Pedra Fundamental de Brasília - 1921-1922
Americano do Brasil propõe
criar administração do DF
Anais da Câmara dos Deputados, 1922, vol. XI, p. 224-237,
sessão de 23 de outubro de 1922 [cf.
AH2:134-148]
O sr. Americano do Brasil — Sr. presidente,
tenho observado, com real satisfação, nestes últimos
tempos, que o lapso vencido de mais um dia conquista sempre um ou
vários adeptos para a fileira patriótica dos defensores
do problema arraigado já profundamente na consciência
nacional, da transferência da capital do país para
as saudáveis altitudes do planalto central.
Como o transcurso das eras demuda a opinião dos
homens! Há bem poucos anos ainda o simples enunciado
do tema sobre que decorrerá esta modesta oração
teria feito aflorar um riso irônico aos lábios
dos circunstantes; hoje, felizmente, para nossos créditos
garantidos de patriotismo, somente o anelo da realização,
o mais breve possível, da secular promessa acende
em nossos espíritos as soberbas proporções
do sonho de José
Bonifácio, no centro do qual a pátria
ressurge, idealmente, poderosa e imensa.
A coorte inimiga do brilhante projeto, que desde a Inconfidência
vem iluminando os dias mais amargos da nacionalidade, já
não existe, parece tão rareada que a luz meridiana
esconde suas convicções; é que todos
os seus argumentos estão decididamente falidos diante
dos presagos acontecimentos desencadeados sobre o país,
que, glória de todos, vale muito mais, excede todas
as comodidades individuais. O monumento
singelo mas eloqüente da pedra basilar, ereto no rincão
ameno escolhido para o novo Distrito Federal, a 7 de setembro,
foi também uma resposta esmagadora aos paradoxais
princípios dos incrédulos e a prova de que
os homens de Estado já edificaram no ânimo
a convicção da necessidade de agir, favorecendo
o dispositivo constitucional que há três longas
décadas de vida republicana espera seu cumprimento
definitivo. A pedra fundamental será de hoje em diante
um lembrete perene a recordar aos governos um dever irrevogável,
a inspirar aos povos dos quaro pontos cardiais do país
novo alento, prenunciando a vinda de dias promissores para
a nacionalidade. As atuais circunstâncias, que vence
o Brasil dificilmente, ao invés de constituir poderoso
empecilho à efetivação do magno problema,
vem mostrar a imperiosa conveniência de, seja como
for, ativar a mudança projetada, lançando-se
mão de todos os meios ao alcance, pondo-se em evidência
todos os esforços latentes do país, suficientemente
rico para atrair os grandes capitais necessários
e outorgar-lhes percentagens rendosas.
Basta, sr. presidente, um pouco de reflexão, é suficiente
pensar nos vantajosos privilégios que poderíamos conceder
à companhia que se propusesse a edificar a nova capital:
a própria terra imensa, que anseia pelo progresso, oferece
aos estadistas condições e bases seguras para a futura
realização. Se os momentos de agora anunciam crise,
se a transferência se impõe para felicidade do país,
organizemos o balanço de nossas possibilidades e procuremos,
empregando a lei do menor esforço, a incógnita desejada.
Sr. presidente, esta incógnita, resposta definitiva
ao problema secular, está encontrada no projeto
que a 21 do corrente deixei sobre a mesa da Câmara,
autorizando a concorrência pública para a edificação
da nova cidade, podendo o Executivo fazer cessão
dos privilégios de luz e força, água,
telefone e viação urbana, obrigando-se a companhia
cuja proposta for aceita a construir todos os edifícios
públicos para a instalação do governo
e desempenhar outros encargos também discriminados.
A menos que não se recorra à emissão ou ao
empréstimo, é este o único expediente capaz
de êxito completo e devo lembrar que já constituiu
objeto de estudo sério nesta Casa, em 1908, uma proposta
do engenheiro francês A. Leyret, reunindo, em conjunto, os
mesmos requisitos do atual projeto.
