Agricultura, 1886
Título

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Plano geral de viação

Attendendo á vasta extensão do Imperio, patenteiam taes algarismos quam pouco importante é ainda o desenvolvimento das nossas vias ferreas, que, por emquanto, estão na maior parte circumscriptas á zona mais proxima do littoral.

É desolador o quadro que representam as nossas estradas de ferro, ao vel-as traçadas na carta geral do Imperio. Si, porém, as circumstancias da fazenda publica não permittem proseguir desassombradamente na construcção de estradas economicas que cortem o interior do Imperio nas direcções mais convenientes, não me parecem, entretanto, impedir que levemos a effeito a linha de Baté a Uruguayana, concluamos o prolongamento da estrada da Bahia até o rio S. Francisco, e estendamos a via-ferrea D. Pedro II até á secção francamente navegavel do rio das Velhas.

A primeira construcção formará o conjuncto das linhas estrategicas da provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, autorisadas pelo decreto legislativo nº 2.397 de 10 de setembro de 1873, e as duas ultimas, reunidas á inteira desobstrucção, que já vae adiantada, do rio S. Francisco até a estrada de Paulo Affonso, completarão, mediante dispendio pouco importante, um systema geral mixto de viação, que muito terá de concorrer para o desenvolvimento da zona por elle servida e conseguintemente para a prosperidade da fortuna publica.

Os erros que havemos commettido no traçado de algumas de nossas vias-ferreas, por falta de plano geral de viação, aconselham não encetar novas linhas sem prévios estudos no terreno, que nos habilitem sufficientemente a estabelecer aquelle plano, ao qual deverão ficar sujeitas todas as futuras construcções. Tão importante necessidade poderia ser attendida pela decretação de pequena verba para ser applicada aos mencionados estudos.

Na minha opinião, as linhas que, a traços largos, passo a descrever constituem um plano geral de viação, não só economico, mas apto para satisfazer ás nossas mais urgentes necessidades, no importante serviço das communicações internas.

Como sabeis, a Companhia Mogyana vai iniciar o prolongamento da sua via-ferrea desde o Rio Grande, que em breve será atravessado pela locomotiva, até o rio Paranahyba, nas raias da provincia de Goyaz. Conviria proceder, desde já, a estudos do ponto em que vai terminar a construcção da Mogyana, que nesse trecho goza da garantia de juros da provincia de Minas Geraes, até Jurupensen, na provincia de Goyaz, e pouco além da sua capital.

Essa linha, cuja extensão pouco excederá de 3[0?]0 kilometros, communicaria a capital do Imperio, não só para a provincia de Goyaz, mas tambem com a do Pará e outras do Norte, pois terminaria onde deve findar o serviço, já contratado, de navegação por vapor nos rios Tocantins, Araguaya e Vermelho.

A projectada estrada de Alcobaça, ligando o baixo ao alto Tocantins, estabeleceria communicação da côrte até a cidade de Belém, capital da provincia do Pará, por linha mixta de navegação fluvial e de estrada de ferro.

A companhia concessionaria da estrada de ferro Sorocabana, vencendo difficuldades que a principio se oppozeram ao seu desenvolvimento, prosegue agora em condições favoraveis, e pouco falta para attingir a encosta do planalto de Botucatú, onde a cultura do café, iniciada ha poucos annos, muito ha prosperado e promette prosperar.

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Os rios, que se originam na testa do planalto e levam suas aguas ao Paranapanema, abrangem nos seus valles terrenos de grande fertilidade, que vão sendo occupados e cultivados, contando-se já nessa importante região onze povoações florescentes. O deserto vae sendo dominado e as plantações de café estendem-se rapidamente até as margens do Paranapanema.

Terminando em Botucatú a linha da companhia Sorocabana, e carecendo esta de meios de prolongal-a sem auxilio do governo, penso que deveria o Estado mandar proceder a estudos para construcção de via-ferrea que, da cidade de Botucatú, se dirigisse pelos valles dos rios Pardo e Paranapanema á sua confluencia com o Tibagy, de onde se presta aquelle rio, mediante melhoramentos de pequeno custo, á navegação regular por vapor na extensão de 192 kilometros, até a sua fóz no Paraná.

