Referências
Antologia do Correio Braziliense - Barbosa Lima
Sobrinho - Livraria Editora Cátedra, Rio de Janeiro / INL, 1977
Hipolito da Costa e o Correio Braziliense - Mecenas
Dourado, Rio de Janeiro, F. Bastos, 1957
Hipolito da Costa e o Correio Braziliense - Carlos
de Andrade Rizzini, São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1957
Diario da minha viagem para Filadélfia: 1798-1799
- Hipólito José da Costa, Rio de Janeiro, ABL, 1955
Narrativa da perseguição - Hipólito
José da Costa, Porto Alegre, UFRGS, 1974
O senhor do tempo - Luiz Egypto: Entrevista
com Sergio Goes de Paula, autor de Hipólito de Costa
(Editora 34, Rio, 2001)
|
|
|
Projetos para o Brasil: Hipólito da
Costa
Brasil
(Planos de colonização e de catequese e dificuldades
do Rio como Capital)
Correio Braziliense
vol. X, p. 373-377, março de 1813
Na gazeta do Rio de Janeiro de 2 de dezembro do ano passado,
achamos o seguinte anúncio.
"Saiu à luz Carta Régia de
5 de setembro de 1811, para o governador e capitão general
de Goiás, aprovando o plano do estabelecimento de uma sociedade
de comércio entre a dita capitania e o Pará; concedendo
vários privilégios aos acionistas; e dando várias
providências sobre a civilização dos índios
mansos e a respeito das nações Carajá, Apinagé,
Chavante, Cherente e Canoeiro; como também sobre a navegação
dos rios Tocantins e Maranhão, etc. (...).
Persuadidos como nós estamos de que o comércio
externo do Brasil não pode ter bases mais seguras do que
o mesmo comércio interno daquele país; e que os
inumeráveis rios que banham aquele fértil território
oferecem as maiores facilidades à exportação
dos produtos do interior; não podemos deixar de alegrar-nos
com todas as medidas tendentes a estes fins; e tal consideramos
a que achamos anunciada neste extrato da gazeta do Rio de Janeiro,
que acabamos de copiar.
A gazeta da mesma cidade, de 16 de dezembro passado, noticia
também que tanto a navegação do rio Belmonte
como a nova estrada aberta pela sua margem, vão sendo mui
freqüentadas, e que no mês de outubro subira para Minas-novas
o capital José da Silva Mariz e descera para Mugiquicaba
o capitão José Pacheco Rolim, conduzindo um grande
comboio de cargas de algodão; e além disto, que
aquela navegação cada dia se torna mais segura,
fácil e cômoda.
Os brasileiros nos permitirão lembrar-lhe, ao mesmo tempo
que louvamos estes seus esforços para o melhoramento do
Brasil; que eles conservam obstáculos à sua prosperidade,
que retardarão infinitamente os progressos da civilização
e da agricultura e comércio interno. E, por ora, faremos
menção de dois. Um é a má escolha
da sede do governo; outro, a falta de população
própria e conveniente ao estado atual do Brasil.
O Rio de Janeiro não possui nenhuma das qualidades que
se requerem na cidade que se destina a ser a capital do império
do Brasil, e se os cortesãos que para ali foram de Lisboa
tivessem assaz patriotismo e agradecimento pelo país, que
os acolheu, nos tempos de seus trabalhos, fariam um generoso sacrifício
das comodidades e tal qual luxo, que podiam gozar no Rio de Janeiro,
e se iriam estabelecer em um país do interior, central
e imediato às cabeceiras dos grandes rios; edificariam
ali uma nova cidade, começariam por abrir estradas que
se dirigissem a todos os portos de mar e removeriam os obstáculos
naturais que tem os diferentes rios navegáveis e lançariam
assim os fundamentos ao mais extenso, ligado, bem defendido e
poderoso império, que é possível que exista
na superfície do globo, no estado atual das nações
que o povoam.
Este ponto central se acha nas cabeceiras do famoso rio de São
Francisco. Em suas vizinhanças estão vertentes de
caudalosos rios, que se dirigem ao norte, ao sul, ao nordeste
e ao sueste, vastas campinas para criações de gados,
pedra em abundância para toda sorte de edifícios,
madeiras de construção para todo o necessário
e minas riquíssimas de toda a qualidade de metais; em uma
palavra, uma situação que se pode comparar com a
descrição que temos do paraíso terreal.
