Referências
Antologia do Correio Braziliense - Barbosa Lima
Sobrinho - Livraria Editora Cátedra, Rio de Janeiro / INL, 1977
Hipolito da Costa e o Correio Braziliense - Mecenas
Dourado, Rio de Janeiro, F. Bastos, 1957
Hipolito da Costa e o Correio Braziliense - Carlos
de Andrade Rizzini, São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1957
Diario da minha viagem para Filadélfia: 1798-1799
- Hipólito José da Costa, Rio de Janeiro, ABL, 1955
Narrativa da perseguição - Hipólito
José da Costa, Porto Alegre, UFRGS, 1974
O senhor do tempo - Luiz Egypto: Entrevista
com Sergio Goes de Paula, autor de Hipólito de Costa
(Editora 34, Rio, 2001)
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Projetos para o Brasil: Hipólito da
Costa
Revolução no Rio de Janeiro
(Do Fico ao embarque da tropa de Avilez)
Correio Braziliense
vol. XXVIII, p. 266-269, março de 1822
Recebemos em Londres notícias do Rio de Janeiro, até
a data de 19 de janeiro, e de Pernambuco, até 12 de fevereiro;
e importantes são sem dúvida, em todo o sentido,
essas notícias.
Chegou ao Rio de Janeiro a ordem das Cortes para que o príncipe
real regressasse a Lisboa; e aquela medida causou logo o maior
descontentamento em todas as classes de pessoas. A Câmara
foi com grande aparato representar a S. A. R. as perniciosas conseqüências
de sua retirada e requereu-lhe que não deixasse o Brasil;
o príncipe aquiesceu a isso, como não podia deixar
de o fazer, e o júbilo do povo mostrou-se universal, iluminando-se
toda a cidade por três noites consecutivas. As tropas de
Portugal não deram sinais do mesmo prazer; pelo contrário,
ameaçaram violência e, como eram em número
de 1.500 ou 2.000 homens, foi necessário ajuntar as milícias
do país para se lhes opor. Com isso se retiraram aquelas
tropas ao Castelo, aonde se fizeram fortes; mas como viessem para
a cidade também as milícias dos contornos, julgaram
essas tropas mais prudente entrar em capitulação
e foram logo passadas para a outra parte da baía, até
estarem prontos os vasos que as devem conduzir a Portugal; naquele
sítio foram essas tropas européias cercadas por
um cordão das milícias do país e, pela parte
do mar, por três navios de guerra que se achavam no porto;
mas, no entanto, desertavam muitos soldados que, como é
natural, preferem ficar livres no Brasil a virem viver na penúria
em que seus camaradas se acham em Portugal.
Em Pernambuco sucedeu semelhante cena; porque aos 28 de janeiro,
quando ainda se não sabia do que havia passado no Rio de
Janeiro, houve um ajuntamento dos chefes da tropa, clero e principais
habitantes, aonde se resolveu que as tropas portuguesas eram ali
desnecessárias e requereram à junta que as fizesse
embarcar sem demora. A Junta conveio nisso e faziam-se preparativos
para o embarque dessas tropas européias.
Que dirão agora a isto os fautores do sistema de mandar
tropas de Lisboa para o Brasil? Incorreram as Cortes em despesas
com que a nação não podia, para mandarem
ao Brasil armamentos inúteis; porque com um assopro os
brazilienses os deitavam fora; e prejudiciais; porque só
eram tendentes a inspirar idéias de sujeição
com que se irritavam os ânimos daqueles povos, já
assaz dispostos a isso por tantos erros que as Cortes têm
cometido.
Uma provocação mais, e os brazilienses darão
seu último passo para a independência; é natural
que, quando lá chegar ao Brasil, pela Constituição
que estão fazendo, o caso chegue a essa extremidade, que
será bem lamentável para Portugal.
