Ferrovias para Brasília - 1956-1959
As ferrovias da Novacap
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Ferreocap
A 26 mar. 1957, finalmente, o assunto foi entregue à Novacap.
Pelo Decreto nº
41.193, foram atribuídos a ela « os estudos
e construção das linhas férreas de interesse
do futuro Distrito Federal »; e definidos os termos
do convênio (8 abr. 1957) pelo qual lhe seriam delegadas as
tarefas — e as respectivas verbas. O convênio não apenas
mantinha em Anápolis a ligação à EF
Goiás, como a estendia até Goiânia. Mas surge
uma segunda ligação — « ao ponto mais
conveniente da Estrada de Ferro de Goiás, e deste ponto à
rede ferroviária do Estado de São Paulo, de acordo
com estudos a serem realizados ». Daí por
diante, embora ainda se falasse em Cia. Paulista e Colômbia,
isso já não estava no papel; a rigor, uma ligação
à Cia. Mogiana (p.ex.) cumpriria o que estava escrito. Quanto
à ligação da Central do Brasil, não
se falava em Formosa. E da ligação ferroviária
a Anápolis, inscrita no contrato, nunca mais se falou.
A 20 abr. 1957, continuavam « em andamento »
os estudos da ligação Pirapora-Brasília. Um
sinal de alarme: a linha « reclamará consideráveis
recursos, pois terá mais ou menos 440 km em bitola larga ».
De concreto, registrava-se o « alargamento que se
faz na Linha do Centro (...) passando por Corinto, Sete Lagoas
e Pedro Leopoldo ».
No primeiro relatório anual da Novacap, enviado por Israel
Pinheiro à Câmara dos Deputados em 30 jun. 1957, novas
definições tomavam corpo: (a) A ligação
à EF Goiás seria feita em Pires do Rio; e (b) A ligação
à Cia. Paulista se faria de Pires do Rio em diante.
Com isso, haveria apenas uma obra, por começar — « para
a construção do primeiro trecho, de 80 km, entre Brasília
e a foz do rio Saia Velha no São Bartolomeu [Brasília-Surubi],
será aberta concorrência ainda no corrente mês »
—, ficando Pires do Rio para a etapa seguinte, e a ligação
paulista para depois.
A prioridade ficava bem definida: « A primeira ligação,
que deverá ser construída em bitola mista, permitirá
desde logo as comunicações de Brasília com
o sistema ferroviário de bitola de metro, constituído
pelas Estradas de Ferro Goiás, Rede Mineira de Viação
e Estrada de Ferro Mogiana. »
Uma insinuação posterior de Ernesto
Silva sugere que « os engenheiros da Novacap »
talvez não tivessem, mesmo, intenção de empenhar
seu prazo (menos de 3 anos) numa linha de bitola larga de mais de
450 km. No entanto, continuaria sendo citada, por conta das obras
no trecho Brasília - Pires do Rio — embora as características
desse trecho dificilmente pudessem ser consideradas compatíveis
com trens rápidos de bitola larga.
Quanto à ligação Brasília-Pirapora
(EFCB) — « a ser realizado simultaneamente
com o alargamento do trecho daquela ferrovia entre Belo Horizonte
e Pirapora » —, Israel Pinheiro informava que os
serviços « se acham atacados numa extensão
de 90 km, dos quais aproximadamente 60% com terraplenagem e obras
de arte corrente concluídas ». Tratava-se,
na verdade, de trabalho realizado pelo DNEF, e que vinha se arrastando
havia anos, entre Buritizeiro e Paredão de Minas, no rio
do Sono. [O alargamento da bitola
de fato se realizou, talvez pela própria Central do Brasil,
até Sete Lagoas(?)].
A 3 set. 1957 — com novo atraso, portanto — a Novacap foi autorizada
a « realizar concorrência administrativa para
a execução dos serviços de terraplenagem e
obras de arte no trecho ferroviário Brasília - foz
do rio Saia Velha [Brasília-Surubi],
comum às linhas Brasília-Pirapora e Brasília-Colômbia ».
