Título
Título
Anais do Senado Federal, 1905, vol. III e IV, p. 204-208,
sessão de 9 de dezembro de 1905 [cf.
AH2:62-72]
O sr. Nogueira Paranaguá (sem revisão
do orador) — Sr. presidente (...)
Não sei por que há medidas que são indefinidamente
adiadas pelos diretores da nossa política, os quais jamais
encontram oportunidade favorável para a resolução
delas, quando muitas merecem a mais decidida e aplicada solicitude
dos poderes públicos.
A velha aspiração nacional que se concretiza na (...)
Inconfidência Miineira, tinha como objetivo a proclamação
da independência, o regime republicano e a mudança
da capital do litoral para o interior do Brasil.
Infelizmente essa revolução foi malograda e o seu
ideal levou grande número de anos para que se tornasse realidade
nas duas primeiras questões (...). Resta a última
parte, isto é, a mudança da capital para o planalto
central.
Em 1808, e em 1812, diversos artigos foram publicados no
Correio
Braziliense (...).
Em 1821, no governo
provisório de São Paulo (...).
Esta situação é justamente aquela que mais
tarde foi sustentada como a mais aconselhável pelo ilustre
Varnhagen (...).
Depois desta memorável viagem, sobre a qual escreveu
cartas
que demonstram o entusiasmo (...) publicou monografia
importantíssima da qual se encontra na sua História
do Brasil, tomo II, pág. 814, um resumo completo.
Em 1873, o meu patrício, o notável piauiense e ilustre
republicano David Moreira Caldas, escreveu um artigo sensacional,
no qual não só predisse que a República teria
de ser proclamada em 1889, como que a sua capital seria transferida
para o centro do Estado de Goiás. [Nota
do site: o ano de 1889, centenário da Revolução
Francesa, também era considerado pelos abolicionistas como
um "prazo" para o fim da escravidão no Brasil.
Simultaneamente com o artigo citado, David Caldas mudou o nome de
seu jornal para "O Oitenta e Nove". Não
encontrada a íntegra do artigo com a referência à
mudança da capital]
Quando se deu a reunião do Congresso Constituinte, um moço
que já se revelava estadista, lembrou-se de propor que esta
medida ficasse desde logo consignada na Constituição.
Este estadista (...) — o sr. Lauro
Müller — viu a sua idéia aceita na Comissão
dos 21 e, no Congresso Constituinte (...) depois do eminente
deputado mineiro, o sr. Costa Machado, defender calorosamente
essa idéia (...), o saudoso representante de Pernambuco,
dr. Hygino Duarte Pereira, apresentou uma emenda substitutiva,
dando a forma que hoje tem o art. 3º da Constituição
de 24 de fevereiro.
De então para cá, por diversas vezes têm aparecido
projetos relativos à mudança da capital para o planalto
central.
O sr. J. Catunda — Ainda não havia
a Avenida
nesse tempo; agora a mudança é impossível.
O sr. Nogueira Paranaguá — Eu demonstrarei
a V. Exª mais tarde que a Avenida é mais uma razão
para se levar a efeito a mudança.
Eu mesmo tive ocasião de apresentar um projeto,
ao qual foi oferecido um substitutivo, pela Comissão de Finanças,
determinando um grande passo para a realização desta
idéia, por isso que trouxe como conseqüência a
demarcação da área destinada à futura
capital do Brasil. De então para cá outros projetos
têm-se sucedido, partindo um deles da própria representação
do Distrito Federal que, parece, já está extraordinariamente
incomodado com esta hospitalidade, que só serve para lhe
entorpecer os movimentos (...).
(...) é com a maior satisfação que leio de
vez em quando as crônicas incisivas, de estilo fluente, cheias
de convicção, de um senhor que na Tribuna se
assina S. B., e que me disseram ser o sr. Sousa Bandeira, assim
como os Registros
de Olavo Bilac, de estilo leve, convincente e persuasivo.
De outro lado, nessa mesma Notícia, outro escritor
tem feito por várias vezes referências a este assunto
(...) a necessidade de levarmos a efeito este dispositivo constitucional.