Que seja esta a melhor solução do problema, não
serei tão apressado em afirmar; mas que nenhuma outra poderia
ser mais patrioticamente aconselhada é coisa inegável
à luz meridiana.
Ainda ontem um ilustre órgão da imprensa carioda
O Brasil, cujo programa é favorável à
mudança da capital, abordando este lado do projeto, o de
concorrência, ponderava que não seria de aconselhar
o pesado ônus a recair sobre a cidade em perspectiva, com
a adoção de semelhante medida, encarando a transmissão
de serviços altamente significativos na vida das coletividades.
Mas eu pergunto: aqui no Rio de Janeiro, como nas principais cidades
do Brasil, os serviços de luz, esgoto, telefone, viação,
não dependem de particulares ou de companhias? Ninguém
poderá negar.
Por que então, se o erro vem de longe, recusar a concorrência
neste caso imprescindível, de que resultarão tantos
benefícios ao país inteiro?
Há no projeto um ponto, uma cláusula que atende em
parte o inconveniente desses privilégios: as companhias concorrentes
devem ter sede no país, ao contrário de outras organizações
existentes entre nós, e que conservam seu escritório
central em nações estrangeiras.
É um grande mal que o projeto em questão não
saberia aconselhar.
O alto significado econômico e financeiro do breve comentário
daquele jornal me obriga a estas considerações; mas
acredito antes continuar a ser o grande mal do Brasil, não
o das concorrências, mas o da falta de nacionalização
de nosso comércio, o maior problema nacional.
Sr. presidente, assunto da maior relevância, envolvendo opinião
favorável dos vultos mais representativos dos grandes momentos
da pátria, de José Bonifácio a Rio Branco,
no Parlamento brasileiro, vozes profundamente autorizadas se têm
levantado em sua defesa ou à procura de sua efetivação.
Vem, neste instante, muito a propósito revistar a longa série
dos nomes entusiastas que nesta e na outra Casa do Congresso procuraram
justificar medidas sintetizadas em valiosos projetos, dispondo sobre
a mudança da capital da República. A duas interessantes
séries poderão ser filiadas todas estas proposições:
ou se encaminharam pelo terreno que aconselha à União
executar diretamente os trabalhos da transferência, ou preferiram
isentar os cofres públicos de quaisquer ônus, entregando
a terceiros a direção do importante empreendimento.
Sá Freire, em 1899,
foi porta-voz de notável projeto, a respeito, que, talvez
pelos pesados encargos previstos contra a União, não
logrou triunfar. Estudando amplamente o problema da mudança
da capital, essa proposição foi condenada por causa
da política financeira que advogava e só assim podemos
interpretar o silêncio que conquistou na pasta das Comissões.
No Senado, em 1905, Nogueira Paranaguá,
esforçado batalhador do grande ideal, sob moldes mais amplos
ainda e mais compreensíveis, fez ressurgir o interessante
debate com a apresentação de um projeto que mereceu,
impatrioticamente, ser rejeitado
após ligeira discussão, em 1908.
Entretanto, deve-se observar que, no mesmo ano, o engenheiro
francês A. Leyret, com Jesuíno Maciel e M. Teixeira
Lopes Guimarães, requereu ao Congresso Nacional o privilégio
para a construção da nova capital, mediante a concessão
de alguns favores, notadamente a exploração do fornecimento
de força, luz, água, telefone, viação
ao projetado núcleo social.
Submetida a proposta a rigoroso estudo um ou dois anos depois,
o Congresso resolveu aprová-la desde que os requerentes se
mostrassem habilitados.
A Leyret foi para a França e nada mais houve sobre a
tentativa.
Em 23 de novembro de 1911, o ilustre representante de Goiás,
hoje general Eduardo Sócrates,
justificou um belo projeto que autorizava a mudança, sem
ônus para a Nação, mediante determinadas concessões
às companhias proponentes, o meio que parece mais prático
adotar e que vem desenvolvido na proposição ora apresentada
à Câmara dos Deputados.
