Pedra Fundamental de Brasília - 1921-1922
Título
Anais da Câmara dos Deputados, 1922, vol. IV, p. 226-240,
sessão de 12 de setembro de 1922 [cf.
AH2:117-133]
O sr. Americano do Brasil — Sr.
presidente, enquanto no Rio de Janeiro, tomados de vivo
entusiasmo, cercados de cultos elementos de espírito
internacional e patrício, ao entono de palmas vibrantes
e de aclamações generosas, celebrávamos
a passagem do primeiro centenário da Independência,
no planalto central de Goiás, naquele formoso rincão
de minha terra natal, uma outra comemoração,
homenageando o sol de 7 de setembro, não menos suntuosa
e patriótica, tinha lugar, a da centenária
lembrança da edificação da capital
no interior do país, traduzindo-se no levantamento
solene de sua pedra fundamental, nos termos do Decreto
nº 4.494, de 18 de janeiro deste ano.
A velha aspiração remonta, em verdade, a fases anteriores
ao grande acontecimento político de 1822 mas, deve-se dizer,
foi um magno tema que tomou foros de propriedade com os formosos
conceitos da brilhante propaganda liberal, tendo sido oficializada
no seio carinhoso e inteligente da junta provisória de São
Paulo em 1821 e em 1822, pela primeira, vez apresentada em indicação
na régia côrte de Lisboa.
Almejo de tantas épocas, sonho de tantas gerações
passadas, de estadistas e de políticos notáveis, recebe
agora um vislumbre confortante de realidade: como que oficialmente
está anunciada a abertura de novo período ao patriótico
ideal, com a projeção do alicerce fundamental, a significação
perfeita da unidade de vistas concorrendo para sua completa transformação
em realidade.
Em todos os tempos os maiores vultos do cenário financeiro
do país, diante dos aterradores deficits, ao encarar
a situação aflitiva dos cofres públicos, têm
tido a visão da melhoria deste incômodo estado de coisas
com a transferência da capital para o centro; o Rio ficaria
descongestionado do oficialismo, só acalentando o ideal de
atingir a perfeição industrial, o centro culminaria
de trabalhos imprescindíveis para seu progresso, linhas férreas
prenderiam os quatro pontos cardiais do país à capital,
o comércio e a exportação salvariam as finanças
da República.
Neste momento, sr. presidente, nada impede o definitivo lançamento
dos alicerces da nova capital; todos os elementos estão de
acordo: o poder executivo, sancionando e após executando
a proposição referente ao reconhecimento oficial da
zona demarcada pelo sábio Luís Cruls e o lançamento
do marco inicial; o Congresso, aceitando e votando o aludido projeto,
encarecido nas Comissões de Justiça e de Finanças
com o concurso, respectivamente, do distinto representante paulista
dr. Prudente de Morais e do ilustre deputado paraense dr. Bento
de Miranda; os financistas, admitindo no alvitre proposto os pródromos
de novo futuro econômico; a imprensa, emprestando o vigoroso
auxílio de suas luzes e batendo palmas à patriótica
iniciativa.
São aplausos gerais e unânimes, sr. presidente, e
não vejo realmente a existência de nenhum óbice
a impedir o raiar almejado do novo sol, pressentido há mais
de século.
Comentando em sua edição de ontem, um dos mais vulgarizados
vespertinos cariocas o lançamento da pedra fundamental no
planalto goiano, fazia notar não existir nenhuma originalidade
na lembrança, que pode ser remontada aos dias da Independência.
Se é verdade incontestável que a ereção
do marco inicial da nova capital foi, ao que sabemos, pela
primeira vez tentada pelo projeto convertido em lei, de
que fui autor, com o nobre representante do Maranhão,
sr. Rodrigues Machado, também é certo não
oferecer dúvidas a justificada concessão de
cabelos brancos à idéia
da mudança da metrópole para as belas paragens
do hinterland. Os autores do projeto não podiam
ignorar esta última circunstância histórica.
(Apoiados).
