Título
Prolongamentos necessários para atender ao desenvolvimento
das zonas servidas pela Central do Brasil
Engº Paulo Martins Costa (da Central do Brasil),
Revista Ferroviária, 1945
(...)
As mudanças sucessivas de administração, de
quatro em quatro anos, fizeram também pôr de lado problemas
de grande importância, seja por questões de amor próprio
profissional, não querendo terminar serviços iniciados
por outros, seja por imposições políticas.
É preciso, pois, aproveitar a liberdade de ação
que existe atualmente na administração para recuperar
o tempo perdido.
Ficamos doze anos paralisados à margem direita do rio São
Francisco e, depois de desenvolver um enorme esforço para
obter meios de construir a ponte sobre esse rio, uma das nossas
maiores obras ferroviárias, inauguramos em 28 de outubro
de 1922 uma estação à margem esquerda, e desde
aquela data o serviço de avançamento de linhas está
paralisado, por motivos independentes da vontade das administrações.
Isto significa que há trinta e três anos estamos parados
às margens do rio São Francisco, depois de transpor
o maior obstáculo encontrado em toda a nossa linha para o
nosso interior, na direção do norte do país.
Foi, sem dúvida, um dos grandes erros dos nossos políticos
ou administradores a paralisação da continuação
do avançamento dos trilhos nessa seção.
A zona a atravessar no caminho para o norte do país não
apresenta, realmente, possibilidades econômicas que justifiquem
o empate de grandes capitais em um intervalo curto.
Nada, porém, impedia que a administração continuasse
o avançamento, não contudo de modo intensivo, mas
lentamente. Bastaria organizar uma turma de construções,
de cem homens no máximo, sob a direção de um
só engenheiro, ir atacando os serviços com regularidade,
persistência e sem interrupções.
Se assim tivéssemos procedido, concluindo um ou dois quilômetros
por mês, ou cerca de vinte quilômetros por ano, o que
é realmente uma insignificância, neste intervalo de
estagnação já estaríamos com mais de
seiscentos quilômetros para o interior, ou atingindo mesmo
as margens do rio Tocantins, e estaríamos agora aproveitando
esta rota segura no nosso caminho para o norte do país.
No ramal para ligação com a rede baiana, depois de
diferentes paralisações, atingimos Montes Claros em
setembro de 1926. Também aí estagnamos dezesseis anos
e somente agora, com a nova organização dada à
estrada e a necessidade urgente da ligação terrestre
norte-sul do país, os serviços de ligação
foram ativados e esperamos este ano ter o prazer de ver ligados
os dois extremos das linhas que se aproximam rapidamente.
Outra paralisação prejudicial ao interesse da estrada
foi a do prolongamento de Mangaratiba a Angra dos Reis.
Paralisado há vinte e nove anos, pois os serviços
foram suspensos por falta de verba em janeiro de 1914, perdemos
alguns milhares de contos de réis de serviços executados,
estando grande parte hoje inaproveitável.
São inúmeras as obras de arte já construídas,
esperando somente as estruturas metálicas para o assentamento
dos trilhos; grande extensão de linha se encontra completamente
pronta, e túneis quase terminados.
A ligação com o porto de Angra dos Reis, agora provido
de cais acostável para grandes vapores, iria desenvolver
o tráfego do ramal de Mangaratiba, pouco produtivo, facilitando
a saída rápida para o Rio de uma grande zona tributária
de Angra, mas cuja produção está em estado
latente pela falta de transporte.
(...)
Mas uma administração ferroviária não
pode estacionar, pois parar representa retroceder, sendo indispensável
caminhar sempre para a frente em busca de novas possibilidades.
No caso de uma paralisação, ou mesmo diminuição
nas providências para o seu desenvolvimento, os seus concorrentes
que são as rodovias modernas e os transportes aéreos
o ultrapassarão de tal forma que apesar do custo muito mais
elevado por unidade de transporte, a sua procura se dará
naturalmente e a ferrovia passará para um plano inferior.
(...)
(...) venho apresentar a seguir, justificando os serviços
que devam ter preferência para uma terminação
mais rápida, pelas vantagens mais imediatas que advirão
para a estrada, principalmente quanto ao desenvolvimento financeiro.
Para melhor conhecimento sobre as vantagens de cada um desses serviços,
trataria cada um separadamente.
a) Linha de Pirapora - Belém
Naturalmente seria essa linha a primeira a ser examinada, visto
que a Central do Brasil, como o seu nome indica, foi iniciada com
a finalidade de atravessar o nosso Brasil central, até atingir
as margens do grande Amazonas.
Nos estudos já efetuados, a linha que teria a extensão
total de 2.547 quilômetros foi dividida nos cinco seguintes
trechos:
1º |
Pirapora - Palmas [Paranã] |
935 km 800 |
2º |
Palmas [Paranã]
- Carolina |
712 km 520 |
3º |
Carolina - Gurupi |
424 km 380 |
4º |
Gurupi - Candiru |
220 km 000 |
5º |
Candiru - Belém |
254 km 465 |
|
Total |
2.546 km 165 |
Somente no trecho entre os rios Gurupi - Candiru, esse afluente
da margem direita do rio Capim, não foi completado o estudo.
De acordo com o orçamento feito naquela época, o
custo médio do quilômetro foi de Cr$ 101.120,00, custo
este que hoje deverá ser no mínimo triplicado.
As condições técnicas do estudo foram muito
boas, pois fixaram a rampa máxima de meio por cento e raio
mínimo de 500 metros.