Prestam-se tambem á navegação esse rio, o Ivinheima e Brilhante até o porto de Santa Rosalina, cerca de 790 kilometros da foz do Tibagy, segundo as explorações feitas pelos engenheiros Kellers.

Do porto de Santa Rosalina ao de Nioac, no Mondego, contam-se cerca de 130 kilometros, começando neste porto a navegação regular desse rio, que passa na villa de Miranda, collocada a 180 kilometros de Nioac, e ligada á capital de Matto Grosso por via fluvial.

Assim, com a construcção de duas vias ferreas, uma de Botucatú a Tibagy, com cerca de 350 kilometros, e outra de 130 kilometros, de Santa Rosalina ao Nioac, communicar-se-ha a capital do Imperio com a parte meridional da provincia de Matto Grosso.

Tão importante, quam urgente melhoramento, interessa não só a essa provincia, mas tambem ás do Paraná e S. Paulo, por isso que se prende á navegação do rio Paraná, acima de Paranapanema e abaixo do Ivinheima, e á dos seus affluentes Ivahy e Pardo.

Outro projecto que, tambem, entendo dever merecer vossa attenção é o da união das vias ferreas da provincia de S. Paulo á rêde do Rio Grande do Sul, por intermedio do prolongamento do ramal de Itapetininga, da estrada Sorocabana, atravessando a provincia do Paraná.

Esta linha central, além de servir a interesses estrategicos, satisfaz igualmente fins politicos e administrativos, pondo em communicação directa, rapida e segura, a cidade do Rio de Janeiro com todas as provincias meridionaes do Imperio e ainda com as fronteiras que o limitam da Republica Argentina. Cortando terrenos de notavel feracidade, segundo descripções de viajantes illustres que os têm percorrido, e devendo prender-se ao oceano pelos prolongamentos das linhas já construidas que delle partem, a grande arteria central do sul, abrindo novos horizontes á immigração, póde concorrer poderosamente para o desenvolvimento das zonas que atravessar.

Estudando, á vista do croquis junto, a posição relativa das estradas de ferro de Alagôas, Pernambuco, Parahyba e Rio Grande do Norte, vê-se immediatamente que, sendo pequenas as distancias que separam umas das outras, facil será a ligação de todas, constituindo-se dest’arte uma rêde de viação aperfeiçoada e mui importante, abrangendo as quatro provincias, servirá em geral aos seus mais ricos e productores valles, e ao mesmo tempo ás capitaes.

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Effectivamente, as linhas de Limoeiro e de S. Francisco, partindo da cidade do Recife, estendem-se, como dois grandes braços, ao norte e ao sul, na direcção das provincias da Parahyba e Alagôas; vindo de Maceió, pelo valle do Mandahú, ao encontro do braço do sul, a via ferrea da Imperatriz, e approximando-se do braço do norte a da Parahyba, pelo ramal do Pilar. Caminhando em sentidos oppostos, e na mesma direcção, as linhas do Rio Grande do Norte e Parahyba mais parecem dois trechos do mesmo tronco, destinado a ligar as suas capitaes, do que estradas differentes.

A extensão de vias ferreas construidas e em trafego nas quatro provincias, sobe a [730??] kilometros, sendo [179?] kilometros pertencentes ao Estado e 551 kilometros a cinco companhias, todas de capital garantido.

Por conta do Estado estão em construcção e acham-se quasi promptos 77 kilometros no prolongamento da estrada de S. Francisco e na de Caruarú. A companhia da estrada do Limoeiro já iniciou a construcção, sem garantia de juro, do prolongamento do ramal de Nazareth a Timbaúba, com 56 kilometros, e a da estrada da Imperatriz, em Alagôas, tem concessão provincial para o prolongamento do tronco na extensão de 30 kilometros proximamente, da cidade da Imperatriz á villa da Lage. No fim de pouco tempo, teremos assim 883 kilometros em trafego, porém destacados do modo seguinte:

1º Rio Grande do Norte:  
    Estrada do Natal a Nova Cruz 121 kilometros
2º Parahyba do Norte:  
    Estrada Conde d’Eu 121 kilometros
3º Pernambuco:  
    Estrada do Limoeiro 96 kilometros
    Prolongamento do ramal de Nazareth a Timbaúba 46 kilometros
    Estrada de S. Francisco pertencente á companhia ingleza 125 kilometros
    Prolongamento construido pelo Estado 103 kilometros
    Em construcção, idem 42 kilometros
    Estrada de Caruarú, idem 76 kilometros
    Prolongamento da mesma construcção, idem 35 kilometros
4º Provincia das Alagôas:  
    Estrada de Maceió a Imperatriz 88 kilometros
    Prolongamento concedido e contratado 30 kilometros
Total 883 kilometros

Para estabelecer a união de todas estas linhas, basta construir, segundo informações do engenheiro Silva Coutinho, cerca de 110 kilometros, isto é, 50 kilometros entre Nova Cruz e Independencia, pontos terminaes das estradas da Parahyba e Rio Grande do Norte; 30 kilometros prendendo os ramaes das estradas da Parahyba e Limoeiro, em Pernambuco; e 30 kilometros do prolongamento da estrada de S. Francisco á villa da Lage em Alagôas, onde deverá chegar a estrada da Imperatriz.

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A despeza com a construcção dos trechos de união não póde exceder de 2.420:000$000 á razão de 22:000$000 por kilometro. O terreno não offerece difficuldades e o material rodante, que possuem as diversas estradas, satisfará ás necessidades do trafego nas linhas de juncção, sendo melhor aproveitado pelo estabelecimento do trafego mutuo que, é natural, venha logo a realizar-se no interesse das companhias.

Com sacrificio relativamente pequeno constituirá, pois, o Estado uma rêde de 1.023 kilometros, abrangendo as quatro provincias e ligando suas capitaes.

Não é preciso encarecer as vantagens que deste melhoramento hão de auferir a administração, o commercio e a população em geral, bastando lembrar que, constituida a rêde, a influencia que exercem as estradas em cada uma das provincias se estenderá por todas, quadruplicando-se os beneficios deste grande instrumento do progresso.

A união entre as estradas do Rio Grande do Norte e da Parahyba e a fusão das respectivas emprezas é necessidade imposta pelos proprios traçados e condições especiaes das zonas que servem, dando por isso mais força á idéa da ligação de todas até Alagôas.

Separadas, como se acham, aquellas duas emprezas continuarão a lutar com grandes difficuldades, principalmente por causa da concurrencia do porto de Mamamguape, para onde se desvia a produção com que contavam nas suas estações terminaes, e proveniente da região que demora entre ellas. E ainda, no caso de desapparecer esse competidor, a posição de ambas só em parte melhorará, tendo de partilhar essa mesma producção, infelizmente pouco avultada.

Da fusão das companhias resultará immediata e apreciavel economia pela suppressão de uma das administrações, podendo o serviço ser desempenhado sem inconveniente pelo pessoal de uma dellas, depois da linha unificada. Tambem com melhor resultado será combatida a concurrencia do porto de Mamamguape, no rio do mesmo nome, achando-se toda a linha sob a mesma direcção, pois uma só casa exportadora estabelecida no ponto central proximo dos caminhos que vão a Mamanguape, e auxiliada pela companhia, concentrará com mais facilidade o commercio dos sertões visinhos, do que duas casas rivaes nos estremos actuaes das estradas. O trafego de mercadorias desenvolver-se-ha naturalmente e, em maior escala, o de passageiros, principalmente depois de unidas as estradas de Conde d’Eu e Limoeiro, ficando deste modo em communicação directa as capitaes de tres provincias, cujos interesses commerciaes se acham tão intimamente ligados.

Este systema de estradas não póde ficar separado por muito tempo do importante grupo de linhas da Bahia, que ora conta em trafego cerca de 1.000 kilometros.

A linha de união, que deve partir da estrada do Timbó a encontrar a de Alagôas com a extensão approximada de 350 kilometros, atravessará a provincia de Sergipe e o rio de S. Francisco, prendendo ali ao systema mais 313 kilometros representados pela estrada de Paulo Affonso e seu complemento fluvial. mediante a construcção deste trecho completar-se-ha a grande rêde de cerca de 2.700 kilometros, abrangendo seis provincias que contêm uma população superior de 3.000.00 de habitantes; e estabelecer-se-ha, depois de realizadas todas as linhas do sul, a ligação continua, por via ferrea e fluvia, da cidade do Natal, na provincia do Rio Grande do Norte, á de Uruguayana, na de S. Pedro do Rio Grande do Sul.