Este escritor é o sr. Medeiros
e Albuquerque.
O sr. J. Catunda — Para onde quer V. Exª
levar a capital federal?
O sr. Nogueira Paranaguá — Para
o planalto de Goiás, que já está demarcado
para este fim.
O sr. J. Catunda — Sair do Rio de Janeiro
para Goiás?
O sr. Nogueira Paranaguá — Vou demonstrar
a V. Exª.
O sr. J. Catunda — V. Exª pode demonstrar
por palavras; praticamente tenho fé em Deus que nunca se
há de fazer semelhante disparate.
O sr. Nogueira Paranaguá — Basta
fazer a seguinte observação. Se o Estado de Minas
pôde fazer dentro de tão pouco tempo, de modo tão
brilhante, de modo a causar inveja à própria União,
uma cidade modelo, que é o orgulho do Brasil e da nossa nacionalidade,
por que razão a União que tem muito mais força
do que Minas, que tem a sua capital em condições piores
do que aquele Estado tinha, não exercerá a necessária
energia para transportar a capital do litoral para o planalto central?
O sr. J. Catunda — A questão não
é de força, é de gosto.
O sr. Nogueira Paranaguá — Pois
se a questão é de gosto, V. Exª mais uma vez
vem oferecer argumentos a meu favor; V. Exª que acaba de assistir
à transformação desta cidade, que há
quatro anos era insalubre, com ruas estreitas, sem ar, sem luz;
V. Exª que viu um governo com patriotismo bastante para dizer:
— «Nós podemos de uma cidade insalubre e doentia, onde
a tuberculose faz milhares de vítimas, onde a febre amarela
tem feito em certos anos 4.000 vítimas, podemos também,
como governo, transformar esse hospital (deixe-me dizer assim, para
não dizer coisa pior) em uma cidade salubre, em uma cidade
bela».
V. Exª acaba de ver, com admiração e orgulho
para V. Exª e para todos nós, que esta cidade acaba
de ser submetida a um novo plano; as suas estreitas ruas foram rasgadas
e avenidas abertas; o ar em profusão lavando todas as ruas,
a luz entrando em todas as casas e a mortalidade descendo ao mínimo
das cidades americanas.
O sr. J. Catunda — Então depois
de tudo isto feito é que devemos sair?
O sr. Nogueira Paranaguá — Mais
razão há para sairmos daqui, porque era um dever,
um direito que tinha o Rio de Janeiro, como parte principal do Brasil,
centro mais notável da América do Sul, querer tornar-se
mais atraente sala de visitas para os hóspedes que têm
de se internar pelo centro do país até a futura capital.
O sr. Belfort Vieira — E a cozinha?
O sr. A. Azeredo — V. Exª não
está se referindo a Santa Quitéria.
O sr. Nogueira Paranaguá — Além
disso, sr. presidente, o Rio de Janeiro é uma cidade cosmopolita.
Como todas as capitais, tem o Rio de Janeiro uma população
flutuante em que o brasileirismo se fraciona, em que o patriotismo
se afrouxa.
O sr. J. Catunda — A mesma acusação
se faz em Paris.
O sr. Nogueira Paranaguá — O sr.
senador estabelece entre o Rio de Janeiro e Paris uma comparação
que eu não acho possível, porque Paris, sendo a cidade
européia que tem mais estrangeiros, possui, em uma população
de mais de três milhões de habitantes, cento e noventa
mil ou duzentos mil estrangeiros, ao passo que o Rio de Janeiro,
que tem mais ou menos um milhão de habitantes, destes, pelo
último recenseamento, era o elemento português representado
por cento e muitos mil habitantes.
O sr. J. Catunda — Já naturalizados.
O sr. Nogueira Paranaguá — Não,
senhores; aí estão as estatísticas para demonstrar
o contrário. Além disso, ainda existe o elemento italiano,
o alemão, que já é bastante considerável,
o espanhol e muitos outros.