Os trabalhos começariam no mês seguinte.
O balanço de 30 nov. 1957 confirmava que o trecho Brasília-Surubi
finalmente estava sendo feito. Surgiam então alguns dados
mais exatos: teria 86 km e, embora dimensionada para bitola mista,
receberia trilhos apenas em bitola métrica, numa primeira
etapa, para adiantar a conexão com a RMV
e a Cia. Mogiana. A linha até Pires do Rio teria « aproximadamente,
230 km ». A expressão denota que o estudo
do segundo trecho ainda não estava completo.
Apareciam também os primeiros detalhes da linha de Pirapora,
« cujo traçado acompanha o rio Paracatu pela
sua margem direita, para atravessá-lo a montante do rio Preto
e atingir o planalto de Cristalina, que transpõe para atingir
o rio Saia Velha » [Surubi].
Quanto ao andamento, a Novacap estava « executando
os trabalhos de terraplenagem e obras d'arte correntes entre Pirapora
e o rio do Sono, os quais ficarão concluídos, numa
extensão de 72 km, em 3 de maio de 1958 ».
O informe atribuía 650 km ao percurso Colômbia-Brasília;
e 490 km ao trajeto Pirapora-Brasília.
Três meses depois, em sua mensagem ao Congresso (15 mar.
1958), JK informava a extensão exata dos trechos: Brasília-Surubi
(86 km), Surubi - Pires do Rio (146 km) e Surubi-Pirapora (410 km);
total: 1.080 km. Restariam 438 km para o trecho Pires do Rio - Colômbia,
ou 670 km Brasília-Colômbia.
Na ligação de Pirapora, segundo JK, os trabalhos
« vêm sendo atacados numa extensão de
90 km, dos quais já se concluíram aproximadamente
80% com terraplenagem e obras d'arte correntes »
— mera atualização do relatório da Novacap
(de "60%" em 30 jun. 1957 para "80%"
em 31 dez. 1957), apropriando vários anos de trabalho lento
do DNEF.
O melhor retrato do que realmente havia sido possível até
o final de 1957 talvez estivesse resumido numa frase sobre o estágio
em que se encontravam os estudos — « A Divisão
de Construção de Estradas de Ferro da Novacap, encarregada
desses serviços, até 30 de dezembro de 1957 executou
as seguintes tarefas: 426 km de reconhecimento aéreo; 95
km de exploração; 95 km de projeto; 95 km de locação »
— e em outra sobre as obras "atacadas" de fato — « 86
km de "grade" (Brasília-Surubi); 76 km de
"grade" (Pirapora - [Paredão]) ».
Um balanço divulgado em 30 jun. 1958 — dia de várias
inaugurações em Brasília — apresentou os primeiros
resultados concretos da Novacap na linha de Pirapora, descontando
o que havia recebido pronto do DNEF: « Entre Pirapora
e Paredão (rio do Sono), trecho com 78 km de extensão,
dos quais se encontravam no "grade" 36 km ao serem
os trabalhos transferidos, foram realizados, de 1º de julho
de 1957 a 30 de junho de 1958, (...) Terraplenagem: 498.600 m³;
obras de arte corrente: 22, com um volume de 3.500 m³ de concreto.
(...) do volume escavado, 65% foram em rocha, uma vez que o material
menos resistente já havia sido escavado anteriormente. »
Na outra frente, « no trecho Brasília-Surubi,
com 86 km de extensão, com o volume de escavação
avaliado em 5.000.000 m³ e cujos trabalhos se iniciaram em
outubro de 1957, foram realizados (...) Escavação:
3.900.000 m³; obras de arte corrente: 20, representando um
volume de concreto de 1.300 m³ ».
Nos dois trechos (sem discriminar), haviam sido gastos Cr$ 204
milhões.
Quase 4 meses depois (18 out. 1958), o Presidente aprovou o projeto
e orçamento, no valor de Cr$ 660 milhões — ainda não
para o trecho seguinte, mas — « para a construção
do trecho ferroviário de Brasília a Surubi ».