Em casos excepcionais, admitia-se um por cento para rampa máxima
e 300 metros para raio mínimo.
As obras de arte, apesar da enorme extensão atravessada,
não são relativamente muitas.
Assim, na primeira seção existia uma ponte de 300
metros sobre o rio Paracatu, uma de 170 metros sobre o rio do Sono
e outra de 60 metros sobre o rio Paranã.
Existiam também dois túneis para transpor o divisor
de águas dos rios São Francisco e Tocantins, sendo
um de 160 metros na descida do Paranã e outro de 140 metros
na serra do Jatobá.
Na saída da serra do Jatobá temos um viaduto de 120
metros de vão e 30 metros de altura e na descida do Paranã
um outro de 140 metros de vão e altura máxima de 50
metros.
Na segunda seção, Palmas a Carolina, existe uma ponte
de 200 metros sobre o rio do Sono, duas de 150 metros sobre o rio
Palma e sobre o rio Manoel Alves Grande e outras menores.
Na terceira seção, Carolina - Belém, havia
uma ponte de 330 metros, quatro de 50 metros e outras menores.
Para uma extensão de 2.500 quilômetros, o número
de obras de arte é realmente insignificante.
(...)
c) Linha Mogiana - São Sebastião
(...)
O ramal Mogi - São Sebastião não vai, pois,
desenvolver zonas inexploradas, mas atender à terceira finalidade
acima exposta, de facilitar o escoamento ou saída dos recursos
de outras regiões, cujo desenvolvimento está sendo
tolhido devido à falta de transportes.
O desenvolvimento do Estado de São Paulo, sob todos os aspectos
que se encara, é realmente extraordinário e, no entretanto,
toda a importação e a exportação desse
Estado está apertada e comprimida através da nossa
única saída, que é a São Paulo Railway,
cujas condições dificilmente poderão ser melhoradas
de modo a atender às exigências dos transportes a efetuar.
Transcrevo aqui um trecho de um artigo publicado em uma revista
norte-americana, Railway Age, em janeiro de 1942:
Todas as estradas de ferro do interior do Estado
de São Paulo e dos Estados vizinhos convergem sobre a cidade
de São Paulo.
Ligando este vasto sistema ferroviário com
o único porto no litoral do Estado, há uma só
linha, a São Paulo Railway, que atravessa a serra do Mar.
Temos um enorme garrafão, cobrindo o Estado
de São Paulo, com sua base em Mato Grosso e Goiás,
e com o seu gargalo ocupado pela São Paulo Railway, gargalo
esse por tal forma construído que a sua capacidade não
pode ser aumentada sem novas e radicais construções,
absorvedoras de grandes capitais, e com um sistema de funcionamento
excessivamente caro e muito afastado das modernas idéias
sobre transporte de grandes cargas.
As condições expostas há dezenove [?]
anos passados ainda são as mesmas hoje, pioradas com o maior
desenvolvimento das zonas tributárias.
A construção do ramal Mogi - São Sebastião
irá, pois, resolver o problema, desafogando o Estado de São
Paulo, prejudicado no seu natural desenvolvimento pela deficiência
de transporte.
(...)
Em boa hora a Central do Brasil, com a sua nova orientação
progressista, ordenou o estudo do ramal Mogi - São Sebastião,
e os trabalhos feitos pelo engº Arrigo Rossi foram extraordinariamente
felizes, obtendo uma linha de condições técnicas
admiráveis, para um traçado pesado de carga e um trecho
montanhoso como é a região atravessada.
Os que julgaram desnecessária a construção
desse ramal argumentaram com a despesa para a construção
do porto, quando já existe o de Santos bem aparelhado.
Ora, quem conhece o porto de Santos sabe que esse porto é
puramente artificial, construído em um lago pantanoso, num
braço de mar sem correnteza suficiente para evitar as acumulações
de lodo e um dos de mais difícil conservação
em circunstâncias satisfatórias.
O seu pequeno calado, 27 pés, de difícil entrada,
obriga a constantes dragagens, aumentando assim as taxas portuárias.
Em compensação, o porto de São Sebastião
foi considerado por especialistas que o examinaram como o terceiro
porto do mundo, depois do Rio de Janeiro [?]
e Hong Kong.
A construção das docas é relativamente fácil
e o seu fundo é um lençol de pedra, tendo uma profundidade
mínima de 50 pés.
Vemos, pois, que a construção da linha de acesso
ao porto, permitindo transporte de trens de grande lotação,
o custo da construção apesar da elevação
será rapidamente amortizado com a enorme tonelagem de cargas
transportadas em curto espaço de tempo.
O funcionamento do ramal Mogi - São Sebastião irá
futuramente ser o mais rendoso da Central do Brasil, pois cerca
de dois terços de toda a produção do Estado
de São Paulo, Mato Grosso, Goiás e parte de Minas
Gerais será tributária daquele porto.
É interessante examinar as distâncias em que ficarão
os dois principais centros produtores dessa zona, que são
São Paulo e Campinas.
(...)
Atualmente a São Paulo Railway só permite o transporte
de cerca de 5.000 toneladas por dia, trafegando nos planos inclinados
três vagões de cada vez, com a lotação
máxima de 25 toneladas, e como existem cinco planos inclinados,
e o tempo gasto em um plano é de doze minutos para descer
75 toneladas, a capacidade horária (...).
Ora, esta capacidade insignificante, posta à disposição
das indústrias de quatro Estados, é ridícula.
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