Em 1919, seja dito, houve ainda o projeto
Chermont, que merece uma citação especial neste
carinhoso esboço de lembranças. Dentro do Parlamento
foi tudo, creio, quanto a Nação presenciou, sendo
justiça recordar que entre os artigos de imprensa desse ano
de 1919, da autoria do assaz erudito dr. João Coelho Gomes
Ribeiro, um, altamente nacional, aconselhava o lançamento
em 1922, por ocasião do centenário, das pedras fundamentais
do palácio do COngresso, no planalto central.
Mas, sr. presidente, nenhum dos projetos acima referidos, prúridos
valiosos de patriotismo, lograram andamento, quer em uma, quer em
outra Casa do Congresso, concorrendo certeiros para o enriquecimento
do patrimônio dos arquivos.
Conhecido todo esse passado, foi com indizível surpresa
que, em 1921, os propagandistas da mudança da capital receberam
a passagem da proposição sobre a pedra fundamental
da nova metrópole, o primeiro sopro de alento que sacudiu
a fibra adormecida, o sonho máximo do patriarca, inserto
no Ato Adicional [?] e
na Constituição republicana.
Sem a mis-en-scène das discussões pomposas,
o projeto 480-A [680-A],
de 1921, do modesto orador e do distinto deputado maranhense
sr. Rodrigues Machado, reuniu a aprovação
do Congresso, unanimemente, parecendo significar que o Poder
Legislativo, enfim, se convencera de que o futuro da política
social e econômica da pátria devia ter irradiação
do centro para a periferia, estreitando as relações
entre os Estados, aproximando os sentimentos de unidade
nacional.
A significativa vantagem do Decreto
nº 4.494, de 18 de janeiro último, transformação
do referido projeto, não se resume, platonicamente,
no levantamento do símbolo, do marco basilar, na
área demarcada.
Não, um intuito mais decidido provocou o decreto em questão:
o reconhecimento oficial da região goiana como aquela de
que trata a Carta de 24 de fevereiro.
Erradamente, espíritos avessos atribuem o delineamento da
área planaltina à própria Constituição,
que, segundo os mesmos, parece ter encontrado os arcos de meridiano
e de paralelo já traçados, debuxando a zona de 14.400
quilômetros quadrados...
Sr. presidente, a situação é muito outra:
a Constituição de 24 de fevereiro outorgou
à União um direito na expressão do
artigo terceiro — fica pertencendo — mas o mesmo
ficou sob a condicional da demarcação, submetida
esta à aprovação do Legislativo, atentando-se
no disposto em o número 13 do artigo 34 do pacto
republicano. A demarcação Cruls foi executada
em 1893, mas seu reconhecimento oficial só se deu
agora com o Decreto
nº 4.494.
E esta interpretação é tanto mais razoável
quanto qualquer outra poderá prejudicar a legalidade das
posses no planalto central. Na opinião de nosso colega Prudente
de Morais, esposada por toda a Comissão de Justiça,
o território se tornou federal depois da sanção
do projeto questionado.
Assim a bela esplanada do vasto divortium aquarum das bacias
platina e amazônica, entre os paralelos 4º e 50º,
e 5º e 50º [sic],
sobejamente cortada de belos caudais, é a zona constitucional
de 14.400 quilômetros quadrados, isto é, 90 quilômetros
de largura sobre 160 de comprimento.
Sr. presidente, cabe neste lugar um comentário sincero ao
Relatório último do sr. ministro da Viação
quando aconselha a mudança da capital do Brasil para Petrópolis,
cidade que, segundo o mesmo titular, encerra os requisitos do art.
3º da Constituição do país. Isto não
é certo, nem léxica nem logicamente falando.
A consideração geográfica da expressão
planalto central, explícita na Carta Magna, não
pode compreender Petrópolis, a soberana das serras.
Escreveu o sábio Luís Cruls no Relatório
da Comissão que assim « se deve entender a
parte do planalto brasileiro mais central em relação
ao centro do território, isto é, mais próximo
deste ».