A obra não havia esperado pelo projeto e, muito menos, pela
aprovação do orçamento
Só em 31 jan. 1959 o Presidente aprovou o projeto e orçamento
para construção do trecho Surubi - Pires do Rio, no valor de Cr$
2 bilhões e 202 milhões. Com o dobro da extensão do primeiro
trecho [Cr$ 7,7 milhões / km], o
valor triplicado do segunto trecho [Cr$
15,1 milhões / km] tanto poderia indicar aumento de custos
(inflação), como uma margem para suprir insuficiência de verba
no primeiro trecho.
A mensagem presidencial de 15 mar. 1959 ampliou as informações
sobre as obras ferroviárias, refletindo as definições
que emergiam com o avanço dos estudos até o final
de 1958.
Na linha de Pirapora — reafirmada como « o tronco
principal da ligação ferroviária de Brasília »
— o traçado adquiria nitidez, após « as
correções introduzidas » no « primitivo
projeto de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil »:
271 km de Brasília [Surubi]
a Entre-Ribeiros (reconhecimento realizado); e 130 km de Entre-Ribeiros
a Paredão, no rio do Sono (reconhecimento realizado; exploração
e projeto em andamento). De Paredão a Buritizeiro (78 km),
a Novacap prosseguia os trabalhos iniciados pelo DNEF
(sem alteração no traçado primitivo);
até o final de 1958 a terraplenagem havia atingido 626.868.541
m³, e estimava-se em 900.000 m³ o volume restante para
o preparo do leito, inclusive « as grandes reparações
exigidas pelos trechos concluídos sob a administração
do DNEF ». No ritmo ditado pelos recursos repassados
pelo DNEF
(orçamento), esperava-se concluir o trecho ao longo de 1959,
« com o leito no grade e todas as obras de
arte concluídas ». Fraca perspectiva, uma
vez que ainda faltariam quase 400 km — além dos dormentes,
lastro, trilhos —, restando pouco mais de 1 ano para a inauguração
da nova capital.
Na outra frente ferroviária, o balanço presidencial
ref. 1958 confirmava a conclusão do reconhecimento, exploração
e projeto dos trecho Brasília-Surubi (86 km) e Surubi - Pires
do Rio (161 km). Problemas: o volume previsto de terraplenagem havia
sido significativamente ultrapassado, « não
só por imposição do plano de urbanização
da cidade [Setor
de Mansões Park Way?], como pelo aumento imprevisto
do aterro das cabeceiras do córrego Saia-Velha, em decorrência
do racalque no terreno natural ». O volume escavado
havia somado 6.782.825 m³; e estimava-se que a conclusão
dos trabalhos de terraplenagem ainda exigiria um movimento de terra
de 1.900.000 m³ [O total subiria
portanto a 7,7 milhões m³, e tratava-se de apenas 1/3
da ligação ferroviária a Pires do Rio. A rodovia
Brasília-Anápolis,
com escavação de apenas 3 milhões m³,
vinha desempenhando função logística essencial,
como ligação à EF Goiás]. No
segundo trecho, Surubi - Pires do Rio, havia-se iniciado o desmatamento
do leito, e os serviços de terraplenagem haviam sido atacados
em janeiro, com uma estimativa de 8.000.000 m³. Na fraseologia
oficial, continuava sendo citado como parte « da linha
Surubi - Colômbia ».
Na soma das duas frentes de obras (sem discriminar), até
o final de 1958 haviam sido concluídos 556 km de reconhecimentos
defintivos e 247 km de locação de linhas com
projetos concluídos. Achavam-se « no grade,
em condições de receber o assentamento dos trilhos »,
108,420 km de leito.