O sr. Rodrigues Machado — Quando apresentamos
o projeto não tivemos intuito de reivindicar para ele qualquer
originalidade; queríamos apenas que fosse realizada a velha
e secular aspiração.
O sr. Americano do Brasil — A observação,
sr. presidente, relativamente à antiguidade do genial propósito
de transferir a capital do país excede à própria
moção de José Bonifácio, a quem inegavelmente
está reservado um lugar especial na significação
histórica da patriótica medida.
Será, sem dúvida, fazer justiça e homenagear
o passado, reviver os vultos e os fatos ligados ao memorável
desejo que tem prendido e irmanado, dentro do mesmo ideal, espíritos
nacionais e estrangeiros.
Desprezando antecedentes carecedores de base, iniciamos a página
de veneração ao passado recordando, de par os apontamentos
tomados a uma publicação portuguesa, que ao célebre
estadista inglês Pitt, em brilhante discurso sobre os destinos
das colônias portuguesas, coube aconselhar a fundação
de uma Nova Lisboa no interior do Brasil. O alto valor do
político de Inglaterra, e sua atividade, ao lado do papel
que essa nação principalmente em épocas vividas
exerceu sobre Portugal, parecem garantir a originalidade e o interesse
da medida proposta pelo grande estadista.
Mas foi certamente pela palavra do ilustre jornalista e
político lusitano H. J. da Costa Furtado de Mendonça
[Hipólito],
exilado em Londres, e conhecedor talvez dos planos anteriormente
traçados por Pitt, que o significativo ideal teve
grande repercussão na América, por intermédio
do Correio Braziliense, onde em luminosos artigos
advogava a importante causa, concitando o governo a operar
a retirada da caital para o interior do Brasil, ficando
os povos em aprazível situação junto
« às cabeceiras de grandes rios e ali
edificariam uma nova capital, começando por abrir
estradas que se dirigissem a todos os portos de mar »,
empresa fácil que só não iria avante
por « meros subterfúgios ».
Isto em 1808. E anos depois, tangendo as mesmas idéias,
definindo a latitude do novo núcleo social, opinava que essa
paragem estava « indicada pela natureza, na própria
região elevada do seu território, de onde baixariam
as ordens como baixam as águas que vão pelo Tocantins
ao norte, pelo Prata ao sul, e pelo São Francisco a leste ».
Era a visão do descalabro político e do abandono
da mineração que se apresentava ao espírito
esclarecido de Furtado de Mendonça, de envolta com as intrigas
do Paço.
Tal como hoje, mais de cem anos corridos.
Em 1810 o eminente conselheiro Velloso de Oliveira, em desenvolvido
memorial ao governo da metrópole sobre a administração
da província de São Paulo, combatia a colocação
da Côrte em porto marítimo, lembrando que a mesma ficaria
melhor em lugar são e ameno, longe do bulício e do
tropel indistinto de todas as classes.
À notável observação do chanceler,
mais tarde, em 1821, no período agitado da transformação
política, os próprios filhos de São Paulo deviam
juntar uma página definitiva: refiro-me à representação
da Junta Provisória, aprovada na sessão de 20 de outubro
de 1821, entregue aos deputados às Côrtes
de Lisboa, sendo justiça recordar que da referida junta faziam
parte Martim Francisco e José Bonifácio, este último
o patrono da causa patriótica.
Insinuava aquele documento a necessidade da edificação
de uma « cidade central no interior do Brasil para
assento da Côrte ou da Regência, que poderá ser
na latitude pouco mais ou menos de 15 graus », de
onde partissem « estradas para as diversas províncias
e portos de mar », favorecendo o « comércio
interno do vasto império do Brasil ».
Uma das interessantes achegas para a história desse secular
ideal teve sua gênese nas Côrtes
de Lisboa, em 1822, e partiu do ativo espírito de um deputado
ao parlamento português, cujo nome é ignorado.
Em trabalho intitulado « Aditamento
ao projeto de Constituição para fazê-la
aplicável ao Reino do Brasil »
desenvolve várias matérias em treze artigos,
sendo que o primeiro determina o levantamento da nova
capital no interior, com « a denominação
de Brasília ou qualquer outra ».