Este fato de se encurralarem tão facilmente os 1.500 ou
2.000 homens de tropas européias que havia no Rio de Janeiro
e ficarem de quarentena na praia grande até as fazerem
embarcar prova bem o que nós dissemos, que a ameaça
de mandar tropas de Portugal para sujeitar o Brasil é o
ronco do cágado-guarte lage, que te parto.
Mas, isto provado, é preciso que no Brasil obrem com moderação,
que só lembrem desses erros que as Cortes têm cometido
para não os imitarem e, sobretudo, é preciso que
se lembrem no Brasil que uma independência intempestiva
lhes pode fazer mais mal do que bem.
A medida de requererem ao príncipe que ficasse no Brasil
e a aquiescência de S. A. R. a este requerimento traz consigo
conseqüências importantes, a que é necessário
atender com muita reflexão e madureza.
Está claro que este passo é uma formal resistência
ao decreto das Cortes, que mandavam retirar o príncipe
real; esse decreto era impolítico em mais de um sentido;
e por não considerarem isso, se expuseram as Cortes ao
dizer de se verem desobedecidas, o que será um golpe fatal
a seu poder moral no Brasil.
Mas se os brazilienses, imitando esse comportamento inconsiderado
das Cortes, derem também o passo inconsiderado de se declararem
independentes, expor-se-ão a que achem resistência
em algumas províncias aonde não há força
de Portugal, porque essa está claro que a não há,
mas a intriga e o espírito de partido podem causar fatais
desuniões.
Em conseqüência do decreto das Cortes para se criarem
Juntas governativas no Brasil, muitas das províncias já
formaram suas juntas e é natural que no Rio de Janeiro
se execute o mesmo. É pois sumamente indecoroso que o príncipe
real continue a residir no Brasil sujeito a uma Junta governativa
ou, pelo menos, sem ter algum comando geral no Brasil consistente
com sua alta dignidade.
Parece-nos, pois, que o modo mais prudente de conciliar as cousas,
no presente estado dos negócios, é formar-se no
Brasil um governo central provisório, a cuja frente esteja
o príncipe real, a quem prestem obediência as juntas
provinciais.
Este governo central não se pode formar a aprazimento
dos povos, sem que S. A. R. convoque deputados das diversas províncias,
principalmente das mais próximas, que os quiserem mandar:
o local desse governo provisório não deve ser o
Rio de Janeiro, mas algum no interior; e formado assim esse governo
central a aprazimento dos povos por meio de seus deputados; tal
governo provisório deve então entrar em correspondência
com as Cortes em Lisboa e assentarem nas bases de um governo permanente,
no qual se evitem os erros em que as presentes Cortes têm
caído.
Se os povos do Brasil refletirem sossegadamente na matéria,
verão que este comportamento moderado é o que mais
lhes convém; e as Cortes em Lisboa, se se despirem dos
prejuízos com que até aqui têm olhado para
o Brasil, , acharão que este meio de conhecer a vontade
dos povos é muito mais próprio do que o seguido
até agora, de dar ouvidos às representações
de governadores militares só inclinados a justificar seu
despotismo; ou crer a olhos cerrados nas vozerias de quantos mascates
europeus que fazem seu negócio nos portos de mar do Brasil.
Demonstrado como está que Portugal não tem forças
para subjugar o Brasil; que os brazilienses, todas as vezes que
quiserem, porão as tropas européias no andar da
rua, é claro que o Brasil só pode ser governado
pela opinião, e acedendo à vontade dos povos; o
que nos parece se conseguirá pelo modo que deixamos proposto.
Se outro melhor se propuser embora se adote; mas seguros estamos
que nenhum será bem sucedido se for fundado no princípio
errado, sobre que se tem obrado até aqui, de que o Brasil
se pode sujeitar com os poucos soldados que para ali se mandem
de Portugal; e muito menos com a suposição de que
os brazilienses são tão estúpidos que se
contentarão com chamar-lhes irmãos, quando tudo
quanto haja de empregos, grandeza e consideração
seja só para os irmãos de Portugal; o tempo desses
ópios, na verdade, está passado; é preciso
que as Cortes se convençam disto.
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