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Ferrovias para Brasília - 1956
A montagem da logística

Autorizada pelo Congresso a criação da Novacap (19 set. 1956), Israel Pinheiro montou escritório provisório em Luziânia — enquanto se construía o Catetinho, em 10 dias — e tratou de estender uma estrada asfaltada de 130 km ligando o futuro Distrito Federal à ponta dos trilhos da Estrada de Ferro Goiás, em Anápolis.

A prioridade atribuída a essa ligação com a ferrovia fica evidente no empenho pessoal de Bernardo Sayão, que iria adquirir o hábito de percorrer de jeep os 5 trechos da obra — entregues a 5 empreiteiras, de uma só vez, para acelerar —, gastando nisso às vezes um dia inteiro, para verificar pessoalmente o andamento dos trabalhos e solucionar qualquer problema que ameaçasse atrasar sua conclusão. No final de agosto de 1957, o próprio Presidente inspecionaria toda a obra num avião mono-motor da Novacap.

Delongas e derrotas

Mas o início dos trabalhos talvez não tenha sido tão imediato quanto gostariam Israel Pinheiro e JK.

Tendo adiantado os estudos da estrada — enquanto o Congresso ainda discutia a criação da Novacap —, já no dia 16 out. 1956 o DNER pôde divulgar sua diretriz: uma longa volta de Anápolis para o norte, até o km 74 da BR-14 (a Transbrasiliana, ou Anápolis-Belém), para daí rumar para leste, sobre o espigão divisor das bacias Tocantins / Paraná, passando por Corumbá de Goiás (antiga estrada Corumbá-Planaltina) e chegando ao futuro Distrito Federal em Brazlândia, de onde seguiria até a vertente do rio Torto (entroncamento da antiga Luziânia-Planaltina). Tratava-se, na verdade, de aproveitar estradas já existentes, a serem melhoradas. Percurso total: 189 km até um ponto a noroeste de Brasília, no contorno.

A realização de concorrência administrativa — procedimento menos rigoroso e mais rápido que a concorrência normal — foi autorizada pelo Presidente em 1º dez. 1956, e pelo Conselho Administrativo da Novacap no dia 18. Mas tudo indica que não estavam satisfeitos com o projeto do DNER.

Em fev. 1957, segundo Tamanini, a construção das rodovias para a futura capital foi transferida do DNER para a Novacap. Curiosamente, o Diário de Brasília não registra esse fato. No dia 11, porém, registra depoimento do engenheiro-chefe do Departamento de Viação de Obras da Novacap: a concorrência administrativa já se havia realizado, e a estrada Anápolis-Brasília teria cerca de 130 km. A diretriz do DNER havia sido substituída pelo traçado direto, portanto. Em maio teriam início os trabalhos [Tamanini 1:190].

No traçado proposto pelo DNER, a Novacap realizou algumas melhorias de emergência — encascalhamento, reforço das pontes, etc. —, para uso imediato, enquanto a estrada direta não ficasse pronta.

Ponta dos trilhos

O significado do pequeno trecho rodoviário — aparentemente perdido no meio do nada, sem conexão com qualquer outro asfalto — estava claro desde o início, como frisaria o presidente no discurso de inauguração, em 30 jun. 1958:

« A rodovia Anápolis-Brasília acha-se concluída, com 130 quilômetros asfaltados, estabelecendo assim a ligação indispensável da nova cidade com a Estrada de Ferro de Goiás. » [cf. DB2:197-201]

Tamanini também registra que « essa urgência, conforme ficou claro, devia-se à necessidade de ligar logo a nova capital à ponta dos trilhos da estrada de ferro, que chegavam até Anápolis » [Tamanini 1:190].

Traçada sobre chapadas relativamente planas, a rodovia direta era a solução mais viável e rápida para estabelecer a logística das obras da futura capital — apenas 11 pontes (total: 590 m) e escavação de 3 milhões m³, para um padrão de 1ª classe (raio mínimo = 225 m; rampa máxima = 6%).

  • Ao inaugurar-se a rodovia (30 jun. 1958), o trecho ferroviário Brasília-Surubi já havia exigido escavação de 3,9 milhões m³ e construção de 20 obras de arte corrente (1.300 m³ de concreto). Ainda se previa escavar 1,1 milhão m³, antes que pudesse começar a receber acabamento (grade), para só depois começarem a ser assentados dormentes, trilhos, etc. E mesmo então ainda seria inútil: com apenas 86 km, representava pouco mais de 1/3 da ligação com a EF Goiás em Pires do Rio (total: 232 km). Além disso, as linhas conectadas — incluindo trechos da EF Goiás, da Rede Mineira de Viação (RMV), da Linha Auxiliar (EFCB), do Ramal de Vassouras (EFCB) e/ou da Cia. Mogiana, para Campinas, Belo Horizonte e/ou Rio de Janeiro —, com os baixos padrões historicamente empregados nas linhas brasileiras de bitola métrica, tampouco era considerada aceitável como acesso principal à nova capital do País. Este papel estava reservado à bitola larga da EF Central do Brasil (que ainda estava a 410 km de Surubi) e da Cia. Paulista de Estradas de Ferro (que pedia Cr$ 6 bilhões para estender seus trilhos de Colômbia a Surubi e, enquanto não era atendida, permanecia a 650 km).