Justifica o aditamento « a necessidade e a prudência
do artigo. A necessidade porque o Brasil somente poderá ser
grande império reunido e povoado; e eis o que se consegue
com a nova capital. Ela fica 300 léguas, com pouca diferença,
ao norte e sul e quase outras tantas a leste e ao oeste 100; ficam,
portanto, suas relações com as províncias mais
apertadas, comunicável ao Pará, Maranhão, Rio
Grande e São Paulo e mais Províncias que para o futuro
se criarem pelos rios Paraguai e Amazonas; à Bahia pelo rio
São Francisco. A povoação se concentral no
local mais fértil do reino, entretanto, fica ao abrigo de
toda a invasão, em estado de defender e mesmo de expulsar
o inimigo quando se tenha apoderado de alguma cidade marítima,
ao alcance de rechaçar as pretensões dos vizinhos;
o que jamais será possível estando a capital em outro
qualquer ponto; e enquanto as circunstâncias não permitirem
outras medidas, uma só universidade em seus arredores bastará
a todas as Províncias. A prudência: porque este é
o único meio de evitar as rivalidades que se descobrem entre
as Províncias ». Sem discutir a situação
desta pretendida capital e seu futuro econômico, deixamos
referida a passagem como elemento histórico.
O citado documento, sr. presidente, termina com uma Advertência,
seguindo--se as três proposições:
1º A capital do Brasil será fundada
segundo o plano que derem três engenheiros, que devem ir escolher
o lugar mais próprio, eleitos pelos deputados do Brasil,
conforme o plano aprovado pelas Cortes;
2º Cada província contribuirá
com uma cota anual relativamente à sua riqueza para a fundação
da nova capital;
3º Estando concluído o paço
das Cortes, da Regência, da Junta Provincial, Cadeia, Igreja
e Quartéis etc., se passarão para ela as Cortes, Regência,
etc.
Foi esta a primeira vez, justamente um século no corrente
ano, que diante de um parlamento se propôs a resolução
do magno assunto, mediante bases que deviam ser mais tarde objeto
de sério estudo na Constituinte, produzido pelo alto senso
de José Bonifácio.
Na sessão da Constituinte do Império, de
9 de junho de 1823, o grande Patriarca da Independência,
o sábio que o velho continente cercara de uma auréola
prestigiosa, entregou à mesa seu erudito memorial,
endereçado desde logo às respectivas Comissões,
justificando ser « muito útil, até
necessário que se edificasse uma nova capital do
Império, no interior do Brasil, para assento da Côrte,
da Assembléia Legislativa, dos Tribunais Superiores
destinados pela Constituinte », lembrando
que a nova capital se poderia denominar Petrópole
ou Brasília.
Escrevia com autoridade o patriarca que « sendo ela
central e interior ficariam o assento do governo e o da legislatura
livres de qualquer assalto, ou surpresa, por parte dos inimigos
externos », acorrendo para aumentá-la e às
« Províncias do sertão o excesso de
povoação sem emprego das cidades marítimas »,
enquanto pela situação « eqüidistante
dos limites do Império, tanto em longitude como em latitude,
abrir-se-ia, por meio das estradas que deveriam sair deste centro
como raios para todas as Províncias e cidades marítimas
e interiores, uma vantajosa comunicação, criando-se
em breve tempo um giro de comércio da maior magnitude, visto
a extensão do Império, seus diversos climas e produções ».
Falando da igualdade em que ficariam todas as Províncias,
referindo-se ao local mais próprio para a edificação,
a fim de estabelecer este comércio pelo São Francisco,
Tocantins e Paraná, assegurava que « a escolha
do local só podia decidir-se exatamente depois dos trabalhos
geodésicos e sanitários de uma comissão composta
de engenheiros, médicos e arquitetos » e afirmando
o insigne patriarca que a construção da « cidade
não se faria de repente, mas progressivamente, com o aparecimento
progressivo dos cabedais », visto ser « um
princípio certo de economia que logo que se ofereçam
vantagens certas aos especuladores nunca faltam cabedais precisos
para semelhantes empregos ».
