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O primeiro Catetinho
O 1º Catetinho, afastado da mata, junto ao campo de pouso provisório. O acesso aos cômodos do segundo piso
se dá por escada frontal e varanda corrida, de corrimão simples. Foto: Fontenelle, 1956.

Referências

« Esta casa, primeira construção
de Brasília, executada em dez dias,
de 22 a 31 de outubro de 1956,
foi a residência provisória do Presidente da República.
Participaram desta obra pioneira:
João Milton Prates, Oscar Niemeyer, César Prates, José Ferreira C. Chaves, Roberto Penna, Dilermando Reis,
Emídio Rocha, Vivaldo Lírio,
Osório Reis e Agostinho Montandon »
[placa de tombamento, cf. Silva:192].

A construção do Catetinho "em 10 dias" e a "surpresa" a JK, conforme descrito na época pela revista Visão (ao lado), contém uma dose de exagero e outra de desinformação.

Ignora, por exemplo, a escolha prévia do local, pelo próprio JK, e providências anteriores para melhoria do pequeno campo de pouso ali existente.

O artigo é, na verdade, um exemplo de como se construíam mitos e lendas enriquecedoras da aura de JK e da futura capital, com a participação entusiasta dos mais diversos profissionais, empresários e amigos, num amplo leque político, englobando da esquerda à "sociedade" mineira e carioca.

Acompanhado por uma comitiva de peso, que incluía um perplexo marechal Lott (ministro da Guerra), JK havia visitado o planalto central apenas 20 dias antes (2 Out. 1956). O pouso foi na pista Vera Cruz, onde hoje existe a Rodoferroviária. De lá, a visita se estendeu à colina (atual praça) do Cruzeiro — e rumou diretamente para a Fazenda do Gama, a 40 km de distância. O local já estava praticamente escolhido; a decisão de construir a residência provisória era caso pensado. [Aliás, a primeira visita de JK ao planalto central foi extremamente objetiva: entre 11h40 e 15h, decidiu com o ministro da Aeronáutica a localização do Aeroporto definitivo; com o diretor do DNER decidiu o início da estrada de Anápolis, ponta de trilhos da Estrada de Ferro Goiás; etc.]

Uma semana depois, em 9 Out., o Diário de Brasília assinalava o início de um novo campo de pouso provisório, «junto à Fazenda do Gama».

O palácio provisório só começa a ser registrado pelo Diário a 17 Out. 1956, uma quarta-feira, quando as providências para o Catetinho já iam bem adiantadas no Rio e em Belo Horizonte. A imprensa do Rio já falava do «palácio de tábuas» e do empréstimo de Cr$ 500 mil.

No dia seguinte (18),o Diário registra a primeira partida de material de Belo Horizonte, incluindo uma patrol e um grupo motor-gerador de 75 kVA. Nesse mesmo dia, Israel Pinheiro declarava à imprensa, no escritório da Novacap em Luziânia, que «já determinou» o início de várias obras — inclusive a «residência presidencial provisória».

A chegada, à Fazenda do Gama, dos primeiros caminhões com material para o Catetinho é registrada no dia 21, domingo; e no dia 22 o início dos trabalhos, com a limpeza da área.

Na quinta-feira, 25, é instalado o gerador. Chegam à Fazenda do Gama mais caminhões com materiais para o Catetinho, móveis e objetos, «inclusive aquecedor elétrico e geladeira, na qual se produz gelo em Brasília pela primeira vez».

Na véspera (24), o campo de pouso da Fazenda do Gama havia recebido um avião da FAB, com os oficiais que vinham inspecioná-lo. Segundo Tamanini, a pista era em rampa — «os aviões aterravam morro acima e decolavam morro abaixo». [Tamanini 1:181]

Uma vez aprovado o campo, no dia 27 (sábado) pousava uma revoada de aviões particulares, com visitantes da boa sociedade mineira.

Na outra segunda-feira, 29, o Diário registra que a residência «já está coberta e assoalhada. Instalam-se agora as facilidades de luz e água». No mesmo dia, inicia-se a instalação dos serviços de radio-telegrafia e radio-farol da Panair do Brasil. (A primeira linha comercial seria aberta pela Real Aerovias seis meses depois, já na pista do Aeroporto definitivo).

Há um churrasco a 1º de novembro para comemorar a "conclusão" da obra, mas só no dia 6 o Diário de Brasília registra que «conclui-se a construção do palácio provisório» e que «a construção durou pouco mais de dez dias».