O relatório da Novacap (18 abr. 1959) indicou movimentação
de 467.274 m³ no trecho Pirapora [Buritizeiro]
- Paredão, ao longo de 1958, com crescimento de 53% — o que
pressupõe 305.000 m³ no ano anterior; e 772.000 m³
no biênio. Uma vez que JK referia um trabalho total de 627.000
m³ desde 1º jul. 1957 (quando a Novacap assumiu a obra),
pode-se supor que em 1957 o DNEF teria movimentado 145.000 m³
no 1º semestre, e a Novacap 160.000 m³ no 2º. Apesar
da aceleração, Israel Pinheiro frisava o ritmo « nos
limites dos recursos disponíveis [orçamento],
fornecidos pelo DNEF ».
De fato, há um descompasso gritante, em relação
aos 6,8 milhões m³ movimentados no trecho Brasília-Surubi.
É verdade que já se haviam indicado diferenças
na composição de um e outro terreno. Mas continuavam
sendo frisadas diferenças também nas verbas — e reiterava-se,
com certa insistência, a apropriação do trecho
Surubi - Pires do Rio à conta da ligação Brasília-Colômbia;
bem como o fato de o trecho Brasília-Surubi ser comum
às três ligações previstas (Colômbia,
Pirapora, EF Goiás). Uma hipótese possível,
até óbvia, sugere verificar a eventual concentração
na aplicação de três verbas diferentes na única
ligação — à EF Goiás — que tinha alguma
chance de se completar em tempo razoável (embora dificilmente
antes da inauguração da cidade) e, de fato, avançava
em ritmo mais ou menos adequado ao prazo de 3 anos e 10 meses para
a mudança da capital [Outra
hipótese, impossível de descartar sem exame, diante
da campanha de denúncias da UDN, sugere verificar desvio
de verbas ferroviárias para a construção da
cidade, propriamente dita, ou outro pior. A movimentação
de terra goza de má fama, tradicionalmente, como item ideal
para maracutaias, devido à dificuldade de avaliação
que apresenta aos não-engenheiros, principalmente depois
que já não existe o terreno original para medição.
Neste caso, não seria a linha de Pirapora que estaria andando
devagar, mas o trecho Brasília-Surubi que estaria avançando
demais — apenas no papel. Enfim, o alegado recalque dos aterros
poderia ser questionado; mas é de se notar que após
um ano de consolidação pelo Exército, e meses
após a inauguração, ainda houve problemas com
os terraplenos, registrados na revista Estrada
de Ferro].
Em 21 ago. 1959, o presidente JK aprovava projeto e orçamento « apresentados
pelo Departamento Nacional de Estradas de Ferro » para o trecho
Paredão-Caatinga, de 52 km, na importância de Cr$ 565.500.000,00
[Cr$ 10,9 milhões / km]. Parece compatível
com o orçamento do trecho Brasília-Surubi [Cr$
7,7 milhões / km], considerando a inflação; e bem
inferior ao de Suburi - Pires do Rio [Cr$
15,1 milhões / km].
Em 14 dez. 1959 — faltando 4 meses para a mudança da capital
— foi anunciado que 20 mil toneladas de trilhos da Novacap haviam
sido entregues à RMV, por não haver « condições
de aplicação imediata » na ligação
Brasília - Pires do Rio [Segundo
divulgado, foram aplicados na reforma
do trecho Garças de Minas - Goiandira — especificamente:
270 km da linha Tronco, do km 825 em diante (Catiara-Catalão)
—, percurso obrigatório
de Belo Horizonte e/ou Rio de Janeiro até Anápolis].
O ritmo acelerado das obras no trecho Brasília-Surubi tinha
sido inútil — ficou isolado da EF Goiás, até
que se completasse o segundo trecho, Surubi - Pires do Rio.