« Esta é a única interpretação
exata da expressão — planalto central — que figura
na Constituição. »
Petrópolis foge, portanto, ao texto constitucional e um
projeto propondo sua mudança para a cidade serrana seria
indubitavelmente ofensivo ao art. 3º da lei básica e
aos requisitos necessários à edificação
de uma grande metrópole.
O sr. Eliseu Guilherme — Belo Horizonte
seria melhor.
O sr. Americano do Brasil — ... do que
Petrópolis, mas aquela também não está
no planalto central.
O sr. Rodrigues Machado — O local já
está definido na Constituição e determinado
pelo Decreto
nº 4.494, deste ano.
O sr. Americano do Brasil — Perfeitamente,
a zona de 14.400 quilômetros quadrados, já demarcada
desde 1893, é a que geograficamente preenche as condições
propostas pelos legisladores de 1891, e só ela.
Não se pode confundir os dois acidentes — planalto brasileiro
e planalto central — são dois conceitos definidos.
O planalto brasileiro, são palavras de Luís Cruls,
autoridade máxima na matéria, « ocupa
grande parte dos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, parte
menor do de Goiás, e estende-se sob a forma de faixas estreitas,
uma na Bahia, a leste do rio São Francisco, outra a oeste
deste mesmo rio, até os limites do Estado de Goiás
com os do Maranhão e do Piauí; outra, finalmente,
ao longo do litoral, em direção ao sul, até
o Rio Grande. Eis em traços largos a configuração
geral do planalto brasileiro que nos interessa diretamente ».
Não é só, o ilustre chefe da Comissão
de 1892 foi mais claro: « deste planalto, porém,
a única parte à qual cabe a denominação
de central é aquela que se acha nas proximidades dos
Pireneus, no Estado de Goiás, não somente por ser
na realidade a mais próxima do centro do Brasil, como também
por se acharem aí as cabeceiras de alguns dos mais caudalosos
rios do sistema hidrográfico brasileiro, isto é, o
Tocantins, o São Francisco e o Paraná ».
Não estivesse a opinião do ilustrado sr. Pires do
Rio, o mais jovem de nossos estadistas, em documento oficial de
tão alto valor, eu me julgaria dispensado de comentá-la,
mas ao menos assim o insigne titular deu-nos o ensejo de sua manifestação
favorável à transferência da capital do país,
quando semelhante objeto contraria as cogitações do
sr. Duque Estrada, abalizado crítico literário, que
outro dia afirmou, por intermédio do Jornal do Brasil,
estar agora realmente satisfeito porque o planalto tinha a pedra
por cima. (Risos). Ao que me lembra, desde um ano, é
a primeira opinião divergente sobre a mudança da capital,
pronunciada de passagem, entre o humorismo e o sério.
Jamais, sr. presidente, em tempo algum, tanta unidade de vista
presidiu os destinos da nação quanto ao almejado desideratum
como no ano do centenário, em que se comemora a independência
política, sentindo-se o vazio, a inexistência da emancipação
econômica ou financeira.
O país está mais agrilhoado aos milhões de
estrangeiros, librando-se nos moldes de uma política sem
as tradições do verdadeiro patriotismo porque este
implica a nacionalização e esta presume o cerceamento
de inúmeras liberdades garantidas por nossas leis, liberdades
prejudiciais ao futuro da raça e dos cofres nacionais. A
transferência da sede do governo, inaugurando um novo ciclo
histórico, viria facilitar o estabelecimento, em o núcleo
social do planalto central, de certas fórmulas protetoras
da defesa econômica.
Não há espaço, entre a magnanimidade e a urgência
do problema, para conceitos em contrário. Todos o desejam.
Neste momento, aconselhando o Congresso, a imprensa os patriotas
a projetada mudança, custa a crer que motivos hajam a deter
a realização do ideal, a impedir a aspiração
unânime...
O sr. Eliseu Guilherme — Querem sem querer.