O presidente JK volta à região em 10 de novembro (sábado), e encontra o Catetinho pronto. Dali parte para visitar os quatro primeiros acampamentos de barracas de lona (inclusive obras do Aeroporto definitivo), através de estradas já em cascalho e com pontes feitas para a passagem de máquinas pesadas e caminhões.

O 2º Catetinho

Conforme Ernesto Silva, o segundo Catetinho foi inaugurado seis meses depois, em Maio de 1957, tornando-se daí por diante a residência do Presidente e sua família, quando na cidade.

Não há registro no Diário de Brasília ref. Maio de 1957 [DB1:83-89]. No entanto, a segunda residência era necessária, pois nesse mês celebrava-se a primeira missa oficial de Brasília (houve outras antes), com grande número de convidados — inclusive a família de JK —, ao passo que o Catetinho original era ocupado em caráter permanente por Israel Pinheiro, Ernesto Silva, Iris Meinberg (diretores da Novacap) e alguns engenheiros, além de hóspedes eventuais.

Country Club

Inaugurado o Palácio da Alvorada (30 Jun. 1958), a primeira destinação dada aos Catetinhos foi incorporá-los a um "clube campestre" organizado à margem da rodovia Brasília-BH.

Essa destinação chegou a ser oficializada em 31 Jul. 1958, conforme registra o Diário de Brasília — que parece inverter a ordem, atribuindo a residência dos diretores da Novacap ao «outro» palácio provisório:

« Brasília Country ClubO presidente da Novacap entrega ao Brasília Country Club os terrenos e as benfeitorias que constituirão a sede e dependências da novel sociedade. Trata-se de 40 alqueires de terreno à margem do traçado da rodovia Brasília - Belo Horizonte, englobando a velha casa da Fazenda do Gama, a pequena usina elétrica e outras benfeitorias. Os dois edifícios, conhecidos pela designação de RP-1 e RP-2, são também chamados de Palácios-Provisórios. Um deles é o Catetinho, no outro se hospedaram personalidades ilustres e residiram o presidente e diretores da Novacap » [DB2:84-85].

Sphan

Quase 1½ ano depois (10 Nov. 1959), corrigiu-se a destinação do Catetinho, finalmente entregue ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan, atual Iphan) para ser preservado.

Em tempo

O engenheiro "Juca Chaves" não é o músico, famoso já na época, por sátiras como "Presidente bossa-nova".

   

Visão, 1959
« Catetinho nasceu num bar

Artigo publicado na revista Visão, edição de 20 dez. 1959
[cf. DB3:315-318]

« Numa de suas viagens a Brasília, no mês passado, JK presidiu a uma cerimônia que o tocou profundamente: a incrporação do Catetinho — sua primeira residência na futura capital do País — ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Para os homens que imaginaram e levaram a cabo a construção do Catetinho a cerimônia foi pretexto para toda uma cadeia de emotivas recordações. É que a casa pioneira tem uma história, alegre e aventureira, que pouca gente conhece.

« O Catetinho nasceu em mesa de bar, de um bate-papo que foi ganhando entusiasmo e consistência, até que um dia demarrou do Juca's Bar, no Hotel Ambassador, as palavras transformando-se assim na realidade de uma expedição pioneira. A mesa onde a idéia foi gestada entre goles de uísque — a grande mesa do fundo, no segundo andar do bar — lá está até hoje, recordando o feito com o apelido de Catetinho.

« Os donos da aventura

« O engº José Ferreira de Castro Chaves — Juca — foi o anfitrião da aventura. Há muitos anos ele imaginava um hobby: um bar moderno e confortável, no centro da cidade, onde pudesse beber do bom, bem servido, em companhia dos amigos. O bar, instalado no Hotel Ambassador, com o correr do tempo se tornou uma pequena instituição. Apesar de Juca pertencer a tradicional família pernambucana, foi a mineirada quem ocupou o local, desbancando, após a eleição de JK, os políticos nordestinos que ali tinham uma espécie de quartel-general. Na mesa de Juca, freqüentada por Oscar Niemeyer, João Milton e César Prates, Dilermando Reis e outros amigos, falou-se na preocupação presidencial, após uma viagem de inspeção à zona onde se ergueria a futura capital: o Presidente queria acompanhar os trabalhos desde o início, mas não sabia onde ficar.