Trilhos & trilhos

As vias férreas que levariam material de construção a Anápolis ainda exigiam muitas melhorias — como, de resto, todo o sistema ferroviário do País.

Uma das primeiras providências para a utilização da EF Goiás foi a obtenção de um armazém em Anápolis, onde abrigar os materiais de construção a serem descarregados dos vagões da ferrovia. Segundo o Diário de Brasília, Israel Pinheiro já havia obtido esse armazém em 1º de novembro de 1956.

Outro armazém foi obtido em Vianópolis — a estação da EF Goiás mais próxima de Brasília —, e a Novacap fez algumas melhorias de emergência na velha rodovia de Vianópolis à área da nova capital.

Das reuniões realizadas pelo Presidente em Brasília, para solucionar gargalos — e das quais participava o diretor da ferrovia —, surgiu um programa de emergência para habilitar a EF Goiás a enfrentar o aumento imediato da carga. Em 18 jun. 1957, anunciou-se a aplicação de « Cr$ 11 milhões no aparelhamento de depósitos, na reparação de 10 locomotivas, no reforço de pessoal e em ferramentas e materiais. (...) de maneira a que a ferrovia possa atender, com prioridade, à solicitação cada vez maior de transporte de materiais para a construção da futura capital. »

Em 27 abr. 1959, a EF Goiás anunciava a substituição dos trilhos no trecho Pires do Rio - Anápolis (80 km) por trilhos poloneses mais pesados, recebidos através da RFFSA [Convênio BNDE / CVRD / Centrozap, de 23 dez. 1957, para troca de minério por 300 mil toneladas de material ferroviário]; e o aumento na produção das pedreiras instaladas nos km 38 e 187, para o lastreamento da linha com pedra britada. A substituição de trilhos e consolidação de leito visavam « à maior velocidade dos trens e ao melhor rendimento operacional da tração diesel » [A dieselização estava ocorrendo, de fato, na RMV, que havia recebido 27 locomotivas em 1958].

Em 22 mai. 1959, foi a vez da Rede Mineira de Viação anunciar a reforma da linha no trecho Garças-Goiandira (523 km), « a fim de melhorar o acesso ferroviário a Brasília (...) dadas as condições precárias que oferece e o crescimento de tráfego naquele percurso, desde que se intensificaram as obras da nova capital ».

Aparentemente, portanto, a maior parte da carga vinha de Belo Horizonte, mais do que do porto de Angra dos Reis, onde a linha tinha "início".

Nesse momento, a reforma em andamento na RMV compreendia 180 km de trilhos novos de 37 kg/m (13.500 t) e empedramento da linha, de Garças a Ibiá (km 602 a 782); além da aplicação de trilhos recuperados em outro trecho ["ao km 932"]; e a substituição de 30% dos dormentes nos dois trechos [A substituição de dormentes havia mais que triplicado em toda RMV, de 254.656 em 1957 para 902.124 em 1958]. Já estava contratada a reforma do trecho entre Monte Carmelo e Goiandira; e outros trechos estavam em concorrência. A RFFSA havia iniciado a entrega de 35.000 t de trilhos poloneses à RMV. Além disso, estavam sendo montadas "pedreiras de grande capacidade nesse percurso"; e reformava-se a linha telegráfica para melhorar as comunicações [Várias paradas e postos telegráficos das linhas Belo Horizonte - Garças de Minas, e Angra - Goiandira foram abertos nessa época. Na medida em que estivessem associados a novos pátios de cruzamento, possibilitavam maior número de trens, simultaneamente, nos dois sentidos].

Em 8 ago. 1959, a RFFSA havia autorizado um acréscimo de Cr$ 25 milhões no orçamento de capital da RMV, para substituição de trilhos em mais um trecho da linha Tronco, entre os km 930 e 993 (Patrocínio - Monte Carmelo).

Em 22 out. 1959, a RMV recebia outras 33.000 t de trilhos novos, importados do Japão, para a remodelação de 443 km de linha, « visando ao transporte regular de cargas para Brasília ». Tratava-se, agora, da linha Garças de Minas - Belo Horizonte (221 km), que ligava o parque industrial da capital mineira ao tronco Angra dos Reis - Goiandira; e do trecho entre os Km 603 e 825 [222 km] da linha Tronco, « permitindo a tração diesel-elétrica (...) em toda a sua extensão».

