da República para a cidade de Minas (Belo Horizonte) no Estado
de Minas Gerais, ou para outro ponto que julgasse conveniente no
planalto central. Em 9 de dezembro de 1905, apresentei à
deliberação do Senado Federal um projeto
que me parecia consultar a magnitude deste importantíssimo
problema nacional.
Quando este projeto teve de entrar em votação, no
ano seguinte, eu já não fazia parte daquela casa do
Congresso, mas os senadores
Glicério, Alfredo Ellis, e principalmente o saudoso e denodado
patriota Barata Ribeiro, que tanto elevou aquela alta corporação,
pela sua erudição, honestidade, altruísmo e
inexcedível patriotismo, fizeram o que lhes foi possível,
a fim de que, após a segunda discussão, o mesmo projeto,
que não tinha tido parecer, fosse às Comissões
de Finanças, Obras Públicas e Constituição.
O requerimento do senador Glicério, por falta de número,
ficou prejudicado; os outros, em sessão de 10 de junho de
1907, encontraram tanta resistência
por parte da Mesa que, apesar da brilhantíssima e memorável
defesa, produzida pelo erudito senador Barata Ribeiro — iluminando
sempre com a sua palavra fácil e convincente, guiada por
uma inteligência culta, as questões de que tratava,
foram rejeitados; e o projeto, não obstante sua reconhecida
utilidade e importância, sem parecer de comissão alguma,
foi rejeitado, apesar das disposições expressas no
referido art. 3º da Constituição.
Estas disposições devem merecer a máxima atenção
dos poderes públicos, a fim de que possam ser levadas a efeito,
com a possível urgência e a bem dos múltiplos
interesses nacionais.
Após a inesperada rejeição daquele projeto
pelo Senado, nota-se que a idéia vai conquistando adeptos,
mesmo no seio daquela alta corporação.
A opinião pública vai se tornando convenientemente
esclarecida e firmando-se de modo a aproximar-se o triunfo de tão
elevada medida constitucional.
Em 1907, o ilustre sr. dr. João
Coelho Gomes Ribeiro, magistrado inativo, distinto advogado,
emérito jornalista e patriota, publicou uma valiosa monografia
sob o título «A capital federal e a Constituição
da República», em que o previdente cientista mostra
a conveniência da almejada transferência da capital.
O sr. Antônio Martins de Azevedo Pimentel, incansável
defensor da idéia da mesma transferência para
o planalto central, vai publicar em breve, segundo lemos,
um trabalho intitulado «Histórico
da mudança da capital federal para o interior do
Brasil»; e o dr. Antônio Gomes Carmo,
espírito investigador e dedicado ao progresso de
nossa querida pátria, está escrevendo um trabalho
sobre este problema.
Por ocasião da última eleição federal
neste distrito, para deputado e senador, um partido levantou a bandeira
da mudança da capital, conseguindo nas urnas assinalada vitória.
O deputado Sá Freire, autor de um projeto de transferência
da capital federal e ardente propugnador desta medida como necessária
ao progresso do Brasil, foi feito senador. Na Câmara dos Deputados,
segundo me consta, foi apresentada uma proposta para construção
da futura capital, que ainda não teve parecer.
Depois desta rápida resenha sobre a marcha histórica
deste importantíssimo problema, vê-se que a idéia
vai avançando consideravelmente e, por conseguinte, em breve
tempo se tornará vencedora, não só para felicidade
do Brasil, como de toda a América meridional.
Haverá quem deixe de reconhecer que um país como
o Brasil, com uma superfície de 8.527.818 km², não
deva colocar a sua capital no centro do seu território?
Se a natureza nos ensina que os seres organizados têm os
seus centros vitais colocados nas mais abrigadas regiões
e se acham protegidos de tal forma que dificilmente podem chegar
a eles os agentes destruidores, como acontece ao cérebro
e ao coração, por que não aproveitarmos esta
— lição de inexcedível sabedoria e colocarmos
a nossa capital, que é o centro vital da Nação,
no interior do país, no local menos acessível aos
nossos possíveis inimidos?
Se prestarmos atenção aos atos mais simples da vida
diária, reconheceremos que o próprio instinto nos
leva a guardar os objetos de valor, como, por exemplo, as nossas
jóias, nos lugares mais seguros e impenetráveis dos
nossos aposentos.
Quem não reconhece estar o Rio de Janeiro tão no
litoral e ao sul que, como centro político deste vastíssimo
país, se torna um aleijão, uma monstruosidade?