Desprezou-se tudo isto pela cidade do Rio de Janeiro; porque
já ali havia algumas casas de habitação,
comodidades para que algumas pessoas andassem em carruagens, um
mesquinho teatro, demasiado número de cantoneiras, para
o divertimento dos cortesãos; em uma palavra; porque se
evitava assim o trabalho de criar uma cidade nova e os incômodos
inerentes a novos estabelecimentos; e por estas miseráveis
considerações se roubou a S. A. R. o Príncipe
Regente a glória incomparável de ser o fundador
de uma cidade, a que afixaria o seu nome, fazendo-se imortal na
criação de uma vasta monarquia.
Não nos demoraremos nas objeções que há
contra a cidade do Rio de Janeiro, aliás mui própria
ao comércio e a outros fins; mas sumamente inadequada para
ser a capital do Brasil; basta lembrar que está a um canto
do território do Brasil, que as suas comunicações
com o Pará e outros pontos daquele Estado é de imensa
dificuldade e que sendo um porto de mar está o Governo
ali sempre sujeito a uma invasão inimiga de qualquer potência
marítima.
Quanto as dificuldades da criação de uma nova capital
estamos convencidos que todas elas não são mais
do que meros subterfúgios. A facilidade com que nos Estados
Unidos da América Setentrional se edificam novas cidades;
o plano que os americanos executaram de fundar a sua nova capital,
Washington, aonde não havia uma só casa, mas no
centro de seu território, é um argumento tirado
da experiência de nossos tempos que nada pode contradizer.
O segundo obstáculo que desejamos lembrar, sobre os progressos
de melhoramentos do Brasil, é a falta de população
conveniente às suas circunstâncias. Os únicos
estrangeiros que freqüentam agora o Brasil são negociantes,
a pior sorte de população que ali pode entrar; porque
o negociante estrangeiro que ali chega não possui outra
pátria senão a sua carteira e o seu escritório;
chega, enriquece-se e vai-se embora morar no seu país natal,
ou aonde lhe faz mais conta. Durante a sua residência temporária,
conforma-se, por prudência, com os usos estabelecidos, sejam
bons, sejam maus, tira todo o partido que pode, até da
ignorância dos naturais do país, e faz o que ele
chama o seu ofício, que é comprar por menos e vender
por mais.
A população estrangeira de que o Brasil necessita
é aquela que não recebe ao presente nenhum convite
eficaz, para ali entrar, e se estabelecer no país; e vem
a ser agricultores, artistas, mineiros, pescadores, homens de
letras, etc. Tudo isto se podia obter, com uma facilidade, de
diferentes países do mundo, com tanto que se lhes assegurasse
a liberdade de suas pessoas e o gozo imperturbável de suas
propriedades; não com meras promessas em papel; mas por
leis fixas e invariáveis, cuja observância fosse
demonstrada com fatos.
Mas a diferença das religiões? Até quando
reinarão as máximas de perseguição
e tirania da Inquisição? Não bastam os rios
de sangue que até aqui têm corrido, em nome da mais
branda e suave religião que jamais se pregou aos homens?
O espírito de tolerância, se é o mais útil
à prosperidade dos Estados; é inquestionavelmente
o mais conforme ao verdadeiro sistema do cristianismo. Adote-se
uma bem entendida tolerância e todas as dificuldades a este
respeito se desvanecerão.
Da Irlanda, Escócia e Holanda se podem obter excelentes
agricultores; da Inglaterra e França, artistas; da Alemanha,
mineiros; dos Estados Unidos, colônias inteiras de pescadores,
principalmente dos estados de Conecticut, Rhode Island e Massachussets;
homens sábios de todo o mundo; e este grande e precioso
aumento de população se pode obter sem a menor despesa
da parte do governo.
Sem dúvida que a formação de planos para
estes objetos requer, além de conhecimentos e um espírito
desabusado e sem prejuízos, assiduidade e grande trabalho;
sem dúvida a execução em todos os seus ramos
e circunstâncias particulares requer ainda maiores trabalhos;
mas nisso está o merecimento dos que governam. Que louvor
merecem eles, que agradecimentos esperam da posteridade, se não
fazem mais do que aplicar-se à rotina ordinária
do despacho de gabinete, que pode ser também ou melhor
executada por qualquer oficial da secretaria?
Tais homens são comparáveis ao barqueiro que conduz
o barco segundo a corrente da maré, movendo unicamente
o leme com quase nenhum trabalho; e ainda assim encabaca o seu
vaso, ao menor encontro de uma revessa inesperada.
|
|
|