Pretendendo, sr. presidente, juntar tão faustosa idéia
às disposições da Constituinte, traçou
o conhecido memorial o plano mais completo a se poder desejar.
Infelizmente, os próprios sucessos políticos que
determinaram a letra da mensagem impediram seu cumprimento: as lutas
da independência apaixonaram os ânimos e preocuparam
todos os espíritos do governo e da Constituinte, logo após
dissolvida.
Em 1833, a requerimento do deputado Ernesto Ferreira França,
datado de 2 de julho, foi a memória de José Bonifácio
reimpressa, justamente quando surgia uma indicação,
cujos termos reviviam o antiquado desejo de transferir a capital
do país.
Sem dúvida, sr. presidente, um dos mais decididos apóstolos
da brilhante campanha no século XIX foi o insigne visconde
de Porto Seguro, o festejado autor da História do Brasil,
que em 1834 indicava o retorno ao velho problema, enumerando vantagens,
descrevendo as zonas mais convenientes, plantadas no centro do país,
junto às cabeceiras do Paraná, Tocantins e do rio
Preto. Sobejamente conhecido seu monumental trabalho dispenso-me
de comentá-lo.
Ainda o notável publicista em 1849, na primeira parte do
Memorial
orgânico e em 1850 na segunda, reduz à
perfeita lógica, a justos termos, a necessidade da
medida proposta, expondo as doze famosas razões,
que ficaram, como os mandamentos do decálogo, transformadas
em proposições de ordem social, econômica,
estratégica, financeira, etc.
Sr. presidente, o grande Varnhagen ampliou a obra do patriarca
da Independência fixando à perfeição
a zona do território nacional mais apta a conter
a nova capital, e mostraremos daqui a pouco que o notável
brasileiro selou com sua presença no coração
do Império as convicções do Memorial
orgânico.
Em 1875, a 10 de setembro, afirmava ainda o senador Jobim, aconselhando
a mudança da capital, que « até a política
indicava que fosse situada em serra acima », sendo
o Rio de janeiro « próprio para um depósito
comercial e não para ser capital do Império, que devia
estar em um lugar interno, onde houvesse mais segurança:
porque um couraçado inglês que queira esbandalhar esta
cidade entra pela barra com a maior facilidade, queima, destrói
e arrasa tudo ».
E após, o ilustre senador, segundo Varnhagen, descreve o
local propício à zona de eleição.
Sr. presidente, quase dois anos depois, em 1877, o visconde de
Porto Seguro, à procura da região ideal, batia as
poídas estradas dos bandeirantes, pois desejava conhecer
de visu a formosa região central, mencionada nas cartas
geográficas.
Ainda até hoje a gente mais velha do planalto guarda religiosamente
a lembrança da memorável e fidalga visita.
Lê-se de um trecho da carta,
conhecida na literatura, datada de 28 de julho, que, no parecer
do ilustre historiador, dois pontos, entre todos, no planalto central,
são distintos para a edificação: a « paragem
onde, a tiro do fuzil, se vêem uma das outras, as cabeceiras
dos ribeirões Santa Rita, vertente do São Francisco,
Bandeirinha, vertente do Amazonas pelo Paraná [Paranã],
e Sítio Novo, vertente do Prata pelo São Bartolomeu
e Paraná », ou então « a
chapada em declive, que forma o paredão ao nascente da lagoa
Formosa, a menos de uns cento e tantos metros antes de acabar a
subida do caminho que daí segue para o norte »
em direção à serra do Cocal.
