Relatório Cruls, 1894
Relatório da 1ª Missão Cruls

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Introducção

Quando, em Maio de 1892, o governo mandou nos chamar, afim de nos confiar a missão de explorar o Planalto Central do Brazil e n'elle demarcar a área que, segundo o que prescreve a Constituição, deve ser reservada ao futuro Districto Federal, e ahi ser opportunamente mudada a nova Capital da União, não nos illudimos a respeito da magnitude do assumpto, e ao mesmo tempo da responsabilidade que ia pesar sobre nós perante o paiz inteiro, aceitando tão honrosa quão espinhosa tarefa.

Agora que podemos dar por concluida a nossa missão, com a publicação do presente Relatorio, em que se encontram os resultados dos nossos trabalhos, convenientemente desenvolvidos, talvez não seja fóra de proposito mostrar que, procedendo á exploração e demarcação da área pelo modo e na localidade onde foi feita, procurámos seguir o espirito que animou o legislador quando inseriu na Constituição vigente o Art. 3º que reproduzimos á pagina 69 d'este Relatorio.

Não ha negar que os membros da Constituinte, ou melhor a Commissão dos 21, escolhida no seu seio, e a quem ficou incumbida a elaboração do projecto da Constituição, inspiráram-se nos trabalhos anteriores e já antigos de estadistas nacionaes de grande nomeada, sobre o magno assumpto da mudança da Capital do Brazil para algum ponto do interior do territorio 1[Vide ás paginas 27 a 29 d'este Relatorio a parte que trata do historico da questão].

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E este nosso modo de ver nos parece tanto mais fundado, quanto um dos autores do Art. 3º da Constituição, hoje, com assento no Senado Federal, publicou n'um dos mais importantes orgãos da imprensa diaria, uma serie de artigos sobre a projectada mudança da Capital, lembrando as diversas phases historicas da questão, e apontando a região do Brazil assignalada, por assim dizer, pela natureza como devendo um dia tornar-se a séde de uma nova Capital.

A Commissão não podia desconhecer, pois, as bases historicas, em que assentava este projecto, sob pena de desvirtuar o pensamento do legislador. Cabia-lhe, porém, toda a responsabilidade da escolha da zona de accordo com os fins que a Constituição tivéra em vista.

Esta responsabilidade, assimimol-a completamente, convencido de que a demarcação effectuada é a unica que corresponde ao desideratum que fôra susceptivel attingir.

Vejamos, em primeiro logar, qual o sentido das palavras do art. 3º da Constituição, onde se encontra a expressão planalto central do Brazil. É evidente que, por planalto central, se deve entender a parte do planalto brazileiro mais central em relação ao centro do territorio, isto é, mais proximo d'este. Esta é, indubitavelmente, a unica interpretação exacta da expressão planalto central que figura na Constituição. Admittindo isto, examinemos qual a configuração que apresenta o planalto brazileiro, cujas altitudes, segundo os geologos mais autorisados variam entre 300 e 1.000 metros ou superior a 1.000 metros. A unica parte, porém, d'este planalto, que nos interessa, é evidentemente a mais elevada, portanto, so trataremos d'aquella cuja altitude é de 1.000 ou acima de 1.000 metros.

Este planalto occupa grande parte dos Estados do Rio de Janeiro, e Minas Geraes, parte menor do de Goyaz, e extende-se, sob fórma de fachas estreitas, uma na Bahia, a léste do rio São Francisco, outra ao oeste d'este mesmo rio, até os limites do estado de Goyaz com os do Maranhão e do Piauhy, outra, finalmente, ao longo do littoral, em direcção ao sul, até o Rio Grande. Eis, em traços largos, a configuração geral do planalto brazileiro que nos interessa directamente.

D'este planalto, porém, a unica parte á qual cabe a denominação de central é aquella que se acha nas proximidades dos Pyreneus, no Estado de Goyaz, não sómente por ser, na realidade, a mais proxima do centro do Brazil, como tambem, por se acharem ahi as cabeceiras de alguns dos mais caudalosos rios do systema hydrographico brazileiro, isto é, o Tocantins, o São Francisco e o Paraná. Das tres fachas do planalto, que acima mencionamos, duas ha que, por serem evidentemente demais excentricas, não preenchem uma das mais importantes condições, a que deve satisfazer a região a demarcar, são: 1º aquella que se extende, ao longo do littoral, em direcção ao Rio Grande do Sul; 2º aquella que se acha a léste do rio São Francisco. A terceira facha, que se prolonga para o norte, entre os valles do Tocantins e do São Francisco, mais central do que as duas outras, tem por desvantagem, em comparação á região por nós escolhida, a sua posição em relação ao systema hydrographico constituido pelas grandes vias fluviaes, já mencionadas.

Na realidade, a mudança da Capital Federal, é assumpto tão importante que se liga directamente com tantos e tamanhos interesses da nação, que deve ser encarado pelos seus lados mais amplos. Não devemos nos limitar as condições actuaes da questão, mas tambem as condições futuras. Os grandes rios, que nascem na região do Planalto Central do Brazil, e por um capricho singular da natureza, têm suas cabeceiras, como que reunidas em um só ponto, estão na actualidade e infelizmente, incompletamente navegaveis, por achar-se o curso de suas aguas obstruido em muitos pontos. Devemos, porém, esperar que, com o correr dos tempos, ráie o dia em que elles virão a tornar-se navegaveis em todo o seu percurso; quando chegar este dia, e que um systema de vias ferreas ligar a nova Capital com os grandes rios, cujas aguas descem para o Norte, para o Sul e para Léste, então achar-se-ha realisada a palavra prophetica do visconde de Porto-Seguro, mencionada á pag. 28 d'este Relatorio.