O sr. Americano do Brasil — ... sendo impossível
admitir o sacrifício da pátria em benefício
de comodidades individuais. Quando está em jogo o interesse
nacional...
O sr. Camilo Prates — Interesse vital para
a integridade do Brasil.
O sr. Americano do Brasil — ... são
mínimos todos os sacrifícios, até o do sangue,
mas neste caso apenas entregaremos em holocausto no altar da pátria
o supérfluo, os refinamentos sociais.
O sr. Camilo Prates — Os próprios
representantes do Distrito Federal estão de acordo com a
mudança da capital.
O sr. Americano do Brasil — O atual Distrito
ficaria sendo, para satisfação dos cariocas, o Estado
da Guanabara, feita a transferência; o Rio de Janeiro nada
perderia de sua grandeza material ou intelectual, continuaria a
ser a Nova Iorque do Brasil.
Sr. presidente, os grandes inspirados da raça brasileira,
síntese das três linhas genitoras, aqueles que no curso
sereno ou tumultuoso da história tiveram em suas mãos
os fios de Ariadne dos destinos da nação, guiando-a
nos campos de batalha ou nos dourados salões da diplomacia,
foram por atestados vivos de patriotismo, unânimes em deixar
presas às memórias de suas vidas, indicadas em caracteres
indeléveis, formosas orações cívicas
bordadas com as lantejoulas desse sonho imenso, de patriotismo.
Os inconfidentes lançaram o proveitoso grão;
José
Bonifácio regou-o com as suas vigílias
patrióticas; os regentes colheram a primeira flor;
os vultos de 89 tornaram obrigatório o culto à
árvore preciosa, que hoje, por um desses golpes felizes
do destino, se mostra com toda a pujança justamente
quando no pórtico do edifício social da política
assoma a figura egrégia de um mineiro, cujo nome
está fadado, se o quiser, a ser o extremo dos sonhadores
inconfidentes com a transplantação da árvore
alegórica para os tabuleiros do Brasil central.
E para que a árvore augusta não se creste
ao sol do desengano, cumpre não cessar a propaganda:
à imprensa sobretudo cabe o principal papel. Foi
por um de seus mais antigos órgãos, o Correio
Braziliense que, em 1808, o insigne jornalista J. H.
Furtado de Mendonça
[Hipólito]
pregou largamente, com a autoridade de seu nome ilustre,
a brilhante aspiração, decalcando-a com o
probloema das finanças, porque o exilado português
[brasileiro] era um grande economista.
Sr. presidente, se as revoluções sociais do Brasil
marcaram na história uma intensidade de propaganda a favor
da mudança da capital, um acontecimento digno de nota impele-a
nos dias de hoje, carregando-a para uma áurea fase de realização.
Eis o documento: na voragem do sonho grandioso de Tiradentes, no
torvelinho das agitações da independência, no
período agitado de regência, no tenebroso caso Christie,
na reforma política de 89, foram delineadas as mais notáveis
páginas sobre a mudança da capital, páginas
inspiradas pelo saber das revoluções.
E a revolução de hoje? Esta é de caráter
econômico; é a ânsia de progresso que agita o
Brasil, cujo desenvolvimento tem sido retardado, entre outros motivos,
pela permanência da capital na orla marítima, na situação
excêntrica, tal o cérebro colocado à periferia,
incapaz de sensibilizar, de levar vitalidade ao recesso das células
mais afastadas.
A osmose comercial do país não tem, à vista
semelhante condição, obedecido a um ritmo de evolução,
mas ao aceno do valor político das unidades. A capital, no
centro, corrigiria o mal, criando, por outro lado, os fiéis
copulativos da unidade nacional [sic].
O Brasil quer caminhar para o futuro, atingindo o grau máximo
do aparelhamento moderno para disputar os mercados agrícola-pastoris
do mundo, oferecendo sua copiosa produção, aumentada
de ano para ano.
A terra rica e mal explorada quer inaugurar a nova política
financeira e econômica: outra não é a explicação
do movimento favorável à mudança, antevista
e calculada até no programa do futuro governo.