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Apezar de ser mais urgente e de mais facil execução a unificação das estradas de Alagôas ao Rio Grande do Norte, a entrada do grupo de linhas da Bahia na rêde geral não será tão dispendioso que justifique adiamento por muito tempo. Além disto, a provincia de Sergipe não goza ainda do beneficio da viação aperfeiçoada e póde bem manter uma estrada de ferro, não de 123:000$ por kilometro, como orçaram Hugh Wilson & Son, mas de 20 a 22:000$ no maximo, como deviam ser todas as do Norte, com raras excepções. Construida a estrada central de Sergipe e dispostos seus ramaes na direcção SO e NE, segundo convem, será mais facil, aproveitando estes, estabelecer communicação entre o extremo da linha do Timbó e o ramal da estrada de Alagôas, que vai ser construido, para o valle do rio Parahyba.

As linhas que constituem o plano geral de viação que á vossa apreciação e estudo offereço, são em synthese:

1º Prolongamento da estrada Mogyana, desde o rio Paranahyba até Jurupensen em Goyaz;

2º Construcção da estrada de Alcobaça, unindo o alto ao baixo Tocantins;

3º Prolongamento da estrada Sorocabana, de Botucatú á foz do rio Tibagy;

4º Construcção de uma estrada do porto de Santa Rosalina, no rio Brilhante, ao de Nioac, no Mondego;

5º Prolongamento da estrada Sorocabana atravez da provincia do Paraná e unindo a rêde de ferro-vias paulistas á do Rio Grande do Sul;

6º Ligação das diversas estradas do Norte do Imperio.

Não podendo as actuaes companhias encarregar-se da execução de taes linhas sem auxilio do Estado, e sendo meu parecer, pelas considerações expostas no anterior relatorio, e pelo que terei a honra de sujeitar-vos ao tratar da rêde com garantia de juro do Estado, que o mais insignificante auxilio não deve ser dado pelo Estado, sem que haja, por intermedio de seus agentes, procedido aos estudos definitivos no terreno e organisado o orçamento das obras, poderieis autorisar desde já os estudos das mencionadas linhas, incluindo no orçamento do Ministerio da Agricultura, Commercio e Obras Publicas pequena verba para ser applicada a este fim.

Á vista dos estudos feitos e dos respectivos orçamentos, deliberarieis, mais tarde, quaes as estradas que deveriam ser construidas em primeiro logar, bem como ácerca dos meios de levar a effeito as mesmas construcções.

Passarei agora a tratar das actuaes condições economicas das ferro-vias pertencentes ao Estado e por elle subvencionadas.

(...)

   

Agricultura, 1886
Relatorio apresentado á Assembléa Geral Legislativa (...) pelo ministro e secretario de Estado interino dos negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas
Rodrigo Augusto da Silva
Rio de Janeiro - Imprensa Nacional, 1887

Embora assinado e apresentado à Assembléia Geral Legislativa (Congresso Nacional) por Rodrigo Augusto da Silva, o relatório foi elaborado por Antônio da Silva Prado, que se afastou do cargo em 10 mai. 1887, dias antes da abertura dos trabalhos legislativos*.
 
*[alegadamente por ter sido feito Senador — e não convir que houvesse mais senadores do que deputados no gabinete Belisário-Cotegipe (conservador) —; porém, segundo Patrocínio, Prado e João Alfredo teriam se "retirado" para forçar uma solução do "problema servil" (abolição), "até maio" de 1888. De fato, Prado reassumirá o Ministério, após a Abolição, já no 3º mês do gabinete João Alfredo (conservador), em 27 jun. 1888; e um de seus primeiros atos, em 8 ago. 1888, será garantir juros ao prolongamento da Cia. Mogiana através do Triângulo Mineiro, até a divisa de Goiás (concessão provincial de Minas). Autorizado pela Lei Orçamentária de 24 nov. 1888 a garantir juros a mais de 20 ferrovias e prolongamentos, nesse mesmo dia assinará o primeiro decreto do pacote, garantindo juros a 2 prolongamentos da EF Sorocabana — em direção ao vale do Paranapanema, e em direção à futura linha para o Rio Grande do Sul, que também mandará estudar, por contrato com o engº João Teixeira Soares]

