Agricultura, 1873
Estradas de ferro
Apud Nascimento Brito:
A decretação de uma estrada de ferro é assunto muito para
considerar-se. Antes de deliberar, indispensável é que sejam estudados
e resolvidos todos os problemas que a arte da engenharia civil e as circunstâncias
do País oferecem àqueles a cuja prudência e responsabilidade
está confiado o governo do Estado.
É intuitiva a necessidade de realizar um sistema desta espécie
de viação aperfeiçoada que ligando
todas as províncias entre si e com o centro administrativo do Império
concorram poderosamente para a inteira unificação da família
brasileira, condição principal da força e grandeza nacional.
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Data de pouco mais de 20 annos a primeira via ferrea construida
no Brazil, e quasi da mesma época a lei que primeiro providenciou
no sentido de promover, por meio de importantes favores do Estado,
a organisação de emprezas que se propuzessem a construcção
e custeio de estradas de ferro. No emtanto pouco excede a 1.000
kilometros a extensão das estradas d'essa natureza que possuimos
em effectivo serviço, e ainda assim entrando, em tão
diminuta extensão, por mais de um terço, ou cerca
de 374,817 kilometros a de D. Pedro II, quasi em sua totalidade
construida, e actualmente custeada por conta do Estado.
É certo que emprezas d'aquella ordem encontraram, e encontram
ainda em parte, no nosso paiz sérias difficuldades, cuja
remoção não póde effectuar-se de prompto,
pelo simples effeito da solicitude do Governo ou de diligencia de
particulares, senão por esses esforços combinados,
como pela acção do tempo e pelo resultado de leis
economicas. Deficiencia de capitaes, de pessoal technico e até
de simples operarios, o influxo dos erros commettidos nos primeiros
ensaios, a falta de iniciativa, tudo concorreu para o mesquinho
desenvolvimento que tem tido a viação ferrea no Brazil.
Se, porém, nos tem faltado a iniciativa particular, o obreiro
e o homem da sciencia, e mais que tudo o capital, faltavam igualmente
até ha pouco na legislação do paiz meios para
que o Governo podesse de prompto e com certa liberdade de acção,
indispensavel n'este como em outros casos, animar as emprezas, dando
garantia aos poucos e timidos capitaes brazileiros e aos que força
nos era levantar em paiz estrangeiro.
Lei que dictaram os mais nobres intentos e patriotica solicitude
pelo bem publico, a de 27
[26] de junho
de 1852, se teve o grande merito de iniciar no paiz um systema
de protecção a emprezas de viação ferrea,
nem por isso produziu todos os beneficos resultados que seus autores
esperavam.
Debalde, iniciadas e em parte construidas as quatro grandes vias
ferreas D. Pedro II, S. Paulo, Pernambuco e Bahia, animaram-se as
assembléas de algumas provincias a conceder a emprezas que
tentassem construir estradas semelhantes no respectivo territorio
provincial o favor da garantia de juros, systema de protecção
iniciado pela citada lei
de 1852, e que tem prevalecido até hoje no Imperio.
Não satisfaziam aos capitaes de que podiamos dispor, e menos
ainda aos estrangeiros, nem aquella garantia, nem o minimo de 5%
que a lei geral autorizava, e, ainda assim, fazendo-a depender de
approvação do poder legislativo. Exigiam segurança
por parte do Estado e o juro de 7% que se constituira regra na praça
de Londres, em virtude dos contractos relativos ás estradas
D. Pedro II, S. Paulo, Bahia e Pernambuco.
Providenciou vosso esclarecido zelo com as acertadas disposições
expressas na lei de 24 de setembro do
anno proximo findo, dando razão ao que vos expendera, com a devida
franqueza, em meu anterior relatorio.
Esta lei, que a lição da experiencia ha de mais tarde
desenvolver e completar, veiu dar alentos ao espirito de empreza
que se ia manifestando no paiz, habilitando o Governo a proporcionar
ás diversas provincias da communhão brazileira meios
de verem realizadas suas justas aspirações no que
respeita á construcção de vias ferreas, o que
o mesmo é dizer no que respeita a um dos melhoramentos de
que mais necessitam e que melhor ha de contribuir para o desenvolvimento
de sua riqueza e para todos os progressos de que depende a felicidade
publica e privada.
No intuito de fazer conveniente applicação dos meios que, por
essa lei e pela de 1852, lhe foram
facultados, julgou o Governo ser de bom acordo expedir um regulamento
no qual, consubstanciando aquellas disposições legislativas e desenvolvendo-as
dentro da esphera de acção que lhe cabia, formulou regras geraes
que a experiencia do serviço no paiz e no estrangeiro aconselhava, discriminando
ao mesmo tempo, segundo os principios da legislação vigente, os
casos da competencia geral e os da provincial no que se refere a concessões
de estradas de ferro.
Tres emprezas foram já attendidas nos termos da novissima
lei e da de 27 de junho
de 1852. São as da estrada de ferro da Fortaleza a Baturité;
da denominada — Conde d'Eu — que, partindo da capital da Parahyba
vai ter á Alagôa-Grande; e da do Norte de S. Paulo,
que da Cachoeira, ponto terminal da 4ª secção
da estrada de ferro D. Pedro II, dirige-se á capital d'aquella
provincia, conforme vereis das clausulas que acompanharam os decretos
ns. 5.606, 5.608 e 5.609 de 25 de abril ultimo, annexos sob a letra
U.
A primeira d'essas emprezas deve satisfazer a uma das mais urgentes
necessidades e por ventura á mais viva aspiração
da provincia do Ceará.
A estrada de Baturité constitue incontestavelmente o tronco
da viação ferrea n'aquella provincia, que deve ramificar-se,
em época mais ou menos proxima, em direcção
aos pontos extremos do territorio cearense no valle do Cariry e
no Inhamús.