A crítica da Revista
Ferroviária — quem entende de ferrovia é o DNEF
— talvez não baste para explicar por que, com mil demônios,
a Novacap decidiu começar a obra pelo final. Uma hipótese
lógica (a conferir) poderia ser, p.ex., a existência
de uma verba passível de liberação, enquanto
outra fizesse prever certa demora. Como o trecho Brasília-Surubi
era comum às três ligações previstas,
poderia ser iniciado com verba da linha de Pirapora — uma obra já
em andamento, e portanto com verba pré-existente. O trecho
seguinte, até Pires do Rio, só poderia utilizar verbas
das ligações à EF Goiás e a Colômbia
— verbas que talvez ainda não existissem, legalmente [A
verificar]. Outra possibilidade, que não exclui a
primeira, é que Israel Pinheiro considerasse inconveniente
abrir outra frente de obras distante de sua supervisão diária,
em Pires do Rio, a 230 km de Brasília.
Em sua última mensagem ao Congresso (15
mar.? 1960), ref. 1959, JK afirmou que na ligação
Brasília - Surubi - Pires do Rio já se encontravam
no grade 94 km — ou seja, Brasília-Surubi (86 km)
+ 8 km. Estavam concluídas 119 obras de arte (das quais 82
realizadas em 1959), incluindo 3 viadutos (total 114 m) em passagens
superiores de cruzamento da ferrovia com as rodovias Brasília-Anápolis
(Núcleo Bandeirante)
e Brasília - Belo Horizonte (SMPW).
Custo de 1957 a 1959: Cr$ 1.075.428.000,00 — menos da metade dos
orçamentos aprovados, que totalizavam Cr$ 2,862 bilhões
[Como hipotética alimentadora
de verbas desviadas para outras obras, mereceria o prêmio
de fracasso da década. Idem, como recipiente de verbas desviadas
de outras obras, como a linha de Pirapora, p.ex.: tinha verbas para
devolver em dobro].
Na linha de Pirapora, segundo JK, estavam no grade 66 km,
com 960 mil m³ de terraplenagem e 48 obras de arte concluídas,
das quais 27 em 1959. O destaque era a ponte sobre o rio Tobi, de
50 m de vão, com os pilares e encontros concluídos
em dezembro. Custo: Cr$ 195.673.000,00 — apenas 1/5 do aplicado
na ligação à EF Goiás.
Na soma, estavam no grade 160 km — contra 108,4 km um ano antes (dos
quais 36 km recebidos do DNEF já no grade, e alegadamente exigindo
reparação). Um avanço de 51 km em 1 ano, contra 72 no primeiro
ano e meio.
Pouco?
Ver o que conseguiu fazer a Mogiana.
Ao contrário das 2 frentes tocadas simultaneamente
por uma empresa sem infraestrutura nem experiência no ramo — como a Novacap,
no sertão de Minas Gerais e Goiás —, ali tratava-se da abertura
de variantes por uma empresa ferroviária de tradição, a cargo
de pessoal experiente e de competência admitida, equipamentos adequados,
apoio de uma via consolidada nas duas pontas de cada trecho, material rodante,
oficinas e almoxarifados distribuídos ao longo da linha, escritórios
em São Paulo e Campinas, agentes por toda parte, construindo sobre terreno
conhecido, em regiões de razoável desenvolvimento econômico
e densidade populacional. E tudo, fora de qualquer ingerência do governo
JK — controle absoluto do governo paulista (ou era "privada"?).
Miragem?
Poderiam todas estas cifras ser obra de prestidigitação?
Em suas pesquisas de campo, Pedro Paulo R. Rezende encontrou sinais
que parecem comprovar a abertura do leito de Pirapora a Paredão,
embora lance uma dúvida — mapas da USAF o indicariam 10 anos
antes da Novacap:
Com base em cartas de navegação da
USAF dos anos 40, vê-se que a linha foi aberta até
um lugar denominado Paredão de Minas. Em Pirapora, entrevistei
pessoas que me garantiram que a linha foi estendida até lá.