Sr. presidente, nem os exemplos nos faltam dentro da própria
Nação: o Estado de Minas, em dias recentes do século
XX [final do século XIX],
operou a mudança da sede do governo, fundando Belo Horizonte,
com os requisitos modernos de uma cidade higiênica; o Estado
do Piauí fez o mesmo, em meados do século XIX, tendo
sido na administração Saraiva fundada a cidade de
Teresina, atual capital da circunscrição nortista.
Não constituem esses exemplos um brilhante sintoma de atividade,
digno de imitação pelos dirigentes dos destinos do
Brasil? Nosso país é, na carta da América,
uma perigosa exceção, como sede do governo central
colocada na orla marítima. Um golpe de vista pelo mapa das
duas Américas formará melhor orientação:
na do norte, pode-se lembrar que Otawa, no Canadá, foi fundada
depois de um bill do Legislativo canadense, especialmente
para ser a capital e igualmente Washington, atual residênica
do governo dos Estados Unidos.
Ao Brasil se ajusta perfeitamente a condição destes
dois países, que levantaram suas capitais longe do mar.
México, Tegucigalpa, Manágua, São José
da Costa Rica, Guatemala são cidades centrais; só
o pequenino Panamá tem capital marítima na baía
do mesmo nome.
Caracas, Santa Fé do Bogotá, Quito, Lima, Santiago,
ficam no centro dos territórios.
Montevidéu faz exceção, com o Rio de Janeiro,
no contrasenso administrativo da capital marítima.
No velho continente, residência de povos experimentados,
vemos ainda que Madri, Paris, Roma, Londres, São Petersburgo,
Cristiânia, Bruxelas, Belgrado, Atenas, Sofia, Bucarest, Varsóvia,
todas capitais européias ficam longe do mar.
O sr. Nelson de Sena — A Austrália
transferiu também a sua capital para o centro.
O sr. Americano do Brasil — Perfeitamente,
fornecendo-nos mais um exemplo de real proveito.
Sr presidente, o Brasil não deve também olvidar as
lições da grande guerra, mostrando à luz calma
do dia que o coração dos homens de hoje pouco difere
do órgão central do troglodita, e que as conquistas
intelectuais não são ainda tão poderosas que
sufoquem a ambição corrosiva das nacionalidades. As
duas Américas não pagaram ainda o tributo de sangue
em larga escala; a grandeza suprema da América será
conquistada em uma guerra.
O Brasil é um vasto país ainda pouco povoado, mas,
ao certo, continente das prerrogativas que o impelem ao papel de
futuro árbitro da paz americana.
Que se mire no exemplo da grande guerra e prepare a paz pela senda
diplomática da defesa nacional.
Levantar a capital no interior é um princípio que
se impõe, no caminho da organização militar.
Sr. presidente, poderia ter poupado à Câmara a audição
destes conceitos sem valor, ditos por mim, que não tenho
autoridade (não apoiados), se não me visse
obrigado a justificar o projeto em que consubstanciei um conjunto
de idéias a aconselhar a mudança da capital sem ônus
para a Nação.
Terminaria por certo, neste ponto, minhas considerações,
se meu primeiro discurso tivesse suficientemente informado sobre
o aspecto da área demarcada.
Críticos particulares e críticos da imprensa me arrastam
a ligeiras explicações sobre a hidrografia da bela
região, outrossim, respondendo a um colega que duvidava da
abundância do precioso líquido em uma zona de divortium
aquarum.
A faixa escolhida, cobrindo porções do divisor, se
estende por 160 quilômetros de extensão, sobre 90 de
largura; é, portanto, um grande território. Contém
a nascente das três grandes correntes — o São Francisco,
o Paraná, o Tocantins.
Tratando deste valor hidrográfico em uma das últimas
edições d'O País, o dr. Azevedo Pimentel,
grande conhecedor do planalto central, traçou o quadro completo
da possibilidade da região, neste sentido.
