Revista Ferroviária, 1945
EF Goiás
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(...)
Em 1874, mercê dos favores concedidos por um decreto
de 24 de setembro de 1873, o presidente Antero Cícero de Assis foi
autorizado a contratar, “depois de se entender com o governo imperial, com João
Lourenço Seixas, ou com quem melhores vantagens oferecesse, a construção
de uma estrada de ferro de bitola estreita e respectivo telégrafo elétrico
a partir da capital desta província [cidade
de Goiás], à margem do rio Vermelho,
no presídio de Juupense [Jurupensen],
afluente do Araguaia, no ponto em que for mais
favorável aos interesses da navegação desse grande rio, numa
extensão, porém, nunca inferior a vinte e uma léguas”.
A resolução autorizava conceder ao contratante privilégio
por trinta anos: garantia de 7% ao ano sobre o capital de Cr$ 350.000,00 por cada
légua construída; direito de contratar, dentro ou fora do país,
a construção e o prazo de quatro anos para o início das obras,
obrigando-o, porém, a ceder à província, sem indenização
alguma, salvo o capital empatado, todo o material da estrada de ferro, findo o
prazo de concessão; reconhecer o direito da província de encampar
a estrada em todo o tempo que tal lhe aprouvesse e transmitir à província
os rendimentos maiores de 12% ao ano sobre o capital empatado, apresentados pela
exploração da via-férrea.
A resolução ainda permitia ao contratante a faculdade de, não
sendo possível estabelecer a via férrea, substituí-la por
uma de tração animal, em cujo caso a garantia dos juros seria na
proporção de 200 contos por légua. Essa concessão,
porém, não era definitiva. Obrigava o contratante a inaugurar um
tráfego a vapor ao fim de dez anos.
Com tantas amarras para uma aventura, na época, essa primeira tentativa
do estabelecimento de uma estrada de ferro em Goiás fracassou. Treze anos
depois [1887?], o novo presidente Luiz Silvério
Alves da Cunha, concedeu à Cia. Estrada de Ferro Mogiana privilégio,
por 90 anos, para prolongar suas linhas da margem direita
do Paranaíba à margem direita do Araguaia. Sobrevieram, porém,
a abolição da escravatura, a queda do Império e a República
e Goiás não conseguiu que um quilômetro de trilho, sequer,
fosse lançada [sic] sobre suas terras. Naquele
torvelim trágico que caracterizou as atividades financeiras do Brasil nos
dois últimos lustros do século XIX, as estradas de ferro de Goiás
continuaram constituindo preocupação de quem tinha dinheiro ou de
quem supunha que com privilégios de estradas de ferro poderia ganhar montanhas
de dinheiro.
Nessa época, a aventura financeira era preocupação geral.
Todo o mundo jogava. “Cada cidadão, citava um cronista, foi um incorporador
e diretor de banco ou de companhia; quem, ontem, não tinha capacidade para
dirigir uma bodega, nas limitadas proporções, viu-se de improviso
arvorado em diretor de altas finanças”.
As estradas de ferro tiveram parte saliente nas aventuras. Foi, mesmo, a “época
de realizações ousadas em matéria de estradas de ferro”.
Em outubro de 1890, foi firmado contrato entre o Estado de Minas Gerais e o
coronel José Antônio de Almeida para a construção de
uma estrada de ferro nas lindes de Goiás, e logo a seguir, em janeiro de
1891, esse Estado contratou com o mesmo construtor a construção
de uma “estrada de ferro de bitola de um metro entre trilhos que, partindo da
serra das Araras, em frente da cidade de Formosa, ou do
ponto em que o rio Preto faz sua entrada em Minas, vá terminar em
São José do Araguari”.
Essa construção também não se fez. Não passou
de um delírio da época em que todos apenas aventuravam. Todas as
tentativas para o empreendimento esboroavam-se, assim, em insucessos sobre insucessos
até que, em julho de 1893, o presidente José Inácio Xavier
de Brito concedeu ao “Banco União de São
Paulo ou à sociedade por ele organizada, privilégio por 60
anos para a construção, uso e gozo de uma estrada de ferro que,
partindo da cidade do Rio Verde, vá ao ponto que julgar mais conveniente
na estrada de ferro de Coxim, de que o mesmo banco
era o concessionário”.
Essa estrada de ferro do Coxim, verdadeira marcha para o Oeste, foi iniciada
em 1897, em Uberaba, entre grandes festas. Infelizmente,
porém, naqueles tempos os interesses políticos e as conveniências
partidárias se sobrepunham aos interesses gerais e o certo é que
em pouco Minas Gerais trocou a exploração
dessa estrada de ferro por outras conveniências. São
Paulo, com quem fizera a berganha, mais tarde aproveitou o primitivo traçado
para lançar a atual Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
O privilégio assim estabelecido concedia ao Banco União de São
Paulo o direito de realizar todas as medidas necessárias à construção,
inclusive o direito de “desapropriar terrenos de domínio particular, prédios
e outras benfeitorias que fosse necessárias ao leito da estrada, armazéns,
estações e outras dependências”.