Sr. presidente, recordando a plêiade ilustre que deixou seu
nome preso à iniciativa de elevado patriotismo, outro não
é meu desejo senão prestar-lhe uma justa homenagem,
mas o quadro ficaria incompleto se não lhe trouxesse as conquistas
da República, os nomes dos pro-homens da democracia, autores
da significação constitucional do art. 3º de
nosso Pacto Fundamental e da descrição científica
da futurosa região, destinada à edificação,
sendo que duas magnas figuras se impõem desde logo — Lauro
Müller e Luiz Cruls seguidos do ministro Antão Faria,
do marechal de ferro, de Antônio Pimentel, de Ernesto Ule,
de Eugenio Hussak, de Cavalcanti Albuquerque, dos inteligentes engenheiros,
hoje generais, Hastimphilo de Moura, Tasso Fragoso, Celestino de
Bastos, de nosso sábio Morize e de tantos outros, cuja cooperação
a pátria não poderá jamais olvidar.
Sr. presidente, o nobre ideal não poderia ser indiferente
aos grandes espíritos de 89, os legítimos herdeiros
dos sentimentos patrióticos do antigo regime: assim, ao cintilante
espírito de Lauro Müller, amalgamadas às proposições
de José Bonifácio e de Varnhagen, depois de memorável
campanha, deve-se lapidar doutrina do art. 3º da Carta constitucional
republicana, síntese do eloqüente trabalho evolutivo
da longa série mencionada.
Coube a um estadista de gênio receber com real carinho o
sábio dispositivo, concordando desde logo em conceder-lhe
pronto cumprimento.
Então, sr. presidente, o Marechal da República, secundado
pelo notável ministro Antão de Faria, mobilizou a
Comissão do Planalto, de que foi chefe o sábio Luiz
Cruls, a cuja memória o Brasil não prestou ainda todas
as homenagens devidas. (Apoiados).
Coisa rara: a Comissão era competente e desde logo se percebeu
que o encargo da demarcação dos 14.400 quilômetros
previstos na Constituição ficaria definitivamente
resolvido.
Entre os auxiliares do eminente cientista distinguia-se Ernesto
Ule, botânico de nomeada. E. Hussak, geólogo de reconhecida
proficiência. A. Pimentel, ilustre médico e higienista,
autor de várias excelentes contribuições para
o estudo do planalto.
De 1892 a 1893 duraram os trabalhos de demarcação,
cujo resultado são os três
belos relatórios, o pequeno, o médio e
o grande, onde, sob todos os aspectos, são permitidas
considerações sobre a importante zona alcançada
pela treinada Comissão, ou pelas pesquisas de seus
ilustres membros.
O sr. Napoleão Gomes — V. Exª
dá licença para um aparte que vem corroborar as afirmações
de V. Exª?
Estes estudos procedidos pela Comissão Cruls não
foram mais que a confirmação da célebre visão
do maior dos estadistas brasileiros, o grande Rio Branco, quando
já indicava supondo ser originária a idéia
da mudança da capital do Brasil.
O sr. Americano do Brasil — Como V. Exª
vê, estou falando sem consultar apontamentos; mas não
me é desconhecida a opinião de Rio Branco e até
posso ampliar a informação do nobre colega, dizendo
que a mesma foi lançada à margem da « História
do Brasil », de Varnhagen, indicando como soubera
de um colega a precedência da memória de José
Bonifácio, Constava esta referência histórica
das notas ligeiramente colhidas por mim, mesmo porque mostra que
um estadista...
O sr. Napoleão Gomes — A opinião
de Rio Branco é valiosa, porque se trata do maior estadista
brasileiro.
O sr. Americano do Brasil — ... como Rio
Branco, da altura de José Bonifácio e de Pitt, era
também favorável à mudança da capital
do Brasil.
Sr. presidente, aqui no Rio de Janeiro fala-se muito do planalto
central; mas o certo é que surge, no espírito da maioria,
como pura ficção; a própria imprensa diária,
que tanto tem agitado a questão nos últimos tempos,
ainda lhe não traçou todas as características,
empregando as tintas e os louvores que o planalto merece. Aduzirei
ligeiras notas.