Azevedo Pimentel é uma autoridade perfeita, falando-se da
mudança da capital. Livros, monografias, conferências
e belos artigos, desde mais de 30 anos, tem divulgado entre
nós: em todas estas páginas estão diluídos
seu coração e sua inteligência de patriota,
sendo de estranhar, sr. presidente, que, dada sua reconhecida
competência, não fosse convidado para fazer
parte da comissão
encarregada de levantar o marco básico da futura
cidade.
O sr. Otávio Rocha — Isso não
é de estranhar, pois também não foram convidados
os Andradas para as comemorações do centenário.
O sr. Americano do Brasil — O higienista
e o engenheiro não se podem divorciar na localização
topográfica de uma zona destinada a tão avantajado
plano.
A competência do ilustre chefe da comissão da pedra
fundamental, meu particular amigo dr. Balduíno de Almeida,
teria brilhante duo com os conhecimentos de Azevedo Pimentel, resultando
uma melhor escolha de localidade para a projeção do
marco.
Mas, sr. presidente, eu falava da topografia e da hidrografia do
planalto central, lembrando mais uma página elevada deste
ilustre médico.
Para oferecer uma resposta decisiva aos que põem em dúvida
as possibilidades hidrográficas da área demarcada,
reportar-me-ei ao seguinte esboço do ilustre patrício,
inserto no aludido jornal.
[quadro de vasão
dos rios do planalto]
E após, sr. presidente, longa observação sobre
cada uma destas poderosas correntes, malsinando o local em que foi
lançado o monumento da pedra fundamental, termina o instrutivo
artigo afirmando que o ponto mais indicado « fica
entre os rios Descoberto e Areias, no meio da reta que vai da barra
do Guariroba, naquele, à de Macacos, neste, a 1.000 metros
de altitude; é o melhor local de todo o Distrito Federal
porque tem no tempo da seca 1.220.000 metros cúbicos de água,
por dia ».
Só a Roma da idade média, afirma, dava tanta água
aos seus habitantes, em número de 1.000.000.
Dispenso-me de outros reparos sobre o assunto, enviando os interessados
a consultar o inexcedível Relatório
da comissão do Planalto, se desejarem conhecimentos mais
minuciosos.
Da beleza do clima, da paisagem, da vegetação,
já informei à Câmara, quando defendi
desta tribuna
o projeto
que organiza a justiça no futuro Distrito Federal.
Cabe aqui, muito a propósito, a menção da
epístola científica de A. Glaziou, o notável
botânico a quem o Brasil tanto deve, relatando a propriedade
e a excelência da flora, da paisagem e do clima da área
demarcada, zona que percorreu em diversas direções,
na extensão de 700 quilômetros.
Melhor assim do que meu próprio testemunho, as palavra so
ilustre francês, dirigidas ao sábio Luís Cruls,
em 16 de novembro de 1897 [1894], lá mesmo, do belo planalto
central, revelam que « o
aspecto da região (...) é de um país ligeiramente
ondulado: lembra o Anjou, a Normandia e mais ainda a Bretanha
[até ] ... climatológicas
do ambiente que habita ».
E A. Glaziou termina o eloqüente elogio do planalto central,
correspondente à área demarcada, estimando que um
estadista brasileiro experimente de visu a excelente perspectiva,
apta a marcar uma nova fase social ou econômica na história
do país.
Sr. presidente, não deixarei a tribuna sem dizer à
Câmara que a nota de um vespertino de ontem, asseverando a
indiferença do povo goiano ante a idéia da mudança
da capital e apostrofando o Estado de Goiás de circunscrição
endividada, não conserva o menor vislumbre de verdade.
Os brasileiros do centro esperam ansiosos a realização
do almejado plano de José Bonifácio, e meu Estado,
embora pobre, não deve um ceitil sequer: todas as suas dívidas
foram resgatadas na administração Alves de Castro.
Goiás espera a aurora redentora na expectativa de futuro
melhor.
Na verdade, sr. presidente, auspiciosas serão as perspectivas
que se abrirão para o Brasil inteiro.