« Rapidamente, a mesa concluiu que a solução era construir uma casa. A decisão topou com a dúvida de alguns descrentes. Mas a resistência dos céticos foi aos poucos sendo destruída. Alguém indagou: «Caminhão chega até lá?» «Demora, mas chega», foi a resposta. Chegando, estava resolvida a parada. No dia seguinte, Oscar já aparecia com o risco daquilo que seria a primeira residência presidencial em Brasília. Uma casa simples, mas confortável. Hoje, esse projeto se encontra também incorporado aos arquivos do Patrimônio Histórico e Artístico.

« Parte a caravana

« A planta de Oscar era a resposta ao desafio. Havia grandes dificuldades, entre as quais se incluía a necessidade de uma soma razoável para o financiamento da empreitada, mas ninguém pensou em desistir. A Novacap nesse tempo praticamente inexistia, e dela era impossível esperar apoio. César Prates e Juca Chaves avalizaram então uma letra de João Milton, que foi descontada na agência do Banco de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Emídio Rocha — o Rochinha, figura boêmia, compositor bissexto, autor de um belíssimo samba (Novos Rumos) que Sílvio Caldas gravou — foi o intermediário responsável pela rapidez e sucesso da operação financeira. Enquanto isso, Roberto Pena, de Araxá, aderia à idéia e propunha que se ganhassem 1.500 quilômetros de distância, fazendo partir de Araxá todo o material que ali pudesse ser reunido e adquirido.

« Do Rio, de avião, seguiriam operários especializados e chefes de turma. Posteriormente, caminhões transportariam o mobiliário, utensílios, roupa de cama. Dessa tarefa ficaram incumbidas as esposas dos expedicionários.

« O local de encontro era Luziânia nas vizinhanças de Brasília. A caravana deixou Araxá com um trator e uma patrol, pois havia trechos de estrada por consertar e outros até por construir. Outra providência que se revelou das mais sensatas foi incorporar à expedição um famoso caçador de Araxá — o velho Duca — que era subdelegado local. Duca, emérito caçador de perdizes (abundantes na região de Brasília), foi utilíssimo. Também no último momento dois voluntários preciosos se apresentaram: jovens radio-amadores de Araxá que, chegando a Brasília, montaram uma estação. Esta, além de orientar o comboio procedente do Rio, mantinha comunicação com todo o Brasil. Até JK, no Catete, foi certa noite surpreendido com o seguinte chamado: «Está falando Brasília, a futura capital do Brasil...»

« Desde o momento em que atingiu o sítio escolhido para construir o Catetinho — um lugar delicioso junto a um olho d'água — a caravana contou com a ajuda do pioneiro Bernardo Sayão, já contagiado pela aventura. O saudoso Sayão, muitas vezes, providenciou pão, cerveja e gelo para o pessoal. O gelo, principalmente, era sempre muito bem recebido, pois a turminha do Juca's não abria mão dos seus hábitos — bebericando o uísque cotidiano.

« Palacinho nasceu em dez dias

« O trabalho não foi brincadeira, mas em dez dias, com o aproveitamento de madeiras existentes na zona, a obra estava concluída. Também um campo de aviação, encascalhado, foi aberto, e no dia 1º de novembro onze aviões nele pousaram.

« O banheiro de JK foi instalado com água fria e quente, esta fornecida por um fogão caipira, de serpentina. No topo de uma árvore gigantesca, que funcionou à guisa de torre, foi instalado o reservatório de água. As noites, durante o período de construção, foram animadas: logo no segundo dia uma onça visitou a barraca de alguns operários, tendo sido corrida a tiros, coisa que não podia ser feita com os mosquitos, infelizmente. Mas havia o violão do mestre Dilermando, artista e compositor de renome, cineminha e até champanha. E como Juca Chaves frisou no discurso pronunciado por ocasião da solenidade de tombamento da construção, «o Catetinho foi, sobretudo, uma obra de alegria daqueles que acreditam no Brasil.»

« A alegria era o ingrediente indispensável à vitória da dura iniciativa. Agostinho Montandon, mais tarde falecido num desastre aéreo, contava sempre que chegara ao local sem camisa, pois esta se despedaçara durante a viagem, não resistindo ao continuado e violento atrito contra o encosto do assento do jipe. Esse espírito também ganhou os operários, muitos dos quais, após a conclusão do Catetinho, se incorporaram às obras de Brasília.