O planalto central, ou melhor, a zona demarcada pela Comissão
Cruls, não é restrita, ou da mesma extensão
que o atual Distrito Federal. Excede-o dez vezes em superfície;
tem 90 quilômetros de largura e 160 de comprimento, o que
produz o total de 14.400 quilômetros quadrados. Sua população
pode ser calculada em 30.000 habitantes. Não é um
deserto, como muitos ainda supõem, infestado de animais bravios;
cobrem-na inúmeras fazendas de criação e dá
abrigo a várias centenas de milhares de cabeças de
gado vacum e outras espécies. Tem matas virgens por outro
lado e enormes riquezas minerais a serem exploradas.
A zona demarcada, tangenciando duas cidades, tem uma cidade, uma
vila e um distrito, respectivamente, Corumbá, Planaltina
e Descoberto.
O aspecto geológico do território, referido de passagem
por Saint-Hilaire e Castelneau, está cientificamente descrito
na monografia de Hussak, apensa ao Relatório
Cruls.
Em recente publicação, o dr. Antônio Pimentel,
que tantos volumes e escritos esparsos tem produzido sobre o planalto,
afirma que (...).
[seguem-se longas
descrições da geologia do Retângulo Cruls]
(...) entre as mais ricas do mundo em minerais de ferro de primeira
qualidade (...) particularmente a Bandeirinha, perto da Formosa
cerca de 15 quilômetros, e onde ainda existem os restos de
uma fundição extinta em meado do XIX século,
e de que tirei, em 1892, fotografia, depositada na Biblioteca Nacional.
(...)
Sobre o ponto de vista hidrográfico, departamento que deve
ser escrupulosamente estudado, informa o monumental relatório
que qualquer parte da área escolhida para a sede da capital
está apta a fornecer mais de mil litros de água a
cada habitante...
O sr. Dorval Porto — Para uma população
de quantos habitantes?
O sr. Americano do Brasil — ... em uma
população de um milhão de almas. (...)
A hulha branca é abundantíssima na região;
a cascata do Paranoá
com seus 639 milhões de litros em 24 horas, a do Saia Velha
com 85 milhões de litros, o salto de Itiquira
com 120 metros de altura, garantem a supremacia do fluido elétrico.
Não bastasse a hulha branca, a hulha verde é freqüente
principalmente ao sul da região demarcada, ond ehá
declives acentuados.
Em síntese, sob o ponto de vista hidrográfico, o
planalto ocupa um lugar especial e único na geografia do
Brasil.
Para lembrar e atestar a riqueza da flora planaltina é suficiente
reler Saint Hilaire, Pohl, Martius, não existisse o excelente
escrito monográfico de Ernesto Ule, botânico da Comissão
Cruls.
A bela e rica coletânea esteve exposta aqui no Rio de Janeiro,
no edifício dos Telégrafos, depois foi dormir o sono
da eternidade no porão do Museu Nacional.
(...)
Sr. presidente, vou adiantando nestas resumidas considerações
que já parecem enfadar a Câmara. (Não apoiados).
Para terminar direi que da patologia do planalto deu notícia
ainda A. Pimentel, do clima o ilustre Glaziou, da zoologia Cavalcanti
de Albuquerque, dos vértices e dos arcos de meridiano e paralelo
que fixam o planalto, Tasso Fragoso, Celestino de Bastos, Hastimphilo
de Moura e outros.
Sr. presidente, foi nessa formosa região que a 7 de setembro
o dr. Balduíno de Almeida, diretor muito provecto da Estrada
de Ferro de Goiás, comissionado pelo governo, levantou a
pedra fundamental da nova capital, no morro do Centenário,
da serra da Independência, designações de homenagem.
Não cabe aqui discutir o local, se o mais propício
da região para o início da cidade, a futura Brasília
de José Bonifácio. Divirjo da escolha, que não
aceito como definitiva, pois prefiro o tabuleiro do Descoberto.
Considero, porém, que um grande passo está vencido;
a pedra fundamental significa um princípio de ação,
um começo de construção. A nova capital está
iniciada.
O marco que sustenta a placa de inscrição será
de agora em diante um lembrete para os chefes da administração,
aos responsáveis pelos destinos do Brasil. Urge continuar,
excedendo a pedra fundamental. Tudo depende do governo, do Executivo;
o Legislativo já armou o presidente da República dos
meios necessários, resta a ação para que a
lei não fique como letra morta.
