Ferrovias para Brasília - 1968
Um trem para Brasília
Prof. Délio Moreira Araújo, da Universidade de Goiás
Publicado na revista "Estrada de Ferro", Set.-Out. 1968
Este artigo do prof. Délio Araújo registra a situação da ligação ferroviária para Brasília no final de 1968, ainda sem trens, seis meses depois da inauguração e um ano e meio depois da chegada dos trilhos
O dia 21 de abril de 1968 foi um dia de
festa na capital do País. Dentre outros acontecimentos e festejos comemorativos
de mais um aniversário da capital federal, a chegada do primeiro trem
constituiu uma verdadeira celebração para a data.
É verdade que havia um ano que uma locomotivazinha
a vapor havia chegado a Brasília e que se havia anunciado que a cidade
do século XXI construída no século XX estava ligada à rede nacional de
estradas de ferro. Mas esse comboio pioneiro não chegara por estrada de
ferro: fora transportado por rodovia. Como que para justificar a comemoração
estrondosa da chegada da maria-fumaça, anunciou-se este ano que a mesma
havia sido programada por causa da chegada da ponta dos trilhos a Brasília.
Chegada da ponta dos trilhos, sim, pois os carris lá chegaram em 1967;
no entanto, por eles não era possível fazer correr trem algum, nem mesmo
trens de serviço.
A inauguração da linha para Brasília, se constituiu acontecimento que
motivou intensa propaganda e noticiários sem número na imprensa nacional,
não trouxe ainda para a rede brasileira de estradas de ferro contribuição
alguma de sentido econômico e comercial. Primeiro, que a estrada de ferro
para o planalto foi inaugurada inacabada; segundo, porque parece que será
entregue à Rede Ferroviária Federal ainda por terminar. Pena é que, em
nosso País, o ano ferroviário programado pelo sr. Ministro dos Transportes
venha a encerrar-se sem que ao menos a linha para Brasília tenha sido
concluída em todas as obras civis para o tráfego em caráter definitivo.
A terraplanagem já está cedendo em alguns trechos, pequenos, é verdade.
A drenagem ainda não foi terminada. O empedramento não excede de 7 a 10
centímetros, mas ao longo dos 230 quilômetros não há sinal nem evidência
que o levantamento da linha venha a ser executado até ao fim do ano
das ferrovias, nem que venha a ser executado depois. Portanto, a Rede
Ferroviária Federal deverá executar o restante da drenagem, concluir o
empedramento e complementá-lo e proceder aos levantamentos subseqüentes.
Os 230 quilômetros que medeiam desde o posto telegráfico [Roncador
Novo] situado entre a estação de Roncador e a cidade de Pires do
Rio, donde arrancam os trilhos que demandam a Capital, até a estação
Bernardo Sayão, localizada no Núcleo Bandeirante e término provisório
do trecho recém-inaugurado, cortam a imensidão do Planalto Central, sem
que passem ao menos por perto do aglomerado urbano ou foco econômico que
justificassem a via férrea. Por conseguinte, os trens trafegam diretamente
de Pires do Rio a Brasília, sem paradas intermediárias, a não ser para
cruzamento com algum eventual trem de serviço.
A linha de Brasília está servida por despacho telegráfico. No entanto,
deveria ter sido dotada de CTC. Os enormes e infindos percursos por regiões
desabitadas justificam plenamente a operação da mesma por CTC, com o que
seriam eliminados os postos telegráficos que deverão ser construídos ou
instalados pela Viação Férrea Centro-Oeste, que explorará o trecho. Alguns
dos desvios de serviço serão aproveitados para os pontos de cruzamento.
No entanto, bastaria que se evitasse tão só o problema social de famílias
de ferroviários obrigadas a viver no isolamento total da vastidão do cerrado
para que a instalação do CTC viesse a ser justificada. Além do mais, permitiria
inigualável perfeição no controle do tráfego e na simplificação operacional
do trecho.
Os trens já trafegam até Brasília; os cargueiros largam o posto telegráfico
inicial do trecho nas sextas-feiras à noite ou no sábado, retornando nos
domingos. Isso porque o tráfego comercial não é permitido por enquanto;
sê-lo-á quando o Exército passar à Viação Férrea Centro-Oeste os trilhos
por ele assentados. Não é permitido o tráfego nos outros dias da semana.
Os cargueiros têm desenvolvido boas velocidades de cruzeiro ao subirem
pela nova linha. Alguns cobriram em pouco menos de cinco horas os 230
quilômetros intermediários entre os pontos finais. Uma G-12, com uma composição
de 1.000 toneladas, tem demonstrado a possibilidade de que se faça a viagem
em 5 horas com relativa folga. A tração múltipla será empregada depois
que o trecho passar a ser operado pela Centro-Oeste.