N'estas condições, destinada a servir a ferteis e
populosas regiões, não póde deixar de ser prospero
o futuro que a aguarda.
O mesmo se deve dizer da estrada denominada Conde d'Eu na provincia
da Parahyba. Seu traçado aproveita a parte mais rica e populosa
do territorio provincial, qual é o que fica na direcção
e áquem dos centros denominados Pilar, Alagôa-Grande,
Ingá e Independencia.
A do norte de S. Paulo, ao mesmo tempo que fará convergir
para a estrada de ferro D. Pedro II a producção de
importante zona do territorio paulista, e de alguns pontos do de
Minas-Geraes, trará a vantagem de ligar a capital do Imperio
á d'aquella provincia, e em época, por ventura não
remota, á de Goyaz, pelo natural prolongamento da linha ferrea
de Santos ao Rio-Claro, para a qual tem de convergir.
O maximo capital d'essas 3 estradas é orçado em 19.665:000$000
e sua extensão em 474 kilometros, dos quaes pertencem á
de Baturité 100, á da Parahyba 142, e o resto á
de S. Paulo.
Além d'estas, estão em estudos para effeito da concessão
da garantia de juros ou fiança de garantia, as estradas de
ferro do centro e norte de Alagôas, do Limoeiro em Pernambuco,
do Rio-Verde em Minas, do Carangola no Rio de Janeiro e outras.
Ao passo que d'est'arte, usando da faculdade concedida pela lei
de 24 de Setembro de 1873, trata o Governo de dar a emprezas de
viação ferrea em diversas provincias a protecção
indispensavel para que possam medrar, procura tambem attender á
alta conveniencia que ha de resultar para o Estado da rapida construcção
da estrada de ferro do Rio-Grande do Sul.
Resolvido a construir por sua conta e a administrar esta estrada de alta importancia
politica, commercial e estrategica, contractou já os respectivos estudos,
sendo os da parte que se dirige da cidade de Porto-Alegre a Uruguayana, com o
conselheiro Christiano Benedicto
Ottoni, o bacharel Caetano Furquim de Almeida e o engenheiro Herculano Velloso
Ferreira Penna, e a que se projecta da cidade do Rio-Grande a Alegrete ou
ao ponto de intersecção em que deve encontrar a de Porto-Alegre,
com Hygino Corrêa Durão, desistindo este dos direitos provenientes
da concessão que lhe fôra feita pela presidencia da provincia do
Rio-Grande em virtude da lei provincial n. 776 de 4 de maio de 1871.
Os estudos contractados com o conselheiro Ottoni, bacharel Furquim
e engenheiro Penna começaram já, e proseguem com a
maior actividade, devendo-se esperar que estejam concluidos muito
antes do prazo marcado no respectivo contracto.
Foram ultimados os estudos para o prolongamento da estrada de ferro
da Bahia, de que se encarregou o engenheiro A. M. de Oliveira Bulhões,
e apresentados os respectivos planos e orçamento nos termos
do contracto de 28 de setembro de 1872.
Segundo esses planos e orçamento a projectada linha ferrea
deve ter 548,346 metros para a bitola larga (1m,60) e 556,232 para
a bitola estreita (1m). O custo da primeira será de 45.100:000$000,
e o da segunda de 36.100:000$000.
Foram tambem ultimados os estudos de campo para o prolongamento
da estrada de ferro de Pernambuco de que é contractante o
engenheiro J. M. da Silva Coutinho.
Da mesma sorte completaram-se os trabalhos de campo relativos aos estudos para
uma via ferrea de Curitiba a Mato-Grosso, contractados com o barão de Mauá,
engenheiro André Rebouças e outros, e consta que estão adiantados
os que em data de 3 de julho de 1872 foram contractados com a Public Works
Construction Company e outros para de uma [sic]
linha que ligue a estrada de ferro D. Pedro II ás
bacias navegaveis dos rios S. Francisco e Tocantins.
Finalmente proseguem os estudos para o prolongamento da estrada
de ferro de S. Paulo a partir da cidade do Rio-Claro, estando d'elles
incumbida uma commissão de engenheiros sob a direcção
do major Francisco Antonio Pimenta Bueno.
Das ultimas noticias recebidas consta que estão concluidos
os trabalhos relativos aos primeiros 80 kilometros, seguindo a direcção
do Rio-Claro a Sant'Anna do Par[a]nahyba.
De summa conveniencia para os interesses geraes do paiz fôra que os traçados
das vias ferreas projectadas nas provincias, seguissem um plano regular no sentido
de ligarem estas entre si e com a côrte, constituindo-se de tal sorte, pouco
a pouco, a rêde da viação ferrea do
Imperio. Se não é licito pretender no nosso estado actual
a rigorosa observancia d'esta regra, porquanto o que determina o estabelecimento
de vias ferreas são as condições vantajosas das localidades
a que têm de aproveitar o trafego de passageiros e mercadorias que se possa
obter e a natureza do terreno, nem por isso devemos deixar de attender, quanto
possivel, áquelle desideratum, dando preferencia para concessão
dos favores autorizados pelas leis de 1852
e de 1873 ás estradas que
estejam em taes condições. N'essa conformidade preceituou o regulamento
de 28 de fevereiro proximo findo.
Trato de organisar, servindo-me da autorização contida na lei
n. 1.953 de 17 de julho de 1871, a carta itineraria
do Imperio, que muito poderá habilitar-nos para a realização
d'aquelle plano. Uma commissão composta
dos engenheiros drs. Manoel Buarque de Macedo, Guilherme Schüch de Capanema
e João Nunes de Campos tem de apresentar-me o plano de estudos e trabalhos
para a execução d'este projecto.
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