A localização da capital na
Independência
Constitucionais vs. Absolutistas
(1820-1824)
Flavio R. Cavalcanti
Vários fatores poderiam explicar a forma em geral vaga
e imprecisa das menções à ideia
mudancista correspondentes à época da independência
— abrangendo desde a Revolução Pernambucana de 1817
até a Confederação do Equador (1824), pelo
menos.
Um deles seria a construção posterior de
uma narrativa em torno de outra ideia — a
da independência —, valorizando símbolos como
o Fico (janeiro de 1822), o suposto brado do Ipiranga (setembro)
e a aclamação de D. Pedro imperador do Brasil
(outubro). A narrativa construída em torno
da independência procurou substituir as questões
que realmente se colocavam na época — governo constitucional,
autonomia dos governos provinciais, direitos dos cidadãos,
igualdade, liberdade (inclusive dos escravos, para horror dos
proprietários).
A partir da Revolução do Porto, tais perspectivas
pareciam emanar das Côrtes
portuguesas — às quais as províncias aderiram, uma
a uma, constituindo suas próprias juntas de governo —,
em oposição ao governo absolutista encarnado
no Rio de Janeiro, cujo príncipe regente resistia
a jurar as bases da Constituição.
Foi pela pressão da opinião pública, por exemplo,
que, três meses antes do Ipiranga, a cúpula do governo
e D. Pedro decidiram convocar — a contragosto — uma Assembleia Constituinte brasílica, de modo a assumirem
o controle de um processo que se prenunciava inevitável.
Essa pressão havia se manifestado por meio de uma Representação
do Povo do Rio de Janeiro — subscrita por 40% do eleitorado
— reivindicando, entre outras coisas, transferir a "sede da soberania brasílica"
para onde quer que se reunisse a reivindicada Assembléia
Constituínte (Côrtes).
Parece difícil ver nessa reivindicação um
desejo específico de mudança da capital — como sugerem
as resenhas da ideia
— e, ainda menos, de sua interiorização explícita.
Como observaria mais tarde Varnhagen, não era incomum que
uma Constituinte se deslocasse por diferentes cidades de um país,
como forma de ouvir diferentes interesses regionais, antes de
fixar o governo em uma capital — cuja escolha, aliás, não
passaria de um aspecto entre muitos, no processo de constituir
um país e seu governo.
A tônica da reivindicação referente à
"sede da soberania brasílica" estaria,
pelo contrário, no pacto constitutivo da federação
de províncias — e na precaução de manter
a Constituinte a salvo de um monarca absolutista, cuja
força militar concentrava-se no Rio de Janeiro. Na eventualidade de se ver obrigada
a retirar-se dali, a Constituinte levaria consigo a "soberania
brasílica" para qualquer outra cidade onde se
instalasse.
A personificação do Rio de Janeiro — sua
identificação com o absolutismo encarnado
na figura do monarca — fica evidente quando D. Pedro fecha a Constituinte,
em 1823, e as províncias do Nordeste proclamam a Confederação
do Equador em 1824:
Nós fiados na boa fé, que em 1822
inculcava o Rio de Janeiro, nos unimos com ele e demais províncias,
para formarmos um império, e termos uma constituição
formada em nossas cortes soberanas. Mas sendo nós enganados
do modo mais indigno, nos vimos sem representação
nacional [Frei Caneca, O Typhis
Pernambucano, nº XX, 3.6.1824, cf. Renato Lopes Leite. Republicanos
e libertários].
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