A essa altura, Israel Pinheiro já devia ter compreendido o grande erro de iniciar pelo final (Brasília-Surubi) o ramal de ligação da nova capital à EF Goiás: — Chegando a Pires do Rio, os carregamentos de trilhos teriam de ser levados de caminhão até Surubi; e depois de assentados seriam inúteis, devido à falta de ligação. [Esse erro ainda lhe valeria críticas sarcásticas]. Decidiu-se, então, entregar à RMV as 20 mil t de trilhos de 37 kg/m recebidos pela Novacap para o ramal de Brasília. Com eles, a RMV anunciava a reforma de mais 270 km da linha Tronco, do km 825 em diante (Catiara-Catalão).

Além de materiais de construção para a nova capital (até Anápolis), os trechos reformados também deveriam transportar as mudanças (12.000 m³) dos 30 ou 37 mil funcionários que seriam transferidos para Brasília; e assegurar o abastecimento dessa população dali por diante.

Cimento & etc.

Apesar da demora no início da construção, a inauguração da rodovia Anápolis-Brasília — asfaltada — em 30 jun. 1958 ocorreu bem a tempo de escoar o material de construção recebido pela EF Goiás. Neste ano, só o tráfego oriundo da Rede Mineira de Viação cresceu quase 700% — concentrando-se no segundo semestre — e continuaria aumentando em 1959:

RMV para Brasília No ano Média mensal
Vagões Ton. Vagões Ton.
1957 333 7.968 28 664
1958 jan.-nov. 2.218 53.076 202 4.825
1958 2.601 60.527 217 5.044
1958 dez.     383 7.451
1959 (jan.-jun.) 1.918 47.524 320 7.921

Estatística parcial da RMV para 1958 (jan.-nov.) indica que metade dos vagões (1.112) haviam transportado cimento (31.427 t, correspondendo a 628.540 sacos, média de 19,3 t por vagão). As estruturas metálicas (11.478 t) foram transportadas por 546 vagões (média de 21 t por vagão); e outros 560 vagões transportaram vergalhões de ferro, tubos de aço, alcatrão, máquinas, estacas e guindastes.

A carga proveniente do Estado de São Paulo, pela Cia. Mogiana, pode facilmente ter duplicado esses números.

Duas semanas depois (15 dez. 1958) o Sindicato da Indústria do Cimento informava sua estatística parcial: 55.222 t despachadas para Goiás. A diferença (+75%) em relação ao transporte realizado pela RMV indica a participação da fábrica Votorantim [Os outros fornecedores, todos de Minas, eram as fábricas Cauê, Ponte Alta, Itaú e Barroso. A conferir: segundo Riedinger, Edward Anthony, Como se faz um presidente, Nova Fronteira, 1988, durante seu governo de JK em Minas Gerais, o estado havia quintuplicado sua capacidade instalada de produção de cimento, de 200 mil para 1 milhão de toneladas / ano (quinquênio 1951-1956)].

   

O ministro e
as tropas de burros

Na última década do século XIX (a primeira da República), o Estado da Bahia e em seguida a União lançaram sucessivas expedições militares, cada vez mais numerosas e bem aparelhadas, contra o arraial de Canudos, situado no centro de uma região árida, pouco habitada, sem recursos de apoio aos atacantes, sem estradas que dessem passagem fácil aos canhões Krupp ou carroças de víveres e munições — e a XXX léguas de Queimadas, estação da Estrada de Ferro de S. Francisco.

Criada uma questão de honra para a jovem República, o próprio ministro da Guerra se deslocou para a Bahia, onde montou seu Quartel General — não às margens da baía de Todos os Santos, nem na linha de frente, mas — na base das operações, em Monte Santo, a meio caminho entre a ferrovia e o local da luta.

« Um estrategista superior, atraído pela forma técnica e alta da questão, gizaria rasgos estupendos de tática e não a resolveria. Um lidador brilhante idearia novas arrancadas impetuosas, que esmagassem de vez a rebeldia, e extenuar-se-ia, inútil, a marche-marche pelas caatingas. O marechal Bittencourt, indiferente a tudo isto — impassível dentro da impaciência geral —, organizava comboios e comprava muares... »

Da seqüência de expedições espalhafatosas e ineficientes, a campanha de Canudos passou a linha de montagem de uma logística racional.

« O hospital militar tornou-se uma realidade, perfeitamente abastecido e dirigido por cirurgiões (...). Por fim a questão primordial que até lá o atraíra — o serviço de transporte — se ultimou definitivamente. Diariamente quase, chegavam e volviam comboios parciais para Canudos. »

  

 

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