Todos estão de acordo: façamos a mudança urgente
da capital da República.
Sr. presidente, resta-me ainda ferir uma questão que está
seriamente preocupando a todos: a situação jurídica
da zona demarcada. E confesso que neste instante sou o menos competente
para tratar da matéria... (Não apoiados). Como
qualquer resposta conserva ligação estreita com o
projeto que vou submeter à apreciação da Câmara,
vejo-me obrigado a invadir seara estranha.
O art. 3º da Constituição da República
determina que, no planalto central, pertencerão ao patrimônio
federal 14.400 quilômetros quadrados, devendo ser oportunamente
demarcados, para o fim do estabelecimento da capital federal.
Pela redação do artigo a zona não está
fixada; o planalto central é extenso. A Comissão Cruls,
devidamente autorizada, realizou a demarcação em 1893,
não tendo sido aliás a mesma reconhecida oficialmente.
Quer dizer: a demarcação ficou como inexistente,
pendndo da voz do Congresso, segundo a doutrina do art. 34, nº
13 da Constituição brasileira. Em 1894, se não
me engano, surgiu um projeto ordenando escolhad e novo local; outro
projeto da mesma época, visando determinar o ponto do início
da nova capital na área demarcada, o que importaria na oficialização
do trabalho de Luís Cruls, não teve o competente êxito.
O terreno medido em 1893 continuava na situação primitiva.
Quase 30 anos depois, em dias do ano passado, o substitutivo Prudente
de Morais, oferecido ao projeto nº 680, marcou taxativamente
que a zona demarcada por Luiz Cruls era aquela em que se devia construir
o novo Distrito Federal.
Sancionado o projeto em 18 de janeiro deste ano, a área
referida transformou-se em Distrito Federal.
Ainda mais: tendo eu apresentado uma emenda ao orçamento
do Interior, para o ano vigente, criando quatro escolas primárias
no planalto, foi satisfação ver aceita minha proposição.
Isso se me afigura um ato de administração.
Não é só: o governo autorizou e já
foi executado, nos termos do decreto legislativo nº 4.494,
o lançamento da pedra fundamental.
É o começo da construção da nova capital.
Isto tudo vem mostrar que a União está considerando
o território como federal.
Eu tenho minhas dúvidas, sr. presidente. Será mesmo
federal a área demarcada? Não sei responder e para
provocar a manifestação da Comissão de Justiça
dirigo à Câmara o projeto que lerei adiante.
Se a zona é federal, não pode ficar em abandono;
é rica, é futurosa, deve ser adminsitrada; eu considero
essa administração um passo feliz para a mudança
definitiva.
Goiás necessita de uma resposta decisiva e se o governo
federal não pretende a administração, creio,
deve ser assentado um entendimento entre a União e o governo
goiano, a fim de que a administração local não
sofra soluções de continuidade.
Sr. presidente, eu entendo que administração federal
no planalto pressupõe o início da construção
da futura capital, para onde, estando tudo preparado, se transportará,
no mais breve tempo possível, a capital da República;
a ingerência da União no planalto será a título
de prestar os preparativos da mudança.
Não cogito, e quero deixar laro, da escrescência de
uma administração federal indefinida, sem objetivo
prático, dentro do território goiano; ninguém
lucraria, perderia meu Estado.
Neste caso, reconhecido o território como federal, opino
pelo acordo previsto no art. 2º do projeto, mas esperando também
que a União promova a ligação do território
aos portos de mar, nos termos do Decreto nº 4.494.
A questão, é preciso compreender, não pode
ficar onde está: urge uma deliberação de urgência.
Esta é, e não pode ser senão a mudança
da capital, já por meio de capitais estrangeiros que não
faltarão ou mesmo nacionais.
Não se afigure a questão financeira das mais difíceis:
nesta casa mesmo, um espírito competente, falando com os
melhores economistas, já produziu uma página fulgurante
a respeito, tão profunda como poucas há sobre a matéria.