A transferência garantirá a defesa nacional; ali não
ficará a sede do governo exposta às insídias
dos momentos incertos; a paz, garantida pela organização
militar, porá a coberto a costa e a fronteira.
Ganharão as riquezas naturais que, convenientemente exploradas,
muito contribuirão para o soerguimento financeiro, sobretudo
quando aproveitarmos convenientemente o carvão, o petróleo,
o ouro, três fontes maravilhosas de riqueza, entregues a abandono
desolador.
Tem-se dito desta tribuna, repetidas vezes, que o Brasil está
à beira de um abismo, que o Brasil está falido.
É velha a figura, mas nunca chegou a ser real. É
uma crise transitória esta de agora, nem de leve abalando
as proporções basilares das nossas possibilidades
de país rico.
Um país cuja produção anual atinge a 8 milhões
de contos de réis, ou sejam 1 bilhão de dólares
ou 200 milhões esterlinos, não pode nunca estar ameaçado
de falência, tem seu crédito garantido.
Que será do Brasil, sr. presidente, no dia em que dispensar
o concurso estrangeiro, no dia em que puder utilizar o carvão
e o petróleo de seu rico subsolo e armazenar nas arcas do
Tesouro a produção aurífera?
É o futuro que nos espera quando o Brasil ditar os preços
nos mercados consumidores, como já faz para o café...
caminho que atingirá pela rota de uma política essencialmente
econômica, inaugurada na nova capital.
O sr. Otávio Rocha — Para restabelecer
o Brasil financeiramente basta um quadriênio.
O sr. Americano do Brasil — Não
é só: ganhará o problema da viação.
A capital, colocada no centro, prenderia em menos de 20 anos as
mais vastas paragens brasileiras, estreitando-as em um amplexo significativo,
aproximando os Estados, pondo em contato as populações,
elemento cooperador da unidade nacional.
Desta maneira, mais eficazmente do que com a extinção
dos símbolos, bandeiras e escudos, trabalharíamos
para a integridade da pátria e pela prosperidade deste jovem
povo americano do sul.
Sr. presidente, estou fatigando a atenção da Câmara
(não apoiados) , por isso vou chegar imediatamente
ao cabo do meu tema.
O projeto que tive a honra de apresentar à Câmara
dispensa mesmo qualquer justificação: esta já
se acha delineada em todas as consciências.
A concorrência pública, sr. presidente, é o
remédio providencial, adotemo-lo mais uma vez para tão
importante solução econômica.
Os dispendiosos serviços de luz e força, água,
esgoto, viação, telefone, em todas as cidades de maior
conceito entre nós, estão entregues a companhias nacionais
ou estrangeiras, estas últimas, às vezes, com sede
em país estranho. Haja vista o exemplo do Rio de Janeiro.
É imprescindível um mais pronto trabalho em prol
da beneficiadora idéia da mudança: a construção
rápida de uma primeira estrada de ferro prendendo o planalto
central ao ponto mais próximo de ferrovia, que fica reservado
ao governo por motivos que dispensam comentários ou justificação.
Sr. presidente, devo ainda, ao terminar, repetir que esse projeto
é um trabalho coletivo, cuja redação me foi
afeta: representa colaboração minha, do nobre deputado
mineiro sr. Camilo Prates, do ilustrado senhor Carlos Garcia da
bancada paulista, e do sr. Rodrigues Machado, representante maranhense.
Está, com estas últimas palavras, encerrado o programa
de minhas considerações sobre a proposição
que vai à Comissão de Obras Públicas.
O intuito da medida é digno, é patriótico,
merece o acatamento desta ilustre Câmara, representando aspiração,
já velha, mais de um século.
A conversão do projeto em lei e o cumprimento desta valerão
pelo remédio poderoso a abalar o colosso semi-adormecido,
despertando-o para assistir à descoberta da incógnita
de sua própria razão de ser.
Desse projeto depende o grande futuro de uma nacionalidade. (Muito
bem; muito bem. O orador é vivamente [sic]).
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