Alguns pilotos também dizem isto. O fato é que não
encontrei documentos da Central sobre a operação da
linha, apenas da construção. [Pedro
Paulo Resende, cf. Ralph Giesbrecht,
Buritizeiro,
no site Estações
Ferroviárias]
Os relatórios do governo (1946-1951) Dutra são pobres
em referências ao prolongamento da Central, de Pirapora
em diante. Délio Araújo
atribui a esse período um novo estudo e — apenas — reinício
das obras do prolongamento, que estava paralisado
em Independência desde 1922. Parece pouco provável
que o leito chegasse até Paredão ainda nos
anos 1940. Obras ferroviárias em regiões distantes
dos grandes centros litorâneos costumavam ser lentas, ao
sabor de verbas minguadas, dispersas entre múltiplas frentes
simultâneas. Além disso, o registro da transferência
para a Novacap, em 1957, fixou o alcance efetivo até aquele
momento: grade no km 36, a meio caminho de Paredão
de Minas (km 76); e até o final de 1959 avançou
só mais 30 km.
O último ano de JK e o período tumultuado de Jânio
Quadros e João Goulart pouco devem ter avançado; talvez
os 10 km de grade que faltavam para chegar a Paredão.
As obras foram devolvidas ao DNEF, transformado em autarquia; a
Revista Ferroviária aplaudiu,
mas dois anos depois reclamava da falta
de ferrovia. Hoje o leito rumo a Paredão virou rodovia.
Restam fotografias da obra — mas serão de 1959, ou de 1962?
« Obras de construção da ponte sobre
o rio Tobi, no prolongamento da
Estrada de Ferro Central do Brasil, além Buritizeiros, em
direção a Brasília »
[Revista
Ferroviária, "Estradas de Ferro do Brasil",
1962, p. 34
Acervo: José Emílio Buzelin (SPMT)
/ Pesquisa e digitalização: Chris R.]
Já o trecho Brasília
- Pires do Rio, iniciado do zero (ou melhor: do final), teria
90 km no grade após 3 anos de obra, ao final de 1959.
Será verdade?
O governo JK teve mais um ano, embora se possa imaginar que o ritmo diminuísse
após a inauguração da nova capital, que era o ponto de honra.
O curto governo Jânio Quadros (1961)
foi marcado por uma paralisação generalizada das obras no País
— principalmentel, Brasília. Pouco avanço pode ter havido no governo
João Goulart, marcado por disputas políticas dentro (e fora) do
Congresso, e sucessivas mudanças de ministério. A mensagem de 1962
mostra um ministério de visão histórica interessante na área
dos transportes, mas sem medidas práticas; a de 1963
fala em evitar dispersão e concentrar recursos em poucos projetos; só
na de 1964 parece emergir um
governo com metas, planos de trabalho e verbas — inclusive a ligação
de Brasília — mas já não teria 15 dias.
Portanto, se algo avançou na ligação Brasília
- Pires do Rio, entre 1960 e 1963, pouco deve ter acrescentado ao
que de fato foi feito (ou não) até o final de 1959.
Retomados os trabalhos no governo Castello Branco (1964-1965-1966-1967),
foi possível concluir o grade e efetuar o assentamento
dos trilhos em apenas 4 anos — apesar do corte de verbas e da política
econômica restritiva [Juarez
Távora, Missão cumprida].
Isso teria sido impossível, se o trabalho deixado pela Novacap
fosse fictício [Só
em 1968 a linha ficou consolidada, a ponto de dar passagem a alguns
trens, possibilitando a inauguração
festiva. O tráfego
comercial ainda exigiu 6 ou 12 meses.
Investimentos para viabilizar operação industrial
tornaram-se visíveis em 1970].
Surge outra versão
Em 1962, a Revista Ferroviária publicava diversas fotos
da « obra a cargo do 4º Distrito Ferroviário
do DNEF ». Numa virada que não deixa de ter
certa ironia — agora, era o DNEF que se atribuía trabalho
realizado pela Novacap — surge uma versão diferente.
Os mapas, que antes mostravam apenas as ligações
definidas pela Novacap [acima],
agora ressuscitam projetos anteriores [abaixo],
questionando o que havia sido decidido e iniciado no governo JK
(e às vezes até negando que se tivesse decidido ou
iniciado algo). A ligação Brasília - Pires
do Rio, p.ex., é apresentada como « a menos
racional de quantas foram pensadas, examinadas ou estiveram em cogitação,
segundo a opinião de técnicos ».