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Por ahi vê-se que, de todo o planalto brazileiro, a parte que, a priori, podia ser considerada a unica que satisfizesse a dupla condição de ser a mais central e visinha das cabeceiras dos grandes rios, é aquella a que a Commissão restringio sua exploração, e onde demarcou a área reservada para o futuro Districto Federal.

Em summa, acreditamos que procedendo á demarcação na região onde a fizemos, correspondemos ao que o legislador tivera em mente, quando inseriu na actual Constituição o Art. 3º. E o nosso mode de pensar parece encontrar confirmação na propria resolução do Congresso Nacional, mandando agora proceder á fixação do local para a futura Capital da Republica na zona demarcada no planalto Central. Votando esta resolução, os Membros do Congresso, aliás os mesmos que, em 1891, mandaram proceder á exploração e demarcação da área no planalto central, sanccionaram e ratificaram com o seu voto, a demarcação feita pela Commissão. E tanto mais fundamento parece ter esta nossa convicção, quanto o mesmo Congresso rejeitou um projecto de Lei apresentado a 23 de Agosto de 1893 por diversos illustres deputados, propondo que o governo mandasse fazer os estudos de outra zona na região cortada pelas linhas de limites dos Estados de Goyaz, Bahia e Piauhy no planalto central e com o fim especial de para ella mudar a Capital da Republica.

Nutrimos pois a convicção de que a zona demarcada apresenta a maior somma de condiçõesfavoraveis possiveis de se realisar, e proprias para n'ella edificar-se uma grande Capital, que gozará de um clima temperado e sadio, abastecida com aguas potaveis abundantes, situada em região cujos terrenos, convenientemente tratados prestar-se-hão ás mais importantes culturas, e que, por um systema de vias-ferreas e mixtas convenientemente estudado, poderá facilmente ser ligado com o littoral e os diversos pontos do territorio da Republica.

1 de Julho de 1894

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No momento de darmos á publicidade o Relatorio contendo o resultado dos trabalhos effectuados pela Commissão Exploradora do Planalto Central do Brazil, não podemos resistir ao desejo de patentear a opinião emittida, relativamente á natureza e ao clima da zona demarcada, pelo sr. dr. A. Glaziou, actual administrador geral dos Parques e das Mattas do Districto Federal, e botanico da Commissão, incumbida dos estudos da nova Capital da União. O parecer de tão notavel naturalista residente no Brazil ha uns trinta annos, e cujos trabalhos scientificos são tão apreciados aqui como no estrangeiro, é effectivamente valiosissimo, e, como tal, será acolhido pelo publico com todo o interesse a que faz jús.

Transcrevemos, pois, adiante a opinião manifestada pelo sr. dr. Glaziou n'uma carta em resposta a algumas perguntas que lhe dirigimos por escripto, nas mesmas localidades que juntos explorámos depois de percorrermos mais de 700 [conferir] kilometros.

Carta de Glaziou (Novembro de 1894)

L. Cruls

Dezembro de 1894

   

Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil
Relatório Cruls
Rio de Janeiro, 1894
(Codeplan, Brasília, 1992)

1ª Missão Cruls – 1892-1893

Índice
Introdução
Carta de Glaziou
Índice das fotos
Relatório
Pessoal
Ferrovias e desenvolvimento


2ª Missão Cruls – 1894-1895

Instruções (1894)
Pessoal e itinerários
Trabalhos
Ferrovia Catalão-Cuiabá
Ofício Cruls
O local quase escolhido
Relatório de Glaziou


About Cruls

A via Cruls, by Pimentel
Louis Ferdinand Cruls

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Referências

1ª edição: 1894: H. Lombaerts & C., impressores do Observatorio: Rio de Janeiro. O conjunto completo dos mapas compõe um volume separado — Atlas dos itinerários, perfis longitudinais e da zona demarcada.

Antes, uma versão "parcial" havia sido apresentada ao governo e publicada no Diário Oficial da União (jun. 1893). Raramente é citado, por conter os mesmos dados do "Relatório completo", também conhecido como "Relatório Cruls".

2ª edição: 1947

3ª edição: 1957

4ª edição: 1984

5ª edição: 1987

6ª edição: 1992: Codeplan: Cia. do Desenvolvimento do Planalto Central / Governo do DF [Excluída a versão francesa. Inclui apenas 17 mapas selecionados do 2º volume (Atlas)].

Relatório & relatório

Trata-se do famoso "Relatório Cruls" (1894), referente à 1ª Missão Cruls (1892-1893), durante o governo Floriano Peixoto. Também indicado na época como "Relatório completo", para diferenciá-lo de outro "parcial", anterior (1893), publicado no Diário Oficial da União.

Porém, referências a um "relatório parcial" indicam, quase sempre, o da 2ª Missão Cruls (1894-1896), que nunca chegou a ter edição "completa", e aparentemente jamais foi reeditado.

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