Referências
Projetos para o Brasil – José Bonifácio
de Andrada e Silva – org. Miriam Dolhnikoff – Cia. das Letras, 1998
"(...) esse Bonifácio permanece
praticamente desconhecido, obscurecido pela pobre imagem oficial do 'Patriarca
da Independência'. A imensa quantidade de anotações
que deixou permanece, na sua maior parte, inédita nos arquivos.
(...) Até hoje, os textos de Bonifácio vieram a público
apenas através de três coletâneas (...). Mas, nos três
casos, apenas os textos oficiais foram reproduzidos. No entanto, é
somente pela leitura das suas anotações pessoais, transcritas
neste volume, que se pode vislumbrar todo o alcance do pensamento político
e social de José Bonifácio (...)".
Patriarca da Independência - José
Bonifácio de Andrada e Silva - org. Otávio Tarquínio
de Souza - Nacional, 1939 [reeditada em
1994 pela prefeitura de Santos: "A rebeldia do patriarca"]
Obras científicas, políticas e sociais
de José Bonifácio de Andrada e Silva - org. Edgard de
Cerqueira Falcão, Revista dos Tribunais, 1965
Obra política de José Bonifácio
- org. Octaciano Nogueira, Senado Federal, 1973
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Projetos para o Brasil
José Bonifácio
Memória à Assembléia Constituinte (1823)
Memória de José Bonifácio
apresentada à Assembléia Constituinte e Legislativa
do Brasil pelo deputado França, lida na sessão de
9 de junho de 1823 mas não transcrita nos Anais.
Parece muito útil, até necessário, que se
edifique uma nova capital do Império no interior do Brasil
para assento da corte, da assembléia legislativa e dos
tribunais superiores, que a Constituição determinar.
Esta capital poderá chamar-se Petrópole ou Brasília.
Disse que esta cidade era não só útil, mas
necessária, e vou desenvolver as razões em que me
fundo. Sendo ela central e interior, fica o assento do governo
e da legislatura livre de qualquer assalto ou surpresa feito por
inimigos externos. Chama-se para as províncias do sertão
o excesso da povoação sem emprego das cidades marítimas
e mercantis. Como esta cidade deve ficar, quanto possível,
eqüidistante dos limites do Império, tanto em latitude
como em longitude, vai-se abrir deste modo por meio das estradas
que devem sair deste centro como raios, para as diversas províncias
e suas cidades interiores e marítimas, uma comunicação,
e de certo criará em breve giro de comércio interno
da maior magnitude, vistos a extensão do Império,
seus diversos climas e produções.
Ainda há outro objeto político que aconselha essa
medida, muito útil e necessária, e vem a ser que
deste modo acabam todas as rivalidades e pretensões que
podem ter as capitais das diversas províncias, que não
querem ceder o direito da corte ao Rio de Janeiro. Demais, sendo
a comunicação marítima entre o Rio de Janeiro
ou mesmo Bahia, se esta passasse a ser a capital do Império
com os portos do Maranhão e Pará muito longe e dificílimo
por causa do lançamento e situação das costas
e pelas monções, todos esses embaraços e
dificuldades cessarão pelas comunicações
internas da nova capital por meio das estradas já montadas,
por onde circulariam em toda a prontidão e regularidade
as ordens do governo.
Mas onde acharemos nós este ponto central que corresponda
a todos os fins propostos? Examinando-se a costa geral do Brasil,
recolhidas todas as notícias topográficas que puderem
alcançar, eu julgo que a natureza já assinalou o
distrito em que ela se deve edificar. A comarca de Paracatu é
aquela que a natureza indica pela sua latitude e posição
geográfica, pela fertilidade do seu torrão, pela
salubridade do seu clima e pelas mais vantagens que oferece ao
comércio e à comunicação recíproca
das diversas províncias com a corte. Pelos muitos rios
que ali nasceu ou se cruzam e engrossam, pode ela ter comunicação
fluvial com as províncias de Goiás, Pará,
Maranhão, Pernambuco, Bahia, Porto Seguro e Espírito
Santo. Pelos rios Preto, Santa Maria e Paraná [Paranã]
pode-se passar ao Tocantins e vai-se ao Amazonas. Pelo rio S.
Francisco faz-se a comunicação com Pernambuco. Pelos
rios Jequitinhonha e Aruaçuaí [Araçuaí]
(os quais reunidos formam o chamado rio Belmonte), abre-se a comunicação
com a província da Bahia e do Rio de Janeiro.
Mas em que parte do distrito de Paracatu deve ser edificada esta
nova capital do grande Império do Brasil? A escolha final
do local só pode decidir-se exatamente depois de trabalhos
geodésicos e sanitários de uma comissão composta
de engenheiros, médicos e arquitetos que levante a planta
do terreno e examine as circunstâncias locais que o devem
fazer digno de tal categoria.
Todavia seja-me permitido apontar desde já algumas posições
particulares por onde devem começar este exame. Os sítios
que me parecem mais apropriados são: 1º, as vizinhanças
da confluência do rio das Velhas com o de S. Francisco;
2º, as vizinhanças em que o rio Preto se reúne
ao de Paracatu; 3º, finalmente, um local qualquer da península
que formam os rios de S. Francisco, do Ouro e de Paracatu.
Apesar da utilidade desta nova capital, nada teríamos
conseguido se não indicássemos os meios necessários
para a realização deste projeto; assinalar os bairros
que cada província deve edificar, ficando-se então
livre de vender ou arrematar esses prédios urbanos conforme
lhe parecer mais conveniente ou lucrativo. E como esta cidade
não se pode nem se deve edificar toda de repente, mas progressivamente,
os cabedais necessários vão também progressivamente
aparecendo e facilitando-se. Há um princípio de
economia que logo que se oferecem vantagens certas aos especuladores,
nunca faltam os cabedais precisos para semelhantes empresas. Igualmente
me lembro que sejam convidadas para edificar as ordens religiosas
que possuem fundos e as irmandades ricas que acharão um
emprego útil aos seus capitais.
Em suma, nunca faltam meios quando um povo rico e generoso, como
o brasileiro, toma a peito empresas de honra e utilidade nacional.
Pelas razões políticas e mercantis acima apontadas,
julgo que esta minha lembrança não desmerecerá
o benigno acolhimento das luzes e sabedoria da nossa Assembléia
Geral Constituinte e Legislativa do Brasil, mormente em um tempo
em que os espíritos, pela exaltação em que
se acham, desejam e precisam ser ocupados em empresas grandiosas
e utilíssimas.
Rio de Janeiro, 8 de junho de 1823
José Bonifácio de Andrada e
Silva
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