« Com a chegada do comboio que conduzia o mobiliário e petrechos, a casa foi guarnecida. Os móveis, modernos e bonitos, eram da Oca, uma galeria de Ipanema; as louças de Brennand do Recife; a roupa de cama e os colchões de molas foram também adquiridos no Rio; e havia ainda rádio e geladeira. Até um mordomo foi improvisado — o Tião, de Araxá, que hoje é dono do elegantíssimo King's Bar, de Brasília. O cozinheiro — no carregamento não faltou o equipamento todo de cozinha — chamava-se Batista, e fôra, durante vários anos, palhaço de circo de interior. Não teve muita sorte ao chegar: foi picado por uma jararaca, tendo estreado o soro da enfermaria de campanha da expedição.

« Surpresa de JK

« O Presidente tinha conhecimento do trabalho, mas jamais imaginara o que iria encontrar. Sempre pensara que se tratasse de uma espécie de acampamento confortável, no meio da mata. No dia 10 de novembro, chegou num avião Douglas, e os construtores o surpreenderam com o requinte de fazer com que o aparelho estacionasse ao lado da casa. Com o Presidente, viajaram Renato Azeredo, o coronel Lino Teixeira, o coronel Dilermando Silva, o jornalista José Moraes e vários assessores do Catete.

« JK não acreditou que a casa estivesse dotada de água quente, e foi preciso que César Prates o forçasse a colocar sua mão sob uma torneira para disso se convencer. Um almoço bem brasileiro — frango ao molho pardo e angu — aguardava o Presidente. À noite, após escutar o Repórter Esso, JK foi homenageado com uma serenata, com a apresentação por Dilermando Reis da primeira música composta em Brasília: Exaltação a Brasília. Era um samba: letra de Bastos Tigre (foi sua última produção) que Dilermando musicara durante a construção do Catetinho. César Prates, que escreveu um diário desses acontecimentos, cita a frase que ouviu do Presidente nessa noite: «Considero uma dádiva de Deus ter a oportunidade de construir Brasília.»

***

« Construída meses antes do advento do plano piloto, a residência que hospedou JK em suas idas a Brasília e foi morada oficial de Israel Pinheiro até junho de 1958, tendo sido posteriormente residência dos diretores da Companhia, ganhou da boca do povo o apelido com que entrou para a história: Catetinho. Um apelido carinhoso e simpático que sublinha a importância da aventura pioneira que a modéstia de seus personagens prefere narrar apenas pelo lado alegre e pitoresco.

« Assim, foi a decisão de um punhado de homens que permitiu ao entusiasmo de JK encontrar, desde a primeira hora, um local confortável de onde pudesse inspecionar o nascimento e crescimento de Brasília. »

Os dois Catetinhos, junto ao campo de pouso da Fazenda do Gama
Os dois Catetinhos, junto ao campo de pouso. Foto do livro História de Brasília
   

Bibliografia
braziliense

Conterrâneos Velhos de Guerra - roteiro e crítica - 7 Nov. 2014

Como se faz um presidente: a campanha de JK - 21 Ago. 2014

Brasília: o mito na trajetória da Nação - 9 Ago. 2014

Luiz Cruls: o homem que marcou o lugar - 30 Jul. 2014

Quanto custou Brasília - 25 Set. 2013

  

Bibliografia
braziliana

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Grande sertão: veredas - 29 Out. 2014

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• Tudo é passageiro - 16 Jul. 2015

• The tramways of Brazil - 22 Mar. 2015

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O segundo Catetinho, junto à mata
O segundo Catetinho, maior, junto à mata: varandas privativas, resguardadas por treliças de madeira.
Foto do livro História de Brasília
Cafezinho na Fazenda do Gama, na primeira visita de JK ao Planalto
Cafezinho na Fazenda do Gama, 2 Out. 1956.
Foto do livro História de Brasília
JK na mata onde seria construído o Catetinho
JK na mata onde seria construído o Catetinho,
2 Out. 1956. Foto do livro História de Brasília
Caminhões com material para a construção do Catetinho
Caminhões com material para o Catetinho na Fazenda do Gama,
fins de Out. 1956. Foto: Fontenelle.
Rádio-farol da Panair do Brasil na pista provisória da Fazenda do Gama
Radio-farol da Panair na pista provisória do Gama,
instalado a partir de 29 Out. 1956. Foto: Fontenelle.
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