Neste trecho do relatório, Antônio Prado apresenta um verdadeiro "plano de viação", cujas diretrizes principais são:

  1. Suspender a concessão de novas ferrovias, enquanto não se fizessem levantamentos detalhados de toda a geografia física e econômica do país; e
  2. Enquanto isso não acontecesse, prolongar, de imediato, uma série de ferrovias paulistas — que, em tese, colocariam o Rio de Janeiro em comunicação com todas as províncias —, como a mais econômica solução, "apta a satisfazer" as mais urgentes necessidades de viação interna do país.

Troca de guarda

Para melhor compreender o contexto em que foi apresentado o "Plano Silva" — que não consta da maioria das histórias ferroviárias, como, aliás, tampouco vários decretos que o implementaram —, é interessante notar o falecimento do chefe da Diretoria de Obras Públicas, engº Honório Bicalho, organizador da única proposta de plano viário que se havia chegado a elaborar e apresentar no âmbito do governo imperial: o Plano Bicalho, de 1881, por iniciativa do gabinete Saraiva (liberal).

Desde fins de 1885 [pouco após a Lei dos Sexagenários], havia entrado para a equipe de Antônio Prado o engº Adolfo Augusto Pinto [convidado para o cargo de Engenheiro Fiscal do Ministério junto à São Paulo Railway], que o acompanharia pelo resto da vida, apresentando-se — em suas Memórias, já aposentado — quase como o estrategista da Cia. Paulista ao longo de 3½ décadas.

Até receber "com surpresa" esse convite de Prado, Adolfo Pinto encontrava-se em seu primeiro emprego: Engenheiro Fiscal da Província de São Paulo junto à Companhia Cantareira e Esgotos.

Esta concessão havia sido assinada por um governo provincial conservador, e conservador também era o presidente da concessionária, Clemente Falcão (de Souza) Filho [um dos fundadores e primeiro presidente da Cia. Paulista]. Em seguida, porém, havia subido à presidência da província o liberal Laurindo Abelardo de Brito, em cujo governo a Cia. Paulista sofreu 2 derrotas — para a Mogiana, na disputa por São Simão e Ribeirão Preto; e para a Ituana e o Barão do Pinhal, na disputa por Brotas e Jaú —, o que dá um quadro significativo da intensidade do enfrentamento entre grupos de interesses dentro de São Paulo: com essas derrotas, afastou-se a primeira diretoria da CP (1868-1880) e a província indicou-lhe um presidente inexpressivo, em cujo mandato (1881-1889) a ferrovia praticamente não abriria novas linhas [apenas 22 km, de 228 para 250, cf. Pinto, Adolfo: História da viação pública de São Paulo. Porém nenhum trecho novo é indicado na relação da Revista Ferroviária, suplemento anual Estradas de Ferro do Brasil, 1945].

No curto período em que trabalhou no governo (liberal) da província, Adolfo Pinto havia realizado duas façanhas de grande interesse: (1) Fugindo ao costume da época, de governo liberal fustigar conservadores e vice-versa, conquistou a confiança do ex-presidente da CP, Clemente Falcão (de Souza) Filho, fiscalizado por ele na Cantareira; e (2) Correndo aparentemente por fora da disputa entre CP, Ituana, Barão do Pinhal, liberais, conservadores etc., conquistou a concessão para a linha de Rio Claro a Araraquara (mais o ramal de Brotas, Dois Córregos e Jaú), que — em princípio — deveria constituir o prolongamento da Paulista. O gabinete Saraiva (liberal), decerto, não o tinha na conta de "conservador" engajado, ou jamais teria permitido que vencesse a concorrência.

Recém-formado e recém-empregado, participando da concorrência em conjunto com o irmão (também recém-formado) e um "capitalista" de perfil, no mínimo, discreto*, havia feito mais do que apenas entrar em briga de cachorro-grande, sem cacife visível, e sair levando o osso: renunciando aos "favores" correntes na época, acabou fazendo passar, desapercebida, uma cláusula equivalente a uma mina de ouro — e que nunca mais outro governo deixou passar, desde então.
 