Não privarei a atenção da Câmara do
prazer de tornar a ouvir as deliciosas e sábias palavras
do sr. Bento de Miranda.
« O
problema em foco tem aspectos... [até]
... apenas transferência de verbas. »
Palavras de economista e de patriota, devem cair fundo na mente
dos que encontram no assunto financeiro um óbice intransponível.
Sr.presidente, a distância do Rio de Janeiro ao planalto
é também pergunta freqüente e matéria
de combate quando se dicute a transferência da capital.
Não pode prevalecer mais essa objeção: nos
dias de hoje, e com a atual locomoção, é longa
a viagem de quatro dias.
O planalto está cortado de linhas de automóveis,
entroncando uma delas em zona servida por via férrea; é
portanto uma zona já civilizada pela gasolina.
Mas a jornada pode ser muito rápida, como demonstra o dr.
Luís Cruls, que avalia em 20 horas o tempo do percurso entre
o planalto e o Rio de Janeiro, ou sejam 1.200 quilômetros
a 60 por hora, velocidade média, muito aquém da que
se observa na viação norte-americana.
Sr. presidente, depois destas considerações e guardando
outras para tempo oportuno, peço licença à
Câmara para ler o projeto de minha autoria e da do deputado
maranhense, sr. Rodrigues Machado, meu querido companheiro de jornada
em prol do planalto e do Brasil.
Projeto
de lei
Seja-me lícito, para finalizar, pedia à Comissão
de Legislação e Justiça queira emitir sua opinião
o mais urgente possível sobre o projeto, que tenho a honra
de submeter à apreciação da Casa.
Sr. presidente, não nos detenhamos criminosamente à
margem do caminho, deixando aos vindouros mais uma augusta página
de profundo desânimo; a semente está lançada,
a messe será abundante, chegando justo no momento propício.
Mudemos a capital da República.
A genial opinião de Pitt, aclimatada, tratada e medida pacientemente
no cérebro dos estadistas do império e da República,
não pode mais ser retardada: urge para benefício da
Pátria converter essa aspiração em realidade
patriótica.
Na hora presente, estreitados os laços de amizade no continente
americano, alicerçado nosso conceito de país civilizado
na Europa luminar, neste momento de fraternidade testemunhada ao
Brasil pelo mais poderoso império do velho Oriente, eis-nos
compelidos a provar que constituímos um povo de ação,
capaz de sustentar e cumprir um fervoroso ideal.
Está ereto o primeiro alicerce da magna construção;
seguram-no 33 poderosos seixos simbolizando as etapas do regime
democrático em que vivemos orgulhosos; não consintamos,
sr. presidente, que decorra mais um ano de vida republicana sem
a projeção definitiva de todos os pilares do grande
sonho do glorioso Andrada, o autor desta famosa peça de arquitetura
política.
Que mais falta para o cumprimento da genial aspiração?
Quer o governo, quer o Congresso, quer a imprensa, querem os homens
políticos, querem os economistas, querem, enfim, os intelectuais,
só restando, sr. presidente, a aplicação do
remédio financeiro, fácil de sr encontrado segundo
a previsão do nobre deputado sr. Bento Miranda.
Sr. presidente, se há um ano atrás a capital da República
se tivesse transportado para o dulcíssimo rincão de
minha terra natal, teríamos evitado, sem dúvida, sobejas
provas, a sobrecarga concedida aos futuros orçamentos com
a adenda ao ordenado do funcionalismo.
Futuros aumentos hão de vir nos futuros dias; procuremos
evitá-los levando a capital para a terra farta e fértil.
Olhemos para a frente e reflitamos que o abismo financeiro em que
se despenha, aceleradamente, a Pátria vale bem o sacrifício
de nossas comodidades.
Rumo ao planalto — deve ser agora em diante o grito dos patriotas
que só ali poderão, transportada a capital do país,
imitando o gesto do imperador audaz, pronunciar o — Independência
ou morte — das finanças brasileiras. (Muito bem. O orador
é vivamente cumprimentado).
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