Embora sejam os raios de curva amplos — somente duas curvas possuem raios
que medeiam entre 300 e 400 metros, sendo as demais superiores a 500 metros
— não será possível obterem-se altas velocidades em todo o percurso. 75
quilômetros por hora poderão ser atingidos nas curvas de raio mínimo;
nas de raio máximo, as velocidades mais altas situar-se-ão em volta
dos 100 quilômetros horários. Há mesmo tendência para que a velocidade
de cruzeiro seja mantida no máximo de 80 quilômetros por hora. O mais
razoável seria que, uma vez entregue o trecho à Viação Férrea Centro-Oeste,
logo fosse terminado o empedramento e fossem executados os levantamentos,
após o que a velocidade de cruzeiro fosse aumentada para 100~105 quilômetros
horários nos trechos em que os raios o permitam. É necessário que as ferrovias
brasileiras deixem de aderir ao limite inferior de velocidade imposto
pelas curvas de raio mínimo; que aquele seja observado onde estas não
admitam acelerações mais altas a não ser em prejuízo da segurança e do
conforto.
O comprimento dos desvios de serviço varia muito. Por conseguinte, somente
após a entrega do trecho é que serão escolhidos os desvios que serão conservados
como pontos de cruzamento. O comprimento máximo dos trens cargueiros só
será conhecido, portanto, depois que a subsidiária da Rede Ferroviária
Federal receber a nova linha.
Há opiniões entre os engenheiros da Viação Férrea Centro-Oeste lotados
na Divisão de Goiás que os trens de passageiros poderão cobrir em pouco
mais de 3 horas o percurso posto telegráfico–Brasília. Depois de concluídas
as obras de acabamento já enumeradas acima, afirmam os mesmos técnicos
que 3 horas serão suficientes para a viagem.
É uma pena que Brasília não tenha sido ligada ao sistema brasileiro de
estradas de ferro por linha de curvas mais generosas, com raios acima
de 1.200 metros. Assim, o trecho poderia ser percorrido a 130 quilômetros
por hora com toda a segurança e poderia tornar-se o laboratório para experiências
de altas velocidades em bitola estreita. Ainda não dispomos de experiências,
realizadas entre nós, que tenham tido por finalidade explorar a imensa
potencialidade da bitola métrica no serviço rápido tanto de cargas como
de passageiros. O recorde brasileiro em linhas de um metro é retido pela
Cia. Mogiana, ao cobrir os 44 quilômetros que separam Aguaí de Casa Branca
em 42 minutos.
A rampa máxima no sentido da importação em pouco supera 1%; é de 1,1%
para sermos exatos; em sentido contrário, a declividade máxima é de 0,5%.
No entanto, com investimento ligeiramente superior ao realizado, poderia
ter sido possível dotar a linha com uma inclinação que não superasse 1%
no sentido ascendente.
O terminal ferroviário provisório de Brasília é a Estação
Bernardo Sayão, situada no Núcleo Bandeirante. O pessoal lotado no
terminal pertence à Viação Férrea Centro-Oeste.
A estação definitiva ficará situada 17 quilômetros além da atual estação
provisória. O leito já está aberto, mas os trilhos e obras complementares
ainda não foram atacadas nem colocados. O pátio
da estação definitiva já foi esquematizado pela Centro-Oeste e aprovado
pelo Departamento Nacional de Estradas de Ferro. Haverá 10 armazéns com
50.000 m² cada um; inicialmente, contudo, será construído tão só
um dos armazéns previstos. O pátio
medirá 1,5 x 3 km. A verba para a esplanada já foi liberada.
O projeto final da estação de passageiros
está nas mãos do arquiteto criador de Brasília. O edifício, de linhas
magníficas e grandiosas, ficará, no entanto, fora do alcance fácil dos
viajantes que preferirem o trem de ferro. A estação
rodoviária de Brasília é central e da mesma usam também os ônibus
urbanos. O viajante que chega por rodovia não encontra problemas para
embarcar nos ônibus urbanos ou para tomar um táxi. O aeroporto é relativamente
central e está servido por linhas de transporte urbano. A estação ferroviária,
contudo, enquanto se pode afirmar tendo em vista as condições reinantes
na capital federal no segundo semestre de 1968, será
a mais afastada, a mais isolada e a mais mal servida por transporte urbano.
A Viação Férrea Centro-Oeste já recebeu consultas visando objetivar contratos
de transporte para cargas a serem embarcadas em Brasília. Como mercadorias
de retorno, aparecerão toras de madeira de lei (a consulta à Centro-Oeste
especificava 20 gôndolas por mês), postes de aroeira (6 gôndolas por mês),
manganês de São João da Aliança para Belo Horizonte e Santos e possivelmente
cereais e gado em pé.
Quando, no entanto, entrará a linha para Brasília em tráfego comercial?
Talvez no fim de 1968. Até ao presente, os trens de carga, com tração
simples, são permitidos no trecho ainda sob administração do Exército
somente nos fins de semana. Após receber a Centro-Oeste o trecho recém-construído,
os cargueiros com tração múltipla desfilarão sobre os trilhos de aço várias
vezes por dia; os trens de passageiros ligarão São Paulo e Belo Horizonte
à capital do País, para o que anunciou o sr. Ministro dos Transportes
haver encomendado composições diesel-hidráulicas na Alemanha. No entanto,
até ao presente, o único serviço de passageiros executado no extremo norte
do tronco Brasília–Porto Alegre resumiu-se nos trens inaugurais e no transporte
de tropas militares do Rio de Janeiro para a Capital, efetuado nos últimos
dias do mês de agosto.
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