*[Nas Memórias, Adolfo Pinto revela ter participado da proposta, também seu cunhado J. Pinto Gonçalves, mas sem aparecer formalmente]

Quando Antônio Prado reassumiu o Ministério da Agricultura, em jun. 1888, Adolfo Pinto foi "surpreendido" com outro convite: ocupar o cargo, até então inexistente, de Chefe do Escritório Central e Engenheiro Auxiliar da Diretoria da Cia. Paulista, onde Antônio Prado se lhe juntaria em 1892*.
 
*[O conselheiro Prado "residiu" na Europa durante o episódio da compra da Rio Claro Railway, em 1891, por um preço absurdamente elevado, que veio a ser integralmente pago pelos usuários, sem que a Cia. Paulista — ou seus sócios — desembolsasse um penny além da entrada simbólica, de menos de 1%. Apesar da oportuna proximidade, e de suas inegáveis habilitações, seu nome não apareceu no negócio: a Diretoria da Cia. Paulista, oficialmente, encarregou de entabular as negociações, em Londres, o literato Eduardo da Silva Prado. Assim, Adolfo Pinto — autor ostensivo da cláusula de ouro — poderá explicar o preço descomunal do negócio pela pouca familiaridade de Eduardo Prado — que por essa época escrevia libelos monárquicos — por sua pouca familiaridade com o mundo dos negócios práticos. Só em 1892 o conselheiro Antônio Prado assumiria, oficialmente, a presidência da ferrovia — em que pese o pequeno lapso de Francisco Monlevade, mais tarde (OESP, 26-2-1940), atribuindo-lhe o comando do processo (com "auxílio" do literato Eduardo) e o fecho da transação. De acordo com a literatura abonada pela CP do conselheiro Prado, a escritura de compra foi assinada em 26-3-1892; e ele só foi eleito diretor-presidente em 30-4-1892, tomando posse em 2-5-1892 (revista Ferrovia / livro Frateschi). || Sobre a "residência" do conselheiro Prado na Europa, no início da República: (a) Glicério "expediu aviso ministerial, datado de 18 de abril de 1890, concitando o conselheiro Antônio da Silva Prado, em viagem pela Europa, onde fixaria residência por certo espaço de tempo [para quê?], a colaborar com o Ministério, aprimorando a propaganda e proporcionando a vinda de imigrantes para o Brasil" (Glicério, Idéias políticas de); e (b) André Rebouças, "em 22 de junho de 1891, em uma carta igualmente dirigida a Joaquim Nabuco, os termos da sua ofensiva à política imigrantista da República brasileira já haviam sido muitíssimo ampliados, envolvendo, inclusive, a responsabilização de dirigentes de companhias de imigração, como Antônio Prado" (Carvalho. Quinto século)]

Planos, lances & autores

Os textos de Adolfo Pinto — incluindo as Memórias, no final da vida — não sugerem qualquer participação sua na elaboração do "Plano" deixado por Antônio Prado para ser apresentado por Rodrigo Silva, um ano após o falecimento de Bicalho e seu ingresso na equipe do conselheiro.

Tampouco registra uma única iniciativa ou idéia do conselheiro, em qualquer assunto estratégico, desde o momento em que tornaram a se reunir na Cia. Paulista (1892) até sua própria aposentadoria final da ferrovia (1927), após conviverem diariamente durante 35 anos, no longo mandato de Antônio Prado à frente da empresa (1892-1928). Todas as idéias e iniciativas são integralmente assumidas por Adolfo Pinto, ao ponto de alguém poder se perguntar o quê, com mil diabos, fazia o conselheiro na cadeira de presidente — exceto, naturalmente, lhe dar respaldo, em todas as situações, dia após dia, durante 1/3 de século.

Os textos de Adolfo Pinto não fornecem qualquer pista, enfim, sobre a fonte de inspiração da cláusula de ouro da Rio Claro Railway — elaborada e conquistada quando mal iniciava a vida profissional [em suas Memórias, no final da vida, admite a participação de um cunhado, J. Pinto Gonçalves, "engenheiro que se vinha distinguindo em várias comissões técnicas" (já em 1874), o qual, porém não assinou a proposta e, pelo visto, tampouco se destacou posteriormente] — nem sobre qualquer leitura, viagem ou curso adicional de economia ferroviária, gerência, contabilidade, estratégia, que expliquem o extraordinário diferencial que (alegadamente, por si só) imprimiu à Paulista, em confronto com todos os demais engenheiros, administradores e empresas ferroviárias, de São Paulo ou do resto do país.