Mas parece necessário não reconhecer realizações.
Decreta-se que « Brasília foi erigida sem que
ninguém se preocupasse em dar-lhe acesso ferroviário »;
e que « só depois de Brasília inaugurada
(...) é que surgiram as primeiras medidas a respeito ».
Os autores de alguns artigos vão ainda mais longe: desde
quando surgiu a idéia da
nova capital, nunca se planejou — nem se avançou — qualquer
ligação ferroviária.
Ao mesmo tempo, a Revista Ferroviária publicava artigos
de diversos autores, onde esses planos — principalmente o de Frontin
— eram defendidos.
No ambiente exacerbado da época, a revista tornava-se campo
de uma luta funcional — engenheiros do ramo vs. arrivistas,
DNEF vs. Novacap —, sendo alimentada de informações
(e fotos) principalmente por um dos lados da questão. Afinal,
o sertão era longe; e os técnicos da Novacap, poucos.
As fotos, com toda probabilidade, faziam parte do acervo de documentação
da Novacap, repassado (no Rio de Janeiro) ao DNEF. Mas sempre se
pode dizer o contrário. Impossível, era o DNEF ter
feito tanto, no segundo semestre de 1962 — quando venceu o convênio
de 5 anos com a Novacap.
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As 3 vias
As três ligações ferroviárias
para Brasília, estudadas pela Novacap — à Cia. Paulista, à Central
do Brasil e à EF Goiás / RMV
/ Cia. Mogiana — já estavam definidas, na verdade, muito
antes da candidatura de JK à presidência da República.
Eram parte do planejamento
desenvolvido pelo marechal Pessoa — que soube consolidar
terreno, divulgando todas as decisões pela imprensa,
e solicitando colaboração dos mais diversos
órgãos federais e governos estaduais. O governador JK, de Minas,
desde 1954 estava convidado
a apoiar os esforços da CLNC.
Pessoa não ignorava o esforço de JK para localizar
a nova capital no Triângulo
Mineiro.
O marechal tampouco havia encontrado margem para excessiva
originalidade — exceto no caso da extensa volta da Cia. Paulista por Colômbia, que
além de não fazer parte do planejamento
anterior nem ter estudos prévios,
e exigir obra demorada e cara, era o oposto do « traçado
o mais directo possivel » proposto por Cruls.
Teria sido impossível ignorar o eixo RMV
/ EF Goiás, em linha direta
para o planalto central; ou a ponte da Central do Brasil em Pirapora
e as obras (ainda que lentas) do prolongamento para Formosa.
A questão se resumiria na escolha dos traçados
— e na prioridade a ser dada a cada uma dessas ligações
A transição
Empossado na Presidência (31 jan. 1956), quatro dias
depois JK recebeu o marechal Pessoa, que — nas palavras do Diário de
Brasília — « se fez acompanhar do senador goiano Pedro
Ludovico e do deputado Israel Pinheiro ». Na saída do encontro,
o marechal declarou à imprensa que o Presidente: (a) mostrou grande interesse
no planejamento já realizado para a edificação da nova capital;
e (b) manifestou a intenção de transformar a Comissão de
Planejamento em uma autarquia. Segundo o secretário do marechal, Pessoa
fez ao Presidente uma exposição do trabalho já realizado
e colocou o cargo à disposição; JK insistiu em que ele permanecesse
à frente da comissão.
Enviada ao Congresso a Mensagem de Anápolis
(18 abr. 1956), que propunha a criação da Novacap,
o marechal afastou-se em fins de maio. Dessa vez, evitou ver o Presidente;
seu secretário foi o portador de « uma longa
carta », entregue ao chefe do Gabinete Militar; e
o cargo foi passado a outro militar integrante da comissão;
o marechal tornava definitiva sua saída. Seu secretário
— o médico-pediatra Ernesto Silva — foi chamado ao Gabinete
Militar da Presidência da República e incumbido de
dar continuidade ao trabalho da Comissão de Planejamento
da Construção e da Mudança da Capital Federal,
enquanto se discutia no Congresso a criação da Novacap.