Dois anos depois, o Estado de Goiás concedeu novo privilégio,
desta feita ao engenheiro Julião de Oliveira Lacaille,
“para explorar uma faixa de dez quilômetros
para cada lado dos trilhos de uma estrada de ferro que partindo de Catalão,
passando pela capital do Estado, atingisse Poconé, Cuiabá,
São Luiz de Cáceres e lugar navegável do rio Guaporé,
terminando no Estado de Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia”. Essa
concessão que se referia, naturalmente, aos terrenos situados no Estado
de Goiás, dispunha que só entraria em vigor “no caso em que o Congresso
Nacional decrete o privilégio requerido para a construção
da mesma estrada, ficando o concessionário na obrigação de
utilizar-se dos terrenos cedidos no prazo máximo de trinta anos, findo
o qual perderá o direito aos terrenos não utilizados”.
O século XIX não terminou sem que Goiás fizesse nova tentativa
para conseguir uma estrada de ferro. O presidente Urbano Coelho de Gouveia, em
julho de 1899, foi autorizado a “entrar em acordo
com a Cia. Mogiana ou qualquer outra que proponha a prolongar a estrada de ferro
de Araguari à cidade de Catalão”.
A lei permitia ao presidente conceder ao contratante “os favores que se costumam
fazer a empresas dessa natureza e garantir-lhe até o juro de 6% sobre o
capital máximo de 20 contos por quilômetro de estrada de ferro construído”.
Essa tentativa ainda falhou.
A distância dos centros consumidores e o diminuto intercâmbio comercial
então existente e a fraca densidade de população atuavam
como forças negativas em contraposição às especiais
condições de clima e solo por todos reconhecidas; assim, somente
a posterior interferência direta do governo federal permitiu que a construção
de uma ferrovia para essas longínquas paragens merecessem apoio financeiro.
Foi por isso que as primeiras obras da linha, que deveriam mais tarde vir constituir
a EF de Goiás, tiveram início custeadas por recursos obtidos por
emissão de apólices federais e muitos
foram os quilômetros de linha preparados com esse financiamento: de 1907
até 1920 existiu uma Cia. EF Goiás,
que acabou por falir e entregar ao governo federal e outros credores a concessão
que obtivera e as benfeitorias existentes na época.
Dados econômicos e financeiros
Logo que começaram a se fazer sentir as vantagens das comunicações
mais rápidas e seguras entre os esparsos núcleos de população
e as zonas limítrofes, o comércio regional tomou grande incremento
e as plantações de arroz desenvolveram-se rapidamente como elemento
mais apropriado às terras dessa zona.
O transporte de gado, que abunda nas magníficas pastagens, também
concorreu para manutenção de um tráfego regular, aumentando
a arrecadação proveniente de exploração desde quando
a estrada foi iniciada, ainda a título provisório.
No período de 1920 a 1944, houve saldo
positivo em quase todos os anos e os déficits apurados em alguns ainda
deixaram um saldo total balanceado de perto de 12 milhões de cruzeiros.
A tendência da arrecadação da Goiás é sempre
para aumento, mas as obras de consolidação e as maiores despesas
de custeio estão, também, crescendo paralelamente.
A EF Goiás apresenta hoje uma situação financeira favorável
e a instalação da nova capital em Goiânia,
com o rápido desenvolvimento que vai tomando, apressará a melhoria
e estabilização da exploração industrial dos serviços
em padrão bem equilibrado.
Depois do arroz, que figura como principal produto, verifica-se um transporte
notável de couros e produtos derivados de pecuária, seguindo-se
o fumo, os minérios, o café, sal, açúcar e gasolina;
estes produtos mostram como a ação dessa ferrovia tem sido de grande
influência no desenvolvimento econômico da região. Os artigos
de origem local são exportados em crescente quantidade, enquanto que os
outros são solicitados, em intercâmbio, para melhoria das condições
de vida de uma população esforçada que procura valorizar
seu trabalho.
Cerca de 40 anos depois de iniciada sua construção,
a EF Goiás possui apenas 411 km de linha, mas essa extensão,
embora pouca, realizou o bastante para facilitar extraordinário
desenvolvimento na zona por ela servida.
A EF Goiás, depois que venceu as dificuldades iniciais de sua vida precária,
entrou há alguns anos em fase de progresso. As administrações
que ali se têm sucedido dedicaram cuidadosa atenção à
sua renovação e seu reaparelhamento, principalmente no tocante à
via permanente, onde estão sendo substituídos velhos trilhos de
22 kg/m por outros de 35 kg/m, em mais de 250 km.
Também estão sendo atendidos a substituição de dormentes
e o lastramento de pedra, esse último com
grande continuidade.
* * *
É verdade que esses serviços são custosos, pois a aquisição
de dormentes em quantidade superior a 90.000 em 1944 exigiu despesa de Cr$ 1.520.000,00
e o empedramento de longos trechos de linha também fez aumentar as verbas
de pessoal das turmas de conservação.
Outro serviço de interesse que vem sendo feito é o de construção
e renovação das casas para operários e edifícios para
estações, armazéns e oficinas.
Cada ano a estrada dedica uma parte de seu orçamento para essa tarefa
e é de supor que dentro em pouco tempo as condições materiais
disso permita muito melhor aproveitamento do trabalho do pessoal.
O tráfego da EF Goiás vem se caracterizando por um crescente
movimento de passageiros, que de um ano para outro sobre em alta proporção,
como aconteceu de 1943 pra 1944, passando de 137.892 passageiros para 181.583.
As toneladas de mercadorias transportadas passaram, nesses mesmos anos, de
199.244 para 128.475.
Existem na estrada 24 locomotivas, 26 carros de passageiros e 239 vagões
de mercadorias.
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