Um aspecto desse profissionalismo gerencial, no entanto — observável no cuidadoso levantamento de dados estatísticos para embasar análises e decisões de forma objetiva — transparece neste relatório do Ministério, deixado por Antônio Prado para ser assinado e apresentado por seu substituto Rodrigo Silva à Assembléia Geral Legislativa.

Transparece também, quase no mesmo momento, quando o conservador pernambucano João Alfredo, então na presidência de São Paulo (1885-1886), encarrega uma comissão de realizar amplo levantamento estatístico da província. A comissão é presidida por Elias Antônio Pacheco Chaves [que em 1892, na presidência da Paulista, fecharia a compra das linhas da Rio Claro Railway] e movida, quase exclusivamente, pelo trabalho de seu membro mais jovem: Adolfo Pinto.

Baldeios & volteios

É interessante observar com que naturalidade Antônio Prado vê nas inúmeras baldeações (ferrovia / navegação) e mas voltas infindáveis uma solução "apta a satisfazer" as mais urgentes necessidades de viação do país.

No Nordeste, o resultado desse curioso plano improvisado foi uma linha norte-sul — formada de retalhos de linhas de penetração leste-oeste — que não apenas dá voltas e mais voltas, ziguezagueando entre o litoral e o interior, como sobe e desce centenas de metros, a um alto custo operacional, para ligar cidades ao nível do mar.

A ligação do Rio de Janeiro ao Belém, ao invés de tomar o rumo do norte, começaria por dirigir-se para São Paulo, mais ao sul, e dali a Campinas, onde se baldearia para a bitola métrica, seguindo então para Goiás, onde baldearia para a navegação do rio Araguaia; e mais duas baldeações no trecho encachoeirado de Tucuruí (estrada de Alcobaça, depois EF Tocantins).

Do Rio de Janeiro a Cuiabá, igualmente, bastaria ir a São Paulo, baldear ali para a Sorocabana até o Paranapanema, já na divisa do Paraná, baldear para um zig-zag descendo e subindo a correnteza até Rosalina, baldear para uma pequena ferrovia até Nioac, e novamente baldear para descer e subir a correnteza.

Desvio bem mais modesto, da projetada ligação ferroviária do Rio de Janeiro a Cuiabá, por Catalão (Goiás), 18 anos mais tarde (1904), fará com que Antônio Prado e Adolfo Pinto movam combate sem tréguas contra a construção dessa linha, sob o argumento de que aumentaria demasiadamente a distância de Cuiabá ao litoral [Não que, no final, se importassem de Cuiabá ficar sem ferrovia alguma — rumando os trilhos para Corumbá — o que obrigava a uma volta ainda maior, pelo rio Paragua,i para o sul, e uma baldeação para a ferrovia rumo ao leste].

Quanto às baldeações, uma das primeiras providências, na Cia. Paulista, foi justamente padronizar a bitola nas linhas principais — para eliminá-las.

Estudos prévios?

A proposta de "não encetar novas linhas sem prévios estudos no terreno" não impediria Antônio Prado de conceder, pelo decreto nº 10.069 (27 out. 1888), uma estrada de ferro do Pernambuco às repúblicas da Argentina e do Chile, atravessando as províncias que mais conviessem ao traçado.

Referências

 

Brasília nos planos ferroviários (DF)
Ferrovias concedidas do plano de 1890 | EF Tocantins | Cia. Mogiana | Ferrovia Angra-Catalão | EF Goiás | Ferrovia Santos - Brasília
O prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil | A ferrovia da Cia. Paulista | Ferrovias para o Planalto Central | Documentação
A idéia mudancista | Hipólito | Bonifácio | Independência | Império | Varnhagen | República | Cruls | Café-com-leite | Marcha para oeste | Constitucionalismo | Mineiros | Goianos | Projetos de Brasil | Ferrovias para o Planalto Central
 
  
    
 
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