Esta cidade é uma cidade cosmopolita por excelência,
uma cidade mercantil, de interesses muitas vezes antagônicos
com o interesse nacional; é uma cidade em que os estrangeiros,
como V. Exª acabou de ver, têm força preponderante
nas indústrias, no comércio, nos bancos e até
na fortuna pública, que está nas mãos dos estrangeiros.
O contrário se dá em países em que todos esses
elementos estão em poder dos nacionais.
Existem ainda nesta cidade muitas escolas militares, quartéis
e escolas civis, onde qualquer pequeno incidente basta para determinar
grave perturbação, como observamos por ocasião
da greve dos sapateiros, e de outras greves.
Estou convencido de que a permanência da capital da República
no Rio de Janeiro é um considerável mal para a boa
gestão dos negócios do Brasil. A capital atual, com
os elementos heterogêneos de que se compõe, perturba
a vida de todos os governos.
O sr. J. Catunda — Esses elementos acompanharão
a nova capital.
O sr. Nogueira Paranaguá — O sr.
senador pelo Ceará deve lembrar-se muito bem do que se deu
na eleição do primeiro presidente constitucional e,
é duro confessar mas é verdade, houve intervenção
do elemento armado para qu a eleição recaísse
sobre aquele em que de fato devia recair. Eu pelo menos aceitei
de muito boa vontade e com grande entusiasmo a candidatura do eleito,
mas nem por isso deixo de confessar a verdade.
V. Exª se lembra dos fatos passados aqui por ocasião
da emissão bancária de bônus, em que
o Congresso era invadido pelos banqueiros, zangões e outros
que influíam de modo extraordinário nas suas decisões.
O sr. senador deve lembrar-se também da questão dos
protocolos e da influência extraordinária que este
elemento cosmopolita exerceu sobre as deliberações
do Congresso, que, neste caso, não foi mais do que um homologador
do que já se tinha decidido lá fora.
Não quero para capital do meu país uma cidade nestas
condições; eu quero uma capital tranqüila, verdadeiramente
nacional, em que o brasileirismo seja predominante; uma cidade modesta,
sem dúvida, mas uma cidade que represente os sentimentos
dos propagandistas da liberdade; que corresponda ao ideal republicano,
que seja em tudo uma cidade modelo em relação ao conjunto
de perfeições que se pode desejar em uma sociedade
civilizada.
Isto não se pode conseguir de chofre em uma cidade velha,
cheia de tradições que lhe dificultam o encaminhamento,
mas sim em uma cidade moderna, que logo desde a sua base, desde
a primeira pedra, é submetida a planos especiais relativamente
à higiene, à estética, ao conjunto de conforto
e principalmente em que não exista (devemos dizer a verdade)
esse sentimento de luxo e de grandeza, que tanto contribui para
a corrupção dos costumes sociais. Daqui partem os
nefastos exemplos para os Estados, e da nova cidade partirá
o benéfico exemplo da simplicidade, da moralidade e dos bons
costumes, porque será uma cidade modelo servindo de fanal
a todos os brasileiros.
O que nos indica a boa razão? A boa razão nos indica
que em bem do nosso instinto de conservação, a nossa
capital está mal situada.
(...) a própria razão nos indica que aquilo que temos
de precioso deve ficar em sítio mais abrigado, e não
nesta cidade ao alcance da primeira bala que venha destruir as estátuas
dos nossos maiores (...).
O planalto central (...)
O sr. Alberto Gonçalves — Já
está liquidado este caso. A nossa Constituição
já dele tratou. Quanto à conveniência, é
questão de oportunidade.
O sr. Nogueira Paranaguá — Mas (...).
No planalto central de Goiás, a zona demarcada e escolhida
tem a grande vantagem de, com pequeníssimos trechos de estrada
de ferro, pôr em comunicação o sul do Brasil
pelo Paraná, a região do leste pelo São Francisco
e as do norte pelo Tocantins.
Pois bem, se deste centro partir uma diretriz para oeste, ela irá
passar, no registro, pelo Araguaia, que daí até o
ponto navegável oferece uma extensão de 300 léguas,
perto, por conseguinte, de 2.000 quilômetros. Depois chegará
ao Xingu, que tem uma grande artéria navegável; depois
ao Tapajós e ao Mamoré, estendendo-se como um verdadeiro
eixo à linha central, de onde partirão ramais em comunicação
para o norte pelo vale do São Francisco e para o sul pelo
rio Paraná.