Em 13 jun. 1956, Ernesto Silva discutia no DNEF
as ferrovias que fariam a ligação com o futuro Distrito
Federal — « inclusive da possibilidade de serem realizados,
ainda em 1956, estudos e projetos para o prolongamento da EF Goiás
até o local da nova capital ». Portanto, embora
compartilhasse a preferência do marechal pela bitola larga
da Cia. Paulista e da Central do Brasil, parecia reconhecer a importância
da EF Goiás (métrica), já tão próxima,
como primeira linha de apoio.
Quatro meses depois (16 out. 1956), JK autorizou
a liberação de uma verba de Cr$ 5 milhões « para
estudos diversos e projetos de extensão de um trecho da Estrada
de Ferro de Goiás, do ponto mais conveniente de sua linha
até o novo Distrito Federal ». A essa altura,
a Novacap já estava criada, instalada e ativa.
No mês seguinte (7 nov. 1956), o DNEF
divulgava suas diretrizes (a discutir com a Novacap) para as ligações
ferroviárias à nova capital. Em linhas gerais, eram
as mesmas já definidas ao tempo do marechal Pessoa — mas
fixando a ligação da EF Goiás a partir de Anápolis,
num percurso de apenas 163 km dali até Brasília.
Seria uma obra econômica e relativamente
rápida, embora a volta por Anápolis encarecesse
(pouco) a operação e os fretes da bitola métrica
para a futura capital. A médio prazo, porém,
esperava-se que a maior parte do intercâmbio de cargas
e passageiros com os principais mercados industriais — Belo
Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo — se daria
pela bitola larga. A volta por Anápolis afetaria,
portanto, apenas o intercâmbio (considerado secundário)
com os mercados regionais atendidos pela RMV
e pela Cia. Mogiana [A fixação
em ligações ferroviárias diretas
era um velho cacoete colonial, invariavelmente orientado
para os portos, nunca para a interligação
de polos regionais (inclusive interiores) em rede. A mudança da capital
estadual de Goiás para Goiânia é ilustrativa:
criou-se nas mentes um problema,
pelo fato de a linha "tronco" da EF Goiás
não tocar a nova sede do governo. A solução
foi "desviar" o tronco ferroviário — construindo
uma nova linha para Goiânia — e transformar a linha
de Anápolis em "ramal". (Com Brasília,
o "tronco" tornou a ser desviado, e a linha de
Goiânia também virou "ramal"). Em
retrospecto, pode-se questionar a utilidade desse formato
em tridente, que favorece a ligação
direta de Goiânia e de Brasília com
o litoral, mas não entre si — nem com Anápolis,
que afinal continuou sendo o polo econômico regional.
Como resultado, o intenso trânsito de pessoas e mercadorias
entre Brasília, Goiânia e Anápolis até hoje precisa
ser feito exclusivamente pela rodovia — única alternativa
direta].
Ainda segundo o DNEF, a Central do Brasil chegaria
por Formosa, conforme planejado desde 1911; e o prolongamento da
Cia. Paulista era estimado em 766 km [exagero
ou erro de transcrição; a
distância em vôo reto é
de 450 km].
No balanço de 11 fev. 1957, o engº-chefe
do Departamento de Viação e Obras da Novacap afirmava
que os estudos para ligar Brasília à EF Goiás
e à Cia. Paulista seguiam em ritmo satisfatório.
É significativo o agrupamento das duas ligações
em um balaio só.
O prolongamento da Central do Brasil, segundo
relatava, « já tem seu estudo aerofotogramétrico
bastante adiantado » — outro sinal significativo,
uma vez que a linha havia sido estudada
desde a época de Paulo
de Frontin, com « rampa máxima
de meio por cento e raio mínimo de 500 metros ».
Agora, já não se falava em Formosa.
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