A cidade do Rio, situada no litoral, na fronteira e, por conseguinte,
ao alcance da primeira bala, é imprópria para a sede
dos poderes federais.
Ainda mais, pelo seu extraordinário movimento comercial
é uma cidade cosmopolita, onde o sentimento patriótico
está fracionado de acordo com os elementos heterogêneos
que nela vivem; e o seu crescente movimento industrial, escolar
e militar demonstra que o governo não pode ter aí
a tranqüilidade e calma necessárias à resolução
dos grandes problemas vitais da Nação.
A cidade do Rio de Janeiro, reclinada sobre a maravilhosa baía
da Guanabara, recamada de belíssimas ilhas, transformadas
em admiráveis jardins flutuantes, está destinada a
tornar-se a capital comercial da América meridional, pelo
conjunto de circunstâncias que lhe dão a primazia,
sendo o seu porto o mais abrigado, o mais profundo e o mais acessível,
na América do Sul, aos grandes transatlânticos.
O luxo escessivo, a descomunal ambição de ganho ou
de fazer fortunas rápídas, com as suas funestas conseqüências,
tornam-na também inconveniente para sede dos poderes federais,
tornando-se uma cidade incomparável de diversões.
As invasões, imposições e vexames por que
tem passado o Brasil, devido à má colocação
de sua capital, como agora mesmo acabamos de observar, com as revoltas
capitaneadas pelo marinheiro João Cândio e o cabo Piaba,
nos aconselham transferi-la para o centro do país, pois a
capital é para a nação o que o coração
é para o indivíduo — primus vivens et ultimum moriens.
O instinto de conservação e o sentimento patriótico
têm levado os povos fortes e cultos a colocar suas capitais
nos pontos de mais difícil acesso aos seus inimigos prováveis,
como já ficou demonstrado e pode ser verificado em qualquer
planisfério da Europa ou América.
Lima, México, Washington são a manifestação
desse sentimento.
A América do Norte, sempre previdente e digna de ser imitada,
deixou que Nova York se tornasse a mais rica e comercial cidade
da América e foi fundar no inteior do país, às
margens do rio Potomac, a bela, higiênica, simples e confortável
cidade de Washginton, para sede dos poderes federais.
Este ato de admirável bom senso daquele grande povo, mais
do que qualquer outro, contribuiu para o rápido povoamento
e o incomparável progresso que tem conseguido conquistar,
em tão curto espaço de tempo, entre as nações
civilizadas.
Com a transferência da capital do litoral para a região
central colombiana, já não tinha ra~zoa de ser o medo
de penetração no interior do país, por causa
da falta de garantias, porque a sede do governo, mui sábia
e patrioticamente, havia sido transferida para o centro.
Que nos impede de fazer o mesmo?
Transferida a capital do Brasil para a região central, os
seus grandes e numerosos rios navegáveis serão franqueados
ao comércio, o país povoado, sua vasta área
valorizada e cortada de estradas de ferro e rodagem, que facilitarão
a exploração de suas incalculáveis riquezas
naturais e as quais irão poderosamente contribuir para o
seu desenvolvimento econômico, social e industrial, assimilando
rapidamente os nossos silvícolas e fundando as bases da futura
civilização universal.
As grandes linhas férreas transcontinental, norte-sul e
transoceânica, cruzarão a futura capital, pondo-a em
comunicação não só com as populações
dos Estados que constituem a nossa nacionalidade, mas também
com as populações dos povos co-irmãos das repúblicas
sul-americanas.
Com o estreitamento de relações comerciais e sociais
se tornarão mais íntimos e fraternais os laços
de solidariedade que ligarão, para o futuro, os povos da
América meridional.
A estrada transoceânica que da baía Cabrália,
no Atlântico, for ao porto de Arica, no Pacífico, passando
pela futura capital brasileira no maciço central, atravessará
a melhor região da América do Sul, não só
por ser a que contém os melhores elementos para a maior condensação
de população, mas também por possuir admiráveis
matas, intercaladas de campos nativos, onde as indústrias
agro-pecuárias encontrarão os elementos de natural
e considerável desenvolvimento; mais ainda: por ser o seu
clima ameníssimo e a sua vastíssima área tão
abundantemente irrigada por infinidade de regatos que se vão
transformando em caudalosos rios, que formam rápidos e cachoeiras,
contribuindo para que esta zona se torne, com o concurso da força
produzida pela hulha branca, o mais importante centro industrial
do mundo.
Desta estrada transoceânica partirão ramais que o
porão em comunicação com os afluentes navegáveis
dos grandes rios que constituem as maiores bacias fluviais sul-americanas
— Amazonas, Prata e S. Francisco — estreitando os laços de
solidariedade dos povos co-irmãos, pela mais numerosa e extensa
rede fluvial encontrada na superfície da terra.
A área já demarcada para futura capital nacional
fica eqüidistante da foz do Oyapoque e da foz do Prata.
O Estado de Goiás representa o centro da América
do Sul; e sendo transferida a nossa capital para aquele Estado,
o Brasil adquirirá, por este fato, maior resistência,
do que a que lhe advém dos grandes dreadnoughts e
do considerável aumento do nosso exército.
O Brasil, tendo uma extensão de 4.300 quilômetros
de largura, de Cabedelo, na Paraíba do Norte, às vertentes
do Javari, nos contrafortes dos Andes, no interior do Acre, necessida
urgentemente que sua capital seja transferida para o interior do
país, a fim de que o seu máximo povoamento tenha lugar
em pouco tempo e que a instrução se torne mais fácil
aos seus filhos da região central e de oeste, onde não
encontram meio de obtê-la e nem conforto algum, ou meios de
empregar convenientemente a sua atividade, por falta absoluta de
estabelecimentos de crédito, que facilitem as explorações
das incalculáveis riquezas naturais, facilmente remuneráveis,
existentes no país.
Estando a capital do Brasil no interior, o seu vastíssimo
território, que apresenta climas diferentes, será
melhor conhecido, apreciado e procurado, podendo tornar-se não
só o maior produtor dos mais saborosos frutos, mas também
a naão em que a policultura poderá ser a mais variada
e completa, resultando daí a mais segura fonte econômica
para o seu engrandecimento comercial. Pelo fato de estar a capital
no litoral e muito ao sul, a população, condensada
nas cidades marítimas, não só desconhece o
interior do país, como tem horror de para lá ir, por
lhe parecer uma região inóspita e inacessível.
As dificuldades de comunicações no interior do Brasil
são hoje de tal ordem, principalmente por causa da péssima
colocação da sua capital, que as famílias mais
abastadas de Manaus a Porto Alegre (Amazonas ao Rio Grande do Sul)
conhecem melhor a Europa do que o seu próprio país.
Um acontecimento notável, ocorrido em Portugal, Itália,
Espanha ou França repercute com mais intensidade no Rio de
Janeiro e cidades do litoral do que idênticos outros ocorridos
no Acre, Mato Grosso, Goiás ou Piauí. Se a capital
do Brasil estivesse no interior desde a sua independência,
isto não se daria; a capital central já estaria ligada
aos principais portos do Atlântico, por meio de estradas de
ferro, dando-lhe um valor comercial e industrial considerável;
a sua importância entre as nações seria muito
maior e de acordo com o seu valor moral, intelectual e econômico,
que patenteariam ao universo seu progresso social e os seus indissolúveis
laços de solidariedade.
A transferência da capital do Brasil para o centro é
uma medida aconselhada pela sua posição geográfica,
pela conveniência de sua administração e de
sua integridade. Da solução deste problema nacional
surgirão as fáceis e rápidas comunicações
no interior do país, não só da futura capital
com os portos marítimos do oceano Atlântico, mas ainda
com os do Pacífico, estreitando os laços de amizade
entre os povos sul-americanos, que se irão aperfeiçoando
pelo trabalho que dignifica e pela paz que assegura a marcha contínua
do progresso pela educação e pela instrução.
A fertilíssima região de oeste, que se estende das
vertentes do Araguaia às do Javari, com cerca de 2.866 quilômetros
de extensão, quase desabitada, receberá imediatamente
um formidável contingente de população, não
só das cidades brasileiras do litoral, onde já vai
havendo um forte contingente de população desocupada
que tende a crescer — como ainda de europeus, que encontrarão
naquela zona os melhores elementos para sua prosperidade. As maravilhosas
quedas d'água que se encontram a nordeste, norte e noroeste
do planalto central parecem nos estar indicando que aquelas inesgotáveis
fontes de hulha branca devem ser quanto antes aproveitadas em fornecer
força para as locomotivas das nossas estradas de ferro e
de rodagem, bem como para as caldeiras das máquinas das nossas
indústrias, presentes e futuras.
Aquelas belíssimas cachoeiras poderão fornecer os
melhores elementos para o aperfeiçoamento das indústrias
de transportes, terrestres, fluviais, marítimos e aéreos,
quando a capital estiver no interior. Com a evolução
da humanidade, sente-se a necessidade, cada vez mais intensa, do
estreitamento das relações entre os povos que se civilizam;
pelo que os elementos que puderem contribuir para o aperfeiçoamento
dessas relações, como as indústrias de transporte,
por exemplo, deverão ir merecendo crescente interesse dos
poderes públicos.
A transferência da capital para o interior do país
irá contribuir poderosamente para o desenvolvimento das comunicações
e, por conseguinte, das indústrias de transporte nesta parte
da América; e o estreitamento das relações
que daí surgirá facilitará o estabelecimento
de uma política defensiva que trará como conseqüência
os mais benéficos efeitos.
Esta política defensiva cimentará a necessária
harmonia entre povos irmãos, fazendo surgir os mais legítimos
e indissolúveis laços de amizade fraternal, à
proporção em que se forem tornando mais homogêneos
os seus nobres e elevados ideais. Os povos sul americanos, em bem
de sua rápida evolução, necessitam de um só
direito como já têm, para bem dizer, uma só
língua, de modo a formarem uma espécie de grande federação
pela língua, pelo direito e pela civilização.
É necessário que mudemos quanto antes a capital do
Brasil para o planalto central, onde nascem os ribeiros que se transformam
em caudalosos rios navegáveis, caminhos que andam e estabelecem
relações entre os povos; e como é nas regiões
elevadas, salubres e amenas dos planaltos que mais facilmente se
condensam as populações em suas evoluções,
é para lá que deve ser transferida a capital. Assim
como uma lâmpada colocada no alto ilumina melhor o aposento,
assim a capital do Brasil, cérebro da Nação,
deve ser colocada como um foco iluminativo, na região do
planalto central, de modo a facilitar a irradiação
do seu poder luminoso, que representa o progresso.
O Brasil tem manifestado sempre em sua evolução os
sentimentos nobres e elevados que dominam o coração
de seus filhos, principalmente: amor ao próximo, que simboliza
paz.
Ainda agora, os próprios marujos reclamantes, capitaneados
pelo marinheiro João Cândido, deram disto testemunho.
O homem,pela sua inteligência e faculdade inventiva, irá
subindo sempre na escala da perfectibilidade, aproximando-se cada
vez mais do seu Criador, a quem melhor conhecerá quando for
mais completo o conjunto de suas qualidades físicas, intelectuais
e morais.
O Brasil, com a transferência da sua capital da periferia
para o centro, irá assimilar muito mais fácil e rapidamente
o seu elemento étnico, com os elementos heterogêneos
que estão colaborando conosco para a evolução
do progresso e civilização.
O homem, tendo um tronco comum, os meios em que vive lhe darão
os característicos próprios. O Brasil quer normalizar-se.
A sua capital, que é o seu coração, deve ocupar
o centro apropriado, fisiológico, de modo a poder transmitir
o sangue vivificado aos pontos extremos do seu organismo.
O ativo e glorioso Estado de Minas já deu à União
o salutar exemplo, transferindo a sua capital, que é uma
cidade modelar, para o lugar mais conveniente de sua grande e próspera
zona.
Aquilo que Minas fez, com tanto proveito para o seu progresso,
a União poderá fazer, em bem da Nação
brasileira e da América do Sul.
O governo que levar a efeito a transferência da capital para
o interior prestará ao país o mais relevante serviço
a bem do seu progresso, da sua integridade e da sua resistência,
como nação de primeira ordem.
Um Brasil novo, mais generoso, culto, resistente, unido, liberal,
tolerante e respeitado surgirá entre as nações.
E a sua capital higiênica, confortável, calma, serena,
tranqüila, respirará a honestidade e o altruísmo,
tornando-se o grande foco de luz, de onde irradiará a civilização
do século XX, trazendo à humanidade os incalculáveis
benefícios do seu aperfeiçoamento moral, intelectual
e físico.
Ao terminar esta missiva, chamo ainda uma vez a atenção
dos poderes públicos para este problema e peço à
imprensa que, com o seu poder universal, o elucide, consagrando-lhe
a necessária investigação e iluminando-o com
um jorro de sua potente luz.
Estando convencido de que da resolução deste importantíssimo
problema nacional depende o rápido povoamento do solo de
nosso vasto país, o desenvolvimento de suas comunicações,
o crescimento de suas rendas e do seu crédito, a difusão
da instrução, a elevação moral de seus
filhos e, por conseguinte, a dignificação da pátria,
rogo ao Todo Poderoso que esclareça e dirija o espírito
de todos os brasileiros para que cooperem eficazmente em favor da
sua mais breve e acertada solução.
Rio de Janeiro, 1911. — Dr. Joaquim Nogueira Paranaguá.
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