Quanto à conveniência do local, basta saber que este
está plantado em ponto muitíssimo central e muitíssimo
elevado, o que quer dizer que melhor poderemos fiscalizar as nossas
linhas de oeste e, ao mesmo tempo, atrair as populações
do litoral para o interior.
É sabido, sr. presidente, que atualmente o nosso país
se ressente da falta de população no interior. Isto
não se dará, este mal será conjurado no dia
em que a capital do Brasil for transferida para o interior.
Acresce ainda outra circunstância, e vem a ser o clima. Neste
momento estou a sentir um calor senegalesco; e eu, que estou transpirando,
apesar destes ventiladores, sinto-me ainda mais forçado a
fazer votos para que os futuros representantes do meu país...
O sr. Gomes de Castro — Mas não
há dinheiro.
O sr. Nogueira Paranaguá — ... dado
que não veja realizado este sonho, transfiram a capital do
Brasil para outro local onde não se sofra temperatura tão
asfixiante.
O sr. J. Catunda — Aqui será mais
quente que em Teresina?
O sr. Nogueira Paranaguá — No planalto
central, a temperatura mínima é de 2º, a máxima
é de 30º, aproximadamente, e a média de 19º
centígrados.
(...) Os diplomatas estrangeiros junto ao governo do Brasil irão
com a maior satisfação para um lugar que sabem antecipadamente
ser um dos melhores climas do universo.
O sr. A Azeredo — E Petrópolis?
Tem também um belo clima.
O sr. Nogueira Paranaguá — Petrópolis
não é a nossa capital, e o fato do corpo diplomático
escolher para sua residência aquela cidade traduz-se em descrédito
para a capital do Brasil.
Por outro lado, nós vemos que o próprio Presidente
da República se retira da capital durante alguns meses do
ano por não poder ficar neste clima asfixiante.
Não há dúvida também que a mudança
da capital (...) tendo ainda a lucrar o país com a instrução
que podia ser dada a milhares de índios que vivem no interior
e que se assimilariam à nossa civilização,
incorporando-se à nossa nacionalidade.
Considero um crime o abandono em que temos deixado os indígenas.
O sr. J. Catunda — Não apoiado.
Desde os tempos coloniais que se cuida da catequese dos índios.
O sr. Nogueira Paranaguá — Incontestavelmente,
um dos meios mais fáceis para conseguirmos esse desideratum
é a mudança da capital para o planalto central.
O sr. J. Catunda — Os botocudos lá
não iriam.
O sr. Nogueira Paranaguá — (...)
Dizem alguns que quem vai lucrar é o Estado de Goiás.
Quem vai lucrar, sr presidente, é o Brasil.
Lucrará Goiás, lucrará S. Paulo na sua área
do ocidente; lucrará o Ceará, lucrará o Pará;
lucrará Pernambuco pelo qual travessarão as estradas
do norte e a própria Bahia, que terá o seu território
cortado pelas estradas que tenham de se comunicar com a capital.
Nestas condições, considero que este serviço
será o mais importante que podemos prestar ao nosso país,
a bem da integridade do Brasil, a bem da unidade nacional, a bem
da estabilidade do governo e do seu desenvolvimento industrial e
econômico, porque além de S. Francisco não há
casa bancária, quanto mais um banco, e as indústrias
não se podem desenvolver por falta de meios de comunicação.
Nestas condições, o meu voto ao retirar-me desta
tribuna é que os ilustres representantes da Nação
considerem bem que o nosso país é extraordinariamente
vasto, que se estende da nascente do Colingo à barra do Chuí,
do cabo Branco às fontes do Jaguari, e que nestas condições,
para que o centro receba seiva, impulso e vida indispensável
é que a capital do Brasil se coloque no planalto central,
capital que represente o seu cérebro potente e o seu coração
nobre. (